Maconha terapêutica implica nova política de drogas

maconha

Por André Kiepper

Um dos atores sociais que impulsionaram a classificação do CBD, pesquisadores que negam potencial terapêutico da erva possuem patente de um composto de CBD fluorado

Uma ideia legislativa para regular a maconha está em tramitação no Senado Federal. Os pais de crianças com epilepsias de difícil controle que se tratam com óleo de maconha rico em CBD poderiam aproveitar o momento histórico pelo qual atravessam para contestar publicamente a proibição da planta que traz qualidade de vida e até mesmo salva da morte muitos de seus filhos. O proibicionismo, entretanto, impossibilita que muitos advoguem por mudanças para além da lista de substâncias proscritas.

Dois dos atores sociais que impulsionaram a classificação do CBD na Portaria 344/98 da ANVISA – o grupo de pesquisa em Canabidiol da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e a empresa que fabrica e exporta o extrato de maconha da marca que se estabeleceu no Brasil – negam o potencial terapêutico da erva in natura e de seu uso como medicamento fitoterápico. De forma maniqueísta, colocam CBD contra THC, negligenciando o hibridismo e o efeito comitiva intrínsecos à planta.

É de conhecimento público que o referido grupo de médicos de Ribeirão Preto possui patente de um composto de CBD fluorado, disponível para consulta online. A posse dessa patente ajuda a entender o motivo pelo qual o grupo condena o THC e não defende o uso da droga em sua forma vegetal, que já é aceito por associações médicas da Europa e da América do Norte. Não obstante, o óleo rico em CBD que tem sido administrado no Brasil, para epilepsias refratárias, é extrato vegetal de Cannabis indica.

Maconha medicinal não é medicamento sintético. O THC já foi sintetizado pela indústria, mas teve baixa adesão por provocar efeitos adversos piores que o do seu similar natural. Maconha medicinal é erva in natura e extrato vegetal em todos os lugares do mundo onde está regulada: ela é uma flor fumada, vaporizada, ou ingerida por via oral. Nos dispensários, os pacientes não encontram CBD ou THC, mas escolhem flores entre dezenas de opções de plantas sativa, indica ou híbridas.

As manifestações que vemos na mídia contra a maconha e o THC, contendo informações inverídicas e sem fundamentação científica, contribuem com a manutenção do estigma sobre seus usuários. Talvez por isso grande parte dos ativistas pela reforma na legislação de drogas e pesquisadores do tema têm sido reticentes em comemorar como um avanço a recente medida administrativa da agência nacional de vigilância sanitária, que privilegia um composto isolado.

O presidente da Anvisa declarou em audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal, em dezembro de 2014, que a agência não possui competência legal para regulamentar o uso fitoterápico e da maconha in natura no Brasil, embora o Artigo 2 da Lei de Drogas confira este poder ao Ministério da Saúde, ao qual vincula-se a agência. A Anvisa faz o registro de produtos e medicamentos farmacêuticos, desde que comprovadas sua eficácia e segurança mediante a apresentação de testes clínicos randomizados.

A agência reguladora encontra-se diante de um dilema, porque apenas uma empresa possui esses testes para um remédio de maconha. Especula-se que não existam outros medicamentos com registro farmacêutico porque não se pode patentear uma planta. E este único produto contém alta concentração de THC. Por ser de base vegetal, a bula orienta o paciente a armazená-lo em geladeira, e informa que seu prazo de validade expira 28 dias depois de aberto. Seu alto custo, no entanto, mantém o uso da maconha in natura como opção mais econômica, e por isso mais viável e efetiva.

Pleitear a maconha como opção terapêutica implica exigir uma mudança radical na forma como o governo conduz a política de drogas, porque a falta de acesso ao remédio deve-se às normas vigentes. Um paciente pouco engajado no debate sobre a reforma na lei de drogas, e até mesmo omisso diante de uma medida administrativa tomada com pouca honestidade científica, condena a si mesmo a depender da biqueira. É preciso sobrepor preconceitos para superar o maniqueísmo do discurso raso que coloca CBD versus THC sob um viés proibicionista.

*André Kiepper, 33, é Analista de Gestão em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz.

Fonte: Carta Capital

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