Insurgentes – Prólogo

O livro INSURGENTES – A história de três mulheres que desafiaram a ditadura no Brasil é resultado do trabalho realizado pela jornalista Angieli Fabrizia Maros para a conclusão do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em novembro de 2010, com orientação do professor Helton Ricardo Barreto.

A obra está sendo publicada com exclusividade pelo portal Desacato, com permissão da autora. O conteúdo está dividido em três capítulos além do Prólogo: (1) Os anos rebeldes de luta, (2) A resistência vem da selva e (3) Miss Brasil está no DOPS.

“…Bico calado / Muito cuidado / Que o homem vem aí…”

Passaredo, de Chico Buarque de Hollanda e Francis Hime, 1976

Prólogo

Era dia do funcionário público quando cheguei na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Cata- rina. No salão de entrada, uma longa mesa forrada com papel branco fora colocada para receber o bolo da confraternização que aconteceria no fim da tarde. Numa sala grande e cheia de gente aos fundos do corredor esquerdo, Derlei me recebe com um sorriso. Com os cabelos loiros e finos escovados para o lado e uma maquiagem levemente rosada em contraste com o tailleur e calça azuis, ela diz:

– Não liga não, é que hoje é dia de festa, tá?
Nos encaminhamos para uma sala mais reservada. Por todos os lados, o barulho incessante dos telefones se misturava com as risadas, dando ao lugar um