Juízes reproduzem “senhor de engenho” na aplicação de penas, diz pesquisadora

Por Juliana Gonçalves.

Uma briga de trânsito próximo à rodoviária Barra Funda, no último sábado (27), teve desfecho que reascendeu o debate sobre o racismo praticado pelo sistema penal. Depois de ser alvejado por um dos 11 tiros disparados por uma policial à paisana, Aluisio Martins de Souza, homem negro, sem antecedentes criminais e trabalhador, foi acusado de tentativa de homicídio e proibido de aguardar o julgamento em liberdade.

Se valendo unicamente da palavra da policial militar Paloma Celeste Dadão Teixeira, Aluisio foi encarcerado. Para a pesquisadora em gênero, raça e prisão, Dina Alves, é trágico e comum a sentença de pessoas serem embasadas unicamente na palavra de policiais. “Isso é absolutamente trágico e perverso na vida de pessoas presas e, sobretudo, às mais de 40% que estão presas na prisão provisória, que nem sequer foram condenadas”, afirma.

No caso de Aluisio, que trabalha como DJ e ganha seu sustento tocando em festas voltadas à comunidade negra, não foi encontrada nenhuma arma nos arredores e nenhuma testemunha que confirma o que foi dito pela policial, exceto as pessoas que estavam com ela no carro.

A policial militar, uma mulher branca, teria alegado que se sentiu ameaçada pelo DJ e, por esse motivo, teria disparado 11 vezes contra ele.  Apenas um tiro acertou Aluisio no ombro. No Boletim de Ocorrência (B.O.) realizado na  91º DP, na Vila Leopoldina, consta a denúncia contra o DJ como “tentativa de homicídio qualificada”, na qual a PM aparece como vítima.

Para a pesquisadora, a violência de policiais contra pessoas negras é histórica e marca capítulo primordial na seletividade penal comum hoje em dia. “Muitos juízes e operadores de Direito reproduzem os senhores de engenho quando vão distribuir a punição que é tão seletiva no país”, pontua ao citar o alto número de encarceramento no Brasil: mais de 700 mil presos, em sua maioria negros e negras.

Alves expõe ainda que o pensamento criminal brasileiro foi fundamentado em escolas de direito por meio de teorias racistas e eugênicas. “A seletividade penal empurra negros e pobres para esse sistema penitenciário”, lamenta.

Sammy Theofilo, técnico mecânico — que costumava encontrar o DJ toda quinta-feira quando ele tocava samba rock num bar no centro de São Paulo —, ficou chocado com a notícia da prisão de Aluisio. “Será que se ele fosse um homem branco a abordagem seria a mesma? Eu me coloco no lugar dele, poderia ser eu entrando no mercado, uma pessoa ficar assustada e eu tomar 11 tiros no lugar dele”, considera ele que também é um jovem negro.

O produtor cultural e fotógrafo conhecido como Nego Jr. também ficou abalado pela maneira como Aluisio foi tratado pela Justiça. “A gente vê o quanto, às vezes, a cor da nossa pele, o nosso perfil social é para nós mesmos uma ameaça”, constata.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo afirmou que a Corregedoria da Polícia está acompanhando as investigações para averiguar se houve excessos da policial. Veja abaixo.

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