Isentar de impostos as atividades empresariais das igrejas não é nada cristão

Templo de Salomão, São Paulo. Foto: Demétrio Koch/Fotos Públicas

Por Jair de Souza, para Desacato.info.

Os deputados acabam de aprovar um projeto que isenta as igrejas do pagamento de uma dívida de cerca de 1 bilhão de reais. Precisamos reconhecer que com 1 bilhão de reais seria possível fazer muitas coisas para aliviar um pouco as difíceis condições de vida de nosso povo .

É interessante notar que entre os votos que aprovaram essa isenção de pagamento estavam os de alguns representantes de partidos de esquerda. Embora a ampla maioria dos deputados do PT (quase 90%) tenha se recusado a dar seu apoio a essa isenção, o fato é que 6 de seus parlamentares se dispuseram a aprovar a tal medida. Já o PSOL optou por se opor em bloco e nenhum de seus deputados votou a favor.

Mais difícil de entender, no entanto, é o caso do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que tomou a decisão de fechar questão quanto à aprovação da emenda, obrigando a que todos os seus deputados se somassem aos apoiadores da proposta que beneficiava as igrejas. Nas outras agrupações de esquerda, os votos se dividiram, mas com o predomínio dos que davam sua concordância ao favorecimento das entidades religiosas.

Como justificar esse voto favorável a não tributação das igrejas em suas dívidas relacionadas com todas as suas atividades, inclusive daquelas que nada têm a ver especificamente com a prática do culto religioso? É bem sabido que muitas dessas igrejas são verdadeiros empreendimentos empresariais, que possuem proprietários que acumulam fortunas imensas para benefício próprio.

É certo que os líderes das maiores igrejas e os membros da chamada Bancada Evangélica na Câmara argumentam que a não taxação das igrejas faz parte do direito de liberdade religiosa, já que a taxação seria um entrave para a prática da fé. Será que esse argumento se sustenta quando analisado racionalmente?

Primeiramente, precisamos deixar claro que todos os serviços disponíveis em uma sociedade necessitam de recursos para bancá-los. Portanto, se queremos que haja escolas para o povo, atendimento médico para o povo, saneamento público para o povo, transporte público para o povo, moradias para o povo, assistência social para os mais carentes, etc., tudo isso vai depender de dinheiro para seu custeamento.

Sendo assim, temos de entender que os cerca de 1 bilhão de reais das dívidas que as igrejas foram isentadas de pagar vão fazer falta. De algum lugar esse dinheiro vai ter de ser retirado para cobrir os gastos, os quais vão continuar a existir, pois nem as necessidades nem as despesas com os serviços sociais não vão ser rebaixadas automaticamente com o cancelamento da dívida das igrejas. A menos, claro, que se decida reduzir na mesma medida o nível dos serviços já de por si tão precários.

Não podemos fingir que não sabemos quem vai ter de arcar com o prejuízo. Vai ser a maioria trabalhadora, a maioria de gente humilde, a maioria daqueles que dependem de salários ou de atividades de bicos os que vão sair no prejuízo. E também não podemos deixar de dizer que essa maioria é composta quase que integralmente por gente cristã. Então, seria um comportamento digno de Jesus isentar as igrejas de pagar tributos sobre seus rendimentos e jogar os custos sobre as costas dos cristãos mais humildes, dos mais necessitados?

Tudo fica mais revoltante quando nos inteiramos de que muitas dessas empresas religiosas lucram bilhões e bilhões em atividades lucrativas que nada têm a ver com a prática da fé propriamente dita. Além do mais, é muito comum que grande parte dos imóveis luxuosos usados pelos proprietários de tais igrejas para seu usufruto pessoal são incluídos no patrimônio da igreja e, com isso, ficam isentos de qualquer tributação. Seria algo digno de Jesus o fato de que os humildes donos de modestas habitações tenham de pagar IPTU sobre as mesmas enquanto que os multimilionários proprietários de igrejas vivam em luxuosíssimas mansões de 18 suítes ou mais sem pagar nada de imposto?

Creio ter havido um grande equívoco por parte daqueles integrantes de partidos de esquerda que se dispuseram a aprovar um perdão de dívidas inexplicável. Entendo que na base de sua atitude deve estar o receio de entrar em conflito com as comunidades religiosas representadas por essas igrejas. No entanto, mais uma vez, me parece que estão cometendo um sério erro. Considero uma tolice acreditar que por ter cedido aos interesses dos poderosos controladores e proprietários de empresas da religião estes vão ser complacentes com esses membros de partidos de esquerda que tomaram a decisão de ajudá-los a ficar ainda mais ricos. Como de costume, isto só vai servir para aguçar ainda mais o apetite de avarentos que nada têm a ver com o legado de Jesus.

Assim como é nosso dever lutar junto às maiorias populares para impedir que o Jesus que eles vão buscar nas igrejas lhes seja entregue na forma de diabo, também não podemos aceitar que os custos para a manutenção dos serviços sociais indispensáveis recaiam sobre a gente humilde.

Isentar as igrejas de impostos em suas atividades empresariais e lucrativas é ser contra o legado de Jesus.

*Economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

 

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

 

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