Itaipu tenta expulsar comunidade Avá-Guarani de Santa Helena com nova ação de despejo

“Os Guarani sempre estão sendo vítimas de Itaipu”, diz cacique Fernando Lopes Avá-Guarani. Tekoha – lugar onde se é – fica em uma das áreas não alagadas onde viviam os indígenas antes da construção da barragem

Cerca de 12 famílias vivem na área retomada e de ocupação Avá-Guarani até o final dos anos 70, às margens do rio Paraná, antes da UHE Itaipu. Crédito da foto: Cimi Regional Sul
Por Renato Santana.

Enquanto os presidentes do Brasil e do Paraguai estavam reunidos, na última terça-feira (12), em Brasília, celebrando a UHE Itaipu Binacional, os Avá-Guarani da aldeia Pyahu Guarani, no município de Santa Helena, Oeste do Paraná, buscavam lidar com um documento deixado pelo oficial de Justiça.

Nele o juiz Federal Sergio Luis Ruivo Marques, da 1ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, determina a saída imediata da comunidade atendendo a pedido de reintegração de posse impetrado pela Itaipu Binacional. O mandado expedido pelo juiz autoriza a utilização de força policial caso os Avá-Guarani decidam permanecer na aldeia.

Já é a terceira tentativa da Itaipu, em menos de um ano, de despejar os indígenas da área retomada em fevereiro de 2018. Lideranças Avá-Guarani estão na Capital Federal e acionaram a 6ª Câmara – Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais da Procuradoria-Geral da República (PGR), de acordo com o cacique Fernando Lopes.

“A gente tá bem preocupado. Ano passado saiu publicado o GT (Grupo de Trabalho) pra identificar nossa terra. Achamos ruim de acontecer isso com a nossa família. Esse local é tradicional, do Guarani. Fora daqui a gente morre sem documento, nem nada. Aqui temos um lugar pra ser do nosso jeito Guarani”, argumenta o cacique.

“Os Guarani sempre estão sendo vítimas da Itaipu”, diz o cacique

O Avá-Guarani explica que há nove aldeias que não foram inundadas pela barragem da UHE Itaipu. “Outras 30 e poucas foram. É um desejo nosso voltar para essas aldeias, é uma dívida da Itaipu com as nossas famílias. Nos retiraram das terras e o que pedimos é pra voltar para o que restou da nossa casa”, afirma.

Para o cacique, a argumentação da Itaipu de que os Avá-Guarani estão prejudicando o meio ambiente não se demonstra na prática. “Não estamos devastando nada. Não sujamos e preservamos aqui. Queremos que o Ministério Público defenda nosso direito. Não temos para onde ir. Se sair, vamos morar nas ruas de Santa Helena”.

Questionado sobre a razão das famílias terem saído das áreas, às margens do rio Paraná, o cacique explica que além da barragem as casas dos indígenas que tentaram permanecer eram constantemente incendiadas, na década de 1980. Os próprios funcionários da Itaipu estavam envolvidos em tais incêndios, como o The Intercept mostrou em furo de reportagem.

Perseguição da Itaipu

Desde agosto do ano passado os Avá-Guarani convivem com a ameaça do despejo. Uma outra decisão, também da Justiça Federal de Foz do Iguaçu, havia determinado a retirada da comunidade. A Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) recorreram junto ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região.

A desembargadora Vivian Pantaleão, porém, não levou em consideração o pedido da DPU e do MPF mantendo a reintegração de posse, mas com uma condicionante para ocorrer: a Funai deveria apresentar um plano detalhado definindo o local para onde a comunidade Avá-Guarani seria transferida.

No final de setembro, o juiz Sérgio Ruivo, em contradição à decisão do TRF-4, despachou para a Polícia Federal determinando o despejo dos indígenas. A assessoria jurídica da Comissão Guarani-Yvyrupa (CCY) protocolou no TRF-4 um agravo de instrumento alegando que a decisão do juiz poderia causar danos aos indígenas.

A liminar foi concedida e a decisão da desembargadora Vivian Pantaleão mantida, mas o juiz em novo despacho afirma que “demonstrada a posse da autora e a turbação desta posse pela parte ré, deve ser mantido o deferimento da liminar de manutenção de posse em favor da parte autora”.

