Jornadas de junho, caso Freixo e o fascismo à brasileira

zapatillasPor João Gabriel Almeida, para Desacato.info.

Em seu livro ainda não publicado no Brasil, Yann Moulier Boutang, economista francês, faz a distinção entre labour power (força de trabalho) e invention power (força inventiva). Em resumo o invention power seria a capacidade criativa do trabalhador que no atual capitalismo, pós-revolução informacional, torna-se o centro de extração de mais-valia. Cada vez é mais barato produzir, o que de fato gera valor são elementos “imateriais”. O exemplo citado no livro deste autor é ilustrativo: o que diferencia um tênis de $90,00 de um de $500,00 é sua marca e todo valor produzido por seus marketeiros, designers e demais componentes da nova classe simbólica. Ainda é necessário o bom e velho operário, mas não é dele que o capitalista tira o grosso do seu lucro.  Isso gera uma questão inédita: o trabalhador dessa classe simbólica é a reserva viva de um Capital que precisa ser conservada. Toda a discussão de biopolítica está ligada a essa questão. Mas o que isso tem haver com as Jornadas de Junho?

Exatamente essa nova classe, ou melhor, seus aspirantes foram para as ruas em junho de 2013. O Brasil, enquanto bom representante do capitalismo dependente, não consegue absorver os milhões de jovens que através do acesso a internet se sentem parte da grande comunidade internacional da classe simbólica. Esses jovens se vêem aprisionados em um não-lugar: são ou anseiam ser componentes do novo cerne da economia mundial morando em um país que cumpre outra função, a de mero produtor de matéria-prima. Não é ao acaso que a única voz “representativa” que ecoou durante as manifestações foi a de um vídeo dos Anonymous Brasil, um grupo hacker internacional.  Mas para além desse vídeo, o que surgiu de maneira assombrosa foi um discurso de ódio ao pobre, rejeição da bolsa família e negação da esquerda. Por quê?

                  Essa nova etapa do capitalismo gera uma contradição que é discutida por Agamben através do seu conceito de Homo Sacer e por Slavoj Žižek com os seus novos apartheids. Os outros trabalhadores são cada vez mais descartáveis. Com a facilidade de movimentar o setor produtivo de país em país com as multinacionais, a miserabilidade do trabalhador manual é condição sine qua non para o baixo custo de produção. Enquanto um setor da classe trabalhadora precisa ser bem tratado, pois conserva em si a riqueza do sistema, o outro precisa ser cada vez mais marginalizado para garantir os baixos custos. A maior perversidade disso é que esse trabalhador cada vez mais objetável e descartável é utilizado pelo discurso hegemônico para outra função, além da produtiva: ele se torna o parasita das grandes cidades, a causa de qualquer problema. Isso fica claro no discurso sobre a segurança pública, no qual o pobre, negro e favelado é enquadrado como o maior perigo social, massivamente propagado pelo que o grande sambista Roberto Silva chamou de Jornal da Morte.

Eis o problema. No desespero dos aspirantes da classe simbólica, a classe dominante ofereceu sua resposta: a culpa é do pobre, que suga sua riqueza com os impostos, com o assistencialismo e sustenta essa esquerda corrupta que sobrevive passando a mão na cabeça dessas pestes. Funda-se assim uma contradição aparente para mascarar o verdadeiro inimigo.  O caso Freixo é só mais um episódio dessa novela. Assistimos essa questão receosos, a esquerda acossada e a intelectualidade estéril. O único sopro de criatividade com grande repercussão tem sido a atuação corajosa do Portal Porta dos Fundos, com seus vídeos como o “Pobre” e o trabalho de Gregório Duvivier como articulista da Folha de São Paulo.  Houve um crescimento importante na organização popular, com ênfase no movimento urbano sem-teto, impulsionado pelas expulsões da Copa e pelo encontro da favela e do asfalto que as Jornadas de Junho proporcionaram. Os “excluídos” desse novo sistema estão aparecendo. Cabe agora também pensar como disputar essa juventude que foi para as ruas e que está sendo cativada pelo fascismo para não cair no acirramento da contradição aparente, promovendo monstruosidades como os novos “justiceiros” dos postes. Essa é a resposta que o período histórico nos exige.

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