As forças políticas profundas da eleição presidencial

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Por Nicolas Chernavsky, de Culturapolitica.info.

Por trás das candidaturas de Dilma e Marina, existem forças que disputam a liderança do Estado brasileiro; quais são elas?

As candidaturas presidenciais são a parte mais visível da disputa política, mas existem outras estruturas, por trás das candidaturas presidenciais, que também disputam a política e que utilizam os partidos políticos e os candidatos como instrumentos nessa disputa. Ou seja, existe mais de uma “camada” na disputa política. Inclusive, é possível enxergar melhor essa “camada” oculta da política se observarmos a história chegando até antes das disputas eleitorais, pois as eleições democráticas, como mecanismo amplamente utilizado, em termos históricos, são um fenômeno muito recente.

Assim, proponho uma análise da política mais além de sua superfície, que são os partidos e os candidatos (os quais são a política mais visível, manifesta, e por isso tratada erroneamente como “a política”), e tentar analisar a política como um todo, que incluiria as forças sociais que dão sustentação a esses partidos e candidatos. Essas forças sustentadoras são as que disputam a política de uma forma pouco visível, mas muito influente. Ou seja, a sociedade tem muito mais consciência da disputa entre partidos e candidatos do que da disputa entre aquelas forças que dão sustentação aos partidos e candidatos. O problema disso é que votar em partidos e candidatos, sem haver consciência suficiente da disputa subterrânea entre as forças que lhes dão sustentação, é algo que pode levar o eleitor a votar contra seu próprio interesse. Este artigo se destina justamente a chamar a atenção para a necessidade de fazer a conexão entre os partidos e os candidatos e as forças que lhes dão sustentação (sem falar em fazer a conexão entre os partidos e os candidatos!).

Em termos práticos, deve-se analisar as duas principais candidaturas à presidência do Brasil nas eleições de 2014, que provavelmente disputarão o segundo turno. A candidatura Dilma Rousseff representa uma coalizão de partidos liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). A candidatura Marina Silva representa uma coalizão de partidos liderada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Mas essa não é uma designação extremamente rasa? Em primeiro lugar, por exemplo, Marina Silva não tem uma história no PSB, tendo entrado no partido para ser a candidata a vice de Eduardo Campos há cerca de um ano. Até que ponto é minimamente útil dizer que ela é a candidata de uma coalizão liderada pelo PSB? Ou seja, ela é a candidata de quem, além do PSB e outros pequenos partidos? É aí que quero chegar. E quanto a Dilma Rousseff? Ela é a candidata de uma coalizão liderada pelo PT, mas além das siglas que a apoiam, o que mais representa a candidatura de Dilma Rousseff?

Para analisar quem está por trás dessas duas candidaturas, é preciso levar em conta também o sistema eleitoral, porque sendo as candidaturas instrumentos, as forças políticas profundas não estão necessariamente interessadas na vitória de uma única candidatura específica (especialmente no primeiro turno), mas na realização de suas preferências políticas na gestão do Estado, o que pode ocorrer através da vitória de mais de uma candidatura. Assim, uma força política profunda pode apoiar mais de um candidato, de acordo com o sistema eleitoral e com o momento da disputa, especialmente em relação a ser o primeiro ou o segundo turno. Neste primeiro turno, além de Dilma e Marina, há outro candidato, Aécio Neves, com chances minimamente reais de ir ao segundo turno. Entretanto, cada vez mais cresce a percepção geral, inclusive no espectro político mais conservador, de que Marina tem consideravelmente mais chances de vencer Dilma no segundo turno que Aécio. Assim, as forças profundas mais conservadoras apoiam de forma cada vez mais sólida Marina, tendendo a levá-la ao segundo turno para então concentrar seus esforços somente em sua candidatura.

Enfim, quais são essas forças profundas da política, mais além de candidaturas ou partidos? Em uma eleição, evidentemente os meios de comunicação são fundamentais para embasar a votação dos eleitores. A estrutura dos meios de comunicação fora da Internet no Brasil ainda é extremamente influenciada pelo período da ditadura militar, que durou de 1964 até aproximadamente 1984, pois as principais empresas de radiodifusão, inclusive em relação às concessões estatais do espectro eletromagnético, se estabeleceram nessa época. Em relação aos jornais e revistas, a ditadura também influenciou fortemente, visto que muitos jornais e revistas foram fechados ou impedidos de funcionar durante a ditadura, enquanto que outros puderam seguir funcionando, apesar de sofrerem um pouco de censura. Com algumas exceções, surgidas após a ditadura, como a revista Carta Capital, que começou a ser publicada em 1996, a grande maioria das concessões estatais do espectro eletromagnético e dos jornais e revistas de grande circulação prefere a candidatura Marina Silva à candidatura Dilma Rousseff. Além disso, analisando a história dos meios de comunicação no Brasil, temos um indício de outra força política profunda que atua na disputa eleitoral e política brasileira.