A qualquer momento as forças policiais podem chegar à aldeia Pyahu Guarani e apear a vida de 12 famílias, com crianças e idosos, que ocupam uma área tradicional, de ocupação Guarani, mas inundada e desabitada à força pela construção da UHE Itaipu.

Decisão judicial exige demarcação

Enquanto o juiz Sérgio Ruivo se mostra implacável em garantir a posse da Terra Indígena à Itaipu Binacional, outra decisão judicial, publicada quase ao mesmo tempo que o despejo, em agosto de 2018, parece ter caído no esquecimento mesmo que ainda esteja dentro do prazo legal de execução.

A Justiça federal determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) conclua, no prazo de dois anos, os procedimentos de demarcação da Terra Indígena Guarani no município de Santa Helena, além da revisão da Terra Indígena do Ocoy, reserva comprada pela Itaipu em Foz do Iguaçu.

Entre os municípios de Santa Helena e Itaipulândia há seis aldeias Avá-Guarani. Todas estão ameaçadas por despejos. São comunidades oriundas, em parte, das reservas compradas pela Itaipu como mitigação pela construção da usina, que desalojou e inundou dezenas de aldeias Guarani, no final da década de 1970 e início de 80.

“A Itaipu fala que protege (mata), mas na verdade isso tudo é obra do Guarani. Somos os maiores protetores da natureza porque é o que a gente é. A gente só vive se ela existir para nos dar caça, pesca, frutas, roça”

Conforme matéria assinada pelo jornalista Rafael Nakamura, e publicada pelo jornal Le Monde Diplomatique, “o laudo pericial-antropológico, elaborado por Maria Lucia Brant de Carvalho e divulgado pela Comissão Estadual da Verdade do Paraná, indica que a inundação provocada pelos reservatórios da Itaipu desapareceu com 32 aldeias Guarani entre os anos 1940 e 1980, na região Oeste do Paraná”.

O cacique Fernando Lopes explica que essas reservas não levaram em consideração “o nosso jeito de ser. Guarani tem um jeito e a gente exige que respeite isso. Sem contar que vai ficando pequeno, sem espaço. Difícil de fazer roça, de conseguir viver da terra. Por isso no começo retomamos aqui”.

A liderança Avá-Guarani explica que as áreas ocupadas entre Santa Helena e Itaipulândia, alvos das ações judiciais da Itaipu Binacional, são as únicas que restaram do território antigo, onde viviam os indígenas antes da inundação. Viver nestes locais, explica o cacique, é fundamental para a existência física e cultural do povo.

Argumento ambiental

Nestas áreas remanescentes da antiga ocupação Avá-Guarani, agora retomadas pelos indígenas, a Itaipu Binacional criou áreas de preservação ambiental protegidas por lei. Este é o principal argumento utilizado nos tribunais para justificar a expulsão das comunidades Avá-Guarani.

“Mas as reservas quem criou foi o Guarani! Porque a gente vivia aqui. Foi o Guarani que manteve a mata de pé. A Itaipu fala que protege, mas na verdade isso tudo é obra do Guarani. Somos os maiores protetores da natureza porque é o que a gente é. A gente só vive se ela existir para nos dar caça, pesca, frutas, roça”, diz o cacique.

Na mata os Avá-Guarani encontram também remédios naturais e vasto material para os rituais, moradias e artesanato. De todas as maneiras a Itaipu tenta evitar este retorno ao que restou do antigo território. Em 15 de março de 2018, cinco indígenas foram presos por retirar taquara de uma das ilhas formadas pela inundação da usina.

Foram acusados de danificar vegetação nativa.

Em uma outra tentativa de reintegração de posse, o cacique Lino Cesar Cunumi Pereira, liderança indígena Avá Guarani do tekoha – lugar onde se é – Curva Guarani, no município de Santa Helena, escreveu uma carta pedindo a suspensão da reintegração de posse contra o Tekoha.

A Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) sistematizaram em um relatório as violações de direitos humanos contra os Avá Guarani do Oeste do Paraná. “Sofremos aqui com a discriminação nas cidades, ameaças de morte e ataques às aldeias. Nos tratam como se nunca tivéssemos vividos aqui”, lamenta o cacique Fernando Lopes.

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