Insustentabilidades, tensões e paradoxos no turismo de Porto Seguro

Foto: http://brasildacordomar.blogspot.com.br

Por Elissandro Santana, para Desacato.info.

Começo a discussão com a foto da extinta Lagoa Azul para corroborar que o turismo predatório em Porto Seguro é uma questão que demanda estudos, cuidado e combate, pois se essa atividade continuar ancorada em perspectivas positivistas e cartesianas de exploração, em breve, nós teremos apenas imagens das riquezas naturais que um dia atraíram milhões de turistas à cidade. Dito isto, menciono que há anos reflito, pesquiso e escrevo acerca do turismo predatório em Porto Seguro, abrindo sempre a discussão em torno das antinomias e das tensões que ocorrem a partir das práticas insustentáveis que desencadeiam déficits socioambientais no município.

É evidente que a discussão que faço sobre insustentabilidades em torno da apropriação indevida dos espaços territorial-cultural-histórico-ambientais na cidade não interessa a quem lucra com o turismo no município e em toda a região da Costa do Descobrimento, por isso, há tentativas de desqualificação ou desinteresse pelo debate, com silenciamentos e apagamentos simbólico-histórico-material-social-concretos dos discursos que não servem à indústria do turismo.

Com fins de reiteração e de aprofundamento da discussão, é oportuno mencionar que não se pode perder de vista que o turismo em Porto sempre foi concebido e gerido a partir da perspectiva da exploração e esta visão equivocada dialoga com os ideais da hipermodernidade retroalimentada pelo consumo, pois a cidade não passa de coisificação, de pacote-objeto de desejo, por isso, elemento de uso.

Essa noção errônea sobre o que é fazer turismo impediu uma racionalidade ambiental sustentável coisificando os espaços social-histórico-político-cultural-ambientais de vida no município. Como consequência, instaurou-se um paradoxo que se construiu sobre uma antítese dissonante. Tal dissonância tensiva explica-se no fato de que se o turismo é a matriz central de geração de riqueza e de desenvolvimento econômico as atividades nessa área deveriam arvorar-se na vertente da preservação e da conservação dos recursos naturais, pois sem esses elementos será inviável, em longo prazo, a prática turística na região diante dos déficits socioambientais imensuráveis que já sofremos e que sofreremos.

Também é oportuno pontuar que em decorrência do turismo e de outras atividades correlativas, a cidade se tornou um ponto contínuo de atração e de fixação populacional. Diante disso, atualmente, o município enfrenta a especulação imobiliária, de forma visível, com redução de áreas naturais, a partir da consolidação da cultura enraizada da construção desenfreada de condomínios por todos os cantos da cidade, cabendo destacar que muitos deles já se aproximam de reservas indígenas, com a desconfiguração concreta do topos natural. Esse crescimento urbanístico horizontal afeta, diretamente, pela proximidade, áreas demarcadas.

No que se refere ao fenômeno da coisificação ou da objetificação de Porto Seguro, cabe destacar que isso resulta da imagética deturpada da cidade como paraíso a ser explorado-usado sem limitações e, evidentemente, dos entraves político-empresariais que fomentam e propiciam a instalação dessa cultura turística insustentável. Com a finalidade de dissecar os geradores e as consequências das antinomias e das tensões desencadeadas pelo turismo mercantilista na cidade, que a cada ano atrai um contingente maior de visitantes e de futuros moradores, é importante sinalizar que o turismo insustentável na região, frente às condições socioeconômicas frágeis dos diversos atores sociais locais e dos intermitentes, remodelou-se a arquitetura mental até mesmo dos excluídos do lucro turístico, esvaziando-os, alienando-os, fazendo com que esses, sem alto poder aquisitivo, na luta pela sobrevivência, e explorados pela indústria que lucra, infelizmente, se calem e também desenvolvam práticas exploratórias do capital natural ainda que em escala menor. Desta forma, evidencia-se que as ações insustentáveis não se dão somente pelos conglomerados que vendem o paraíso, mas, também, pelos diversos segmentos sociais na região. Um exemplo que corrobora práticas não ecológicas de moradores e de visitantes é a presença de resíduos sólidos nas praias. Claro que a culpa não é somente do visitante que frequenta os espaços públicos de banho e lazer, mas de uma gestão inoperante que não disponibiliza lixeiras e tampouco a oferta de equipes de limpeza nessas áreas. Diante desse quadro, é notório que o problema é complexo, por isso, comporta reflexões em rede e, principalmente, a conscientização da população para a cobrança de soluções e alternativas com vistas a um novo turismo, limpo, ecológico e, portanto, sustentável.

Ademais, cabe destacar que a partir do turismo como ponto de consumo/exploração, o que deveria ser espaço de troca cultural, de aprendizagem histórico-memorial e de convivência com a natureza, converte-se em relações depredatórias que vão desde a poluição de praias e de rios com resíduos, à depredação de recifes pela presença não controlada de pessoas nas áreas de ampla biodiversidade marinha, à irresponsabilidade de gestores públicos no que concerne às lacunas de políticas de educação ambiental, além da ausência da aplicação de legislação, de planejamento e de zoneamento ambiental para a cidade.

O turismo, distante de uma preocupação social na cidade e na região, visa somente à pecúnia lucrativa, contribuindo, diretamente, para o esgotamento dos recursos naturais na cidade e esse esgotamento, em pouco tempo, como já mencionado, inviabilizará as atividades turísticas nas áreas do município. Em meio a tal conjuntura, o paradoxo se revela a partir do pressuposto de que o turista que chega a Porto Seguro vem em busca justamente das belezas e dos atrativos ambientais que a região oferece, portanto, na ausência desse capital natural não restará futuro.

Por fim, é tempestivo iterar que outro turismo é possível e deve ser executado, mas, para isso, as instâncias políticas, empresariais e sociais da cidade devem elaborar uma programação turística socioambiental baseada nas diretrizes da sustentabilidade para o uso dos espaços pelo prisma da ideologia do cuidado e da práxis do lazer atilado.

 

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Elissandro Santana é professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.

1 COMENTÁRIO

  1. Faltam leis, nesse sentido ecológico para o bem de todos:gestores, turistas setor imobiliário, e outros … e também mais conscientização urbanística coletiva,: somos um, com o todo. Artigo muito elucidativo.

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