InterInvenção

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

Que não pensem que adentrei o reduto da embriaguez sem as possibilidades e meios prazerosos para a chegada ao mesmo. Tampouco confundam o nome posto com o rosto de quem o diz. A interInvenção dá-se na criação do mito, da necessidade em propor “conserto” com um martelo, uma marreta. Eis a invenção. O uso do improvável como forma, método. Repare bem. Há um cheiro de morte na noite carioca. A água da orla beija a beira da certeza, certeza de quem é alvo das fotos cuidadosamente tiradas para o controle. Celular: pau de arara moderno. Nem à imprensa presente, costumeiramente ausente na mesa da coerência, foi permitida a aproximação. O homem vai ter que acordar mais cedo para atestar sua não liberdade perante ao que foi proposto como modelo de organização. Caso contrário, sua marmita será o almoço na própria casa. Sem o constrangimento ou mesmo empatia do patrão. Tão bom! O homem vai ter que estar em dia com a lei da lei, preceitos de onda crescente brasileira conservadora, visitante da tradição e moral conveniente. Os braços do Cristo abraçam a convicção vigente do Estado não laico, restringindo os pedidos de proteção para a bala da justiça do homem da lei. Agora o agora é outrora e o ar pinta um quadro de “foi o que restou”. Houve um tanto das panelas para engordar o monstro da justiça em lugares bem estabelecidos do Rio. Assim como o Brasil. É capaz da estátua de Drummond dar de costas para a cidade e concentrar seu não movimento no balanço do mar. Possivelmente não se frustrará com sua não serventia para selfies. Há os militares. Eles são boas opções de ego digital. Em pensar que 64 para muitos era uma história para ser contada. Ou esquecida. Por outros tantos, lembrada em orgasmo de tempos de céu mais azul, manhãs mais iluminadas e justiça para desordeiros, oposicionistas e cabeludos. Tiveram muito espaço. Até a presidência, alguém mais exaltado dirá. Neste momento, o senhor do restabelecimento da economia, do país nos trilhos de novo, o senhor da fala renascentista canta a canção do êxito, da soberania. O senhor que diz que um novo tempo nasce. Tempo para reviver. Não! Tempo para TEMER o estupro do poder fantasiado carnavalescamente de ordem. Das marchinhas dobrando as ruas em manobras. O tempo em que o Rio foi entregue aos militares. Aliás, um Rio de Janeiro bem recortado geograficamente entregue aos militares. A ação que a justiça tem é para um povo e classe social específica.

Seria bobagem atribuir a tomada do poder como algo atual. Necessário atentar para o fato de que esta foi, na opção “escancaradamente”, feita agora. Contudo, as ruas das periferias sempre foram pintadas de vermelho pelas mãos do poder. É como se tivessem rompidos com a ação policial abrangente e a deixado nas favelas. Como se tivessem dedicado todos estes anos não deixando cair no esquecimento os métodos tão cuidadosamente desenvolvidos das práticas que consideram eficaz. Os anos de negligência resultaram na legitimação/necessidade de poder pôr fuzis autorizados para passear à luz do sol. Estão aí. O cinza da máquina da morte com o sol do Rio 40 graus. As viaturas passando pela beira do mar.

No Rio, existe um aplicativo que mostra onde está havendo tiroteio fundado por pessoas preocupadas com a segurança das pessoas. Alguém mais apropriado das formas tecnológicas, suponho, fará um que indica quando interinvenção vai adentrar o sul do Espírito Santo com a premissa da falha da ação local. Também Minas Gerais e o norte de São Paulo. Claro, isso pautado também na premissa da necessidade de organizar. Claro, assim como será necessário pegar um tanto do mar. Esses peixes subversivos. Essa tartaruga estranha. Possivelmente inventarão novas vestes para esses homens do poder. A estética representará uma nova ordem e será propagada em uma propaganda com um homem com uma criança no colo e um logo brega como “Um Novo Brasil”. E assim, pouco a pouco, irá pelos estados, batendo nas portas, tirando fotos, encurralando esses suspeitos e malfeitores em potencial. E assim, pelas tantas e tantas “tentativas”, haverá de novo um novo Brasil.

O pós-golpe é uma fila de pessoas desesperadas pelo pão. Ou a desestrutura de uma família pela falta do pão. O pós-golpe é uma sangria estancada, como a ação eficaz da pessoa vaiada. O pós-golpe é o retorno para o antigo, para o silêncio e descrédito. Ou algo além. É a sequência da atuação da corja de intocáveis, inquestionáveis, indecisos quanto à reeleição. O pós-golpe constrange quem foi favor e contra e os põe na mesa em silêncio após tantas brigas, tantas rusgas. Besteira o romance da bomba em Brasília. Assim como a chatice do “esse país não vai pra frente”. O pós-golpe nos confronta com a necessidade de heróis. Algum qualquer que algo bonito diz, quem sabe um juiz, que joga para o outro lado. O pós-golpe são fuzis e a arte suprimida. O pós-golpe é a entrega da certeza a quem senta sobre a mesa para trabalhar em prol do povo feliz. Sorriso de fuzis. O pós-golpe é agora e não se trata de uma invenção, e sim, concreto nas mãos de uma interinvenção.

 

[avatar user=”Guilherme Ribeiro de Santana” size=”thumbnail” align=”left” link=”attachment” target=”_blank” /]Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor.

5 COMENTÁRIOS

  1. Em país em que golpe é impeachment dar nomes aos bois é ato político! Foi golpe, a inter(in)venção é militar e a ditadura vêm à galope de fuzil e celular em riste. Obrigada por nomear as coisas.

  2. Ótimo texto, ótima reflexão!

    Façamos valer nosso direito a “livre” expressão enquanto ainda é possível.

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