Que força política profunda é essa? Uma vez que a estrutura dos meios de comunicação fora da Internet no Brasil foi forjada durante a ditadura, devemos buscar mais forças políticas profundas nas forças que sustentaram a ditadura militar. Hoje em dia, inclusive pela liberação de documentos que anteriormente eram confidenciais do Estado dos Estados Unidos, sabemos que este Estado teve uma participação muito influente no golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart e acabou com a democracia do Brasil em 1964. Posteriormente, o Estado dos Estados Unidos foi fundamental para a manutenção da ditadura por décadas, com a justificativa de que isso seria necessário para evitar que o Brasil caísse na órbita soviética. Enfim, já identificamos então, como forças políticas profundas, os meios de comunicação estruturados durante a ditadura com o apoio do Estado dos Estados Unidos.

Que outras forças políticas profundas existem? Os setores que são proprietários das grandes empresas no Brasil, tanto no setor agrícola, no setor industrial e no setor de serviços (como os bancos), ou seja, as grandes empresas em geral (que têm sua propriedade extremamente concentrada), costumam agir para manter esse poder econômico e financeiro, e assim, também influenciam na disputa política. Através dos meios de comunicação, influenciam pagando a veiculação de propagandas, sendo que apesar dessa veiculação levar em conta o alcance de público dos meios de comunicação, também leva em conta o grau de alinhamento aos interesses mais amplos dessas grandes empresas. Outra forma de influência deste setor é através do financiamento de campanhas eleitorais de coligações, partidos e candidatos. Mas este setor, dos proprietários das grandes empresas, é formado não só por brasileiros, mas também por estrangeiros. Aí se evidencia a conexão que existe entre o Estado dos Estados Unidos, os Estados de outros países, especialmente da Europa ocidental, e os interesses das grandes empresas que operam no Brasil e no exterior.

Outras forças políticas profundas são os sindicatos, movimentos populares, ONGs, organizações religiosas, pequenas empresas, e poderíamos listar uma série destas forças políticas profundas, mas o mais importante a salientar é que são a teia de interesses de organização de massa no país. Em relação aos partidos políticos, há alguns que por sua identificação simbólica, sua estrutura orgânica e sua relação com os movimentos sociais e populares acabam se tornando uma força política mais profunda que outros partidos. No Brasil, em termos de partidos com considerável número de assentos no parlamento, estes partidos são o PT e o PCdoB.

Por trás de todas estas forças mencionadas, existe uma variável determinante na influência delas que é o grau de consciência da existência delas no eleitorado. Quanto mais o eleitor puder perceber os interesses dessas forças por trás das candidaturas e dos partidos, mais este eleitor vai poder relacionar o seu voto com seu próprio interesse (do eleitor). Assim, podemos perceber que os meios de comunicação estruturados durante a ditadura, assim como as grandes empresas brasileiras e estrangeiras, em geral apoiam a candidatura de Marina Silva. Os Estados dos países dificilmente tomam partido explícito em eleições de outros países, apesar de que é possível que de maneira encoberta o façam. Em relação a sindicatos e movimentos populares, em geral estes apoiam no primeiro turno, ou apoiariam no segundo turno, a candidatura Dilma. Em relação a ONGs e pequenas empresas, há uma divisão maior entre as duas candidaturas. Em meio a tudo isso está o eleitorado, que terá que decidir se quer o Estado brasileiro sendo liderado, com Marina, pelo interesse das grandes empresas brasileiras e estrangeiras, pelos meios de comunicação estruturados durante a ditadura e por Estados de outros países, especialmente dos Estados Unidos e da Europa ocidental, ou se quer o Estado brasileiro sendo liderado, com Dilma, pelos partidos políticos mais orgânicos e populares do Brasil, que são o PT e o PCdoB, pelos sindicatos, movimentos populares, e pelas entidades da sociedade civil organizada, inclusive de pequenos empresários. Claro que estas duas alternativas de estruturas de Estado seriam apenas “lideradas” por essas forças, sendo que todas essas forças, algumas mais, algumas menos, algumas muito mais, algumas muito menos, influenciariam no Estado brasileiro. Mas a decisão sobre que forças políticas profundas liderarão o Estado brasileiro está na mãos do eleitorado do país, que se pronunciará em 5 de outubro e 26 de outubro de 2014. Clique aqui para se tornar um colaborador financeiro do culturapolitica.info.

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