“Jesus Cristo era gay!”

 

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Por Raul Longo.

Suponha-se que eu fosse um cartunista e ao invés de usar essa frase ilustrasse este texto com uma caricatura de Jesus Cristo desmunhecando em trejeito típico de homossexual. Amanhã publicaria outro cartoom de Jesus Cristo travestido, rodando bolsa numa esquina de prostituição. E depois, Jesus Cristo num palco fazendo um show como drag queen? Aceitariam a justificativa do exercício de minha liberdade de expressão?

E se ao invés de Jesus, eu utilizasse a imagem de Moisés? Ou de Buda? Judeus e budistas compreenderiam como meu direito à liberdade de expressão?

Então vamos parar de hipocrisia tentando justificar a prepotência da iconoclastias contra os símbolos religiosos de outros povos. Toda liberdade compreende responsabilidade e a intolerância dos terroristas não é menor do que a dos chargistas ou daquele que chutou Nossa Senhora da Aparecida num programa da TV brasileira.

Qualquer censura é odiosa, mas quando voltada contra todo um segmento social se torna necessária independente do talento do qual por ventura os detratores sejam dotados, pois não há talento que onde se identifica fascismo e as consequências sempre serão imprevisíveis, servindo apenas para promover mais preconceitos e falta de civilidade como a demonstrada pelos assassinos de Wolinski, Cabu e Charbonier.

Nascido em Túnis, onde os pais judeus se refugiaram do nazismo invasor da Polônia, Wolinski colaborou com a publicação comunista L’Humanité entre outros importantes publicações da esquerda francesa. Convocado pelo exército para servir na Guerra da Argélia, Cabu se tornou um antimilitarista de esquerda. Stéphane Charbonier se tornou famoso como Charlie Hebdo por seu trabalho na revista que substituiu a famosa Hara Kiri  criada em 1960 por George Bernier e François Cavanna. Todos, através de seus desenhos, durante mais de 5 décadas ironizaram a cultura, os costumes e a hipocrisia do moralismo da direita francesa e internacional.

Pois o estúpido assassinato desses humoristas está sendo utilizado para os péssimos propósitos da direita. Ontem, dia 08 de janeiro, Marine Le Pen, líder da FN (Frente Nacional), partido de extrema direita, em declaração a emissora France 2 anunciou a intenção de requerer um referendo popular para a instauração da pena de morte no país.

E aqui no Brasil, um de nossos mais famosos cartunistas que nos anos 70 postava-se à esquerda, hoje, financiado pelo governo tucano de São Paulo, se requereu vítima da mesma intolerância por aqueles que apoiam ao governo federal, como se o militante assassinado em Curitiba estivesse promovendo a candidatura de Aécio Neves e seus executores fossem eleitores da Dilma e não exatamente o inverso.

É a mesma inversão de realidades do alegado antissemitismo reiteradamente empregado por judeus sem qualquer ascendência semita, a cada vez que se os critica pelos massacres a palestinos, povo integralmente semítico.

Ou seja, a ação de fundamentalistas intolerantes só é útil aos intolerantes e oportunistas do outro lado. E há muito os sionistas comprovaram isso promovendo atos terroristas tanto para inculpar oponentes aos seus objetivos quanto para acirrar o ódio no próprio povo que por milênios conviveu pacificamente com seus primos semitas árabes.

E tome ignorantes de história a acreditar em contendas milenares que nunca existiram além de escaramuças comuns a todos os povos tribais do mundo, como havia entre tupis e guaranis ou entre os visigodos de Espanha que recorreram à aliança do Califa de Marrocos para combater Roderick, o rei visigodo de Toledo.

O que a história registra como Invasão Moura em verdade resultou de um pedido de aliança de um bispo católico que foi atendido para a proteção dos “povos dos Livros Sagrados” (Torá, Bíblia e Alcorão), conforme os mandamentos de Maomé. Tanto que vencendo Roderick em batalha campal, o exército mouro do General Tárique adentrou os muros de Toledo através dos portões da cidade abertos por judeus que o receberam como salvador. E daí se deu início a 8 séculos de desenvolvimento cultural que resultou no que hoje se conhece como civilização ocidental, enquanto o restante do continente era soterrado pelas trevas das intolerâncias da Igreja Católica. Se algo restou das bases gregas de nossa civilização, foi o que se resguardou nas enormes bibliotecas de Córdoba e outras cidades da Ibéria Moura, pois no restante do continente apenas se permitia algo de Platão e Aristóteles e mais nada além daquilo em que Agostinho e Thomaz de Aquino se basearam para construir os cânones da Igreja.

Congraçando três culturas: judaica, cristã e islâmica; em Espanha é que realmente se deu as bases precursoras do Renascentismo que em Florença fez surgir à cultura ocidental e isso ainda hoje se pode notar em uma das ruas de Toledo onde daquela época permanecem, lado a lado, uma igreja católica, uma mesquita e uma sinagoga.

Só depois de conseguir expulsar os mouros da Ibéria é que a Igreja Católica insuflou o ódio aos judeus, culminando com o Progrom de Lisboa de 1506 quando por três dias de páscoa se lavou as ruas da cidade com o sangue de milhares de judeus, compulsoriamente convertidos ao cristianismo ou não.

Segundo Damião de Góis, Alexandre Herculano e outros historiadores portugueses, o massacre, um dos mais hediondos da história da humanidade, foi instigado pela irresponsabilidade de alguns freis dominicanos que culparam os judeus pela seca e a peste que atingiu a cidade após o abandono dos sistemas e costumes higiênicos dos mouros.

Não sei se alguma vez os chargistas da Charlie Hebdo satirizaram Jeová ou Ariel Sharon pelos permanentes massacres cometidos contra palestinos. Identificados como militantes de esquerda, muito provável que sim, mas exatamente por essa biografia é que deveriam saber distinguir entre a irreverência inerente aos humoristas e a iconoclastia irresponsável contra símbolos sagrados aos povos do mundo.

Pode ser produtivo se discutir e estimular reflexões sobre os tantos malefícios à humanidade já provocados pelo monoteísmo.  Por nada se matou tanto no mundo quanto por Deus, God, Dieu, Jeová ou Alá; mas o que se poderá obter de um muçulmano, cristão ou judeu desrespeitando esse símbolo comum a todos?

Não foi por irresponsabilidade nem iconoclastia inconsequente que Nietzsche anunciou a morte de Deus. A pressentira como resultado da histórica intolerância das igrejas cristãs e é o que se registra nas civilizações europeias onde o ateísmo é o que mais evoluí há cada geração, inclusive na Irlanda onde ainda há pouco se via adultos protestantes covardemente aterrorizando crianças católicas a caminho da escola. Crianças que depois de crescidas ingressavam no IRA – Exército Republicano Irlandês, para fazer explodir seus patrícios que apoiavam o anglicanismo do Império Britânico, mas tudo em nome de Deus de cristãos católicos ou protestantes.

A despeito do talento, a inconsequência dos chargistas da Charlie Hebdo – hebdo de hebdomadário ou semanário e Charlie em homenagem ao Charlie Brown, personagem das tiras Peanuts do estadunidense Charles Schulz – e a estupidez de seus execráveis assassinos apenas alimentam mais intolerância e desumanidade.

Muito mais contribuiriam se mirassem suas sátiras e armas nos príncipes saudistas, aliados de sionistas e especuladores internacionais do petróleo, verdadeiros promotores da intolerância e do terrorismo internacional e realmente beneficiados por este atentado que mais uma vez promove a histeria e o medo como tanto interessa a direita.

E não adianta citar exemplos da extensão da irreverência aos políticos de direita ou ao Papa. O Papa é a Igreja, não Jesus Cristo. Esse ou aquele imã, não é Maomé. Esse ou aquele rabino não é Moisés.

E se a piada fosse Moisés cobrando dízimos em forma de bilhete de passagem para judeus atravessarem o Mar Vermelho, gritando ao final da fila “- Quem não pagar vai ter de esperar o exército do Faraó e se não conseguir chegar do outro lado não tenho culpa. É Deus quem está com pressa!”?

Fazer piada é fácil. Difícil é fazer todos rirem e Jung há muito tempo ensinou e demonstrou a importância do significado dos símbolos sagrados ao homem. E ainda foi Nietzsche quem disse não ser a religião o que nos repugna, mas, sim a língua bigume das igrejas.

As igrejas que desorientaram os chargistas sobre suas responsabilidades humanas e as igrejas que desorientaram os terroristas sobre suas próprias humanidades.

 Imagem: sátira de Charlie Hebdo

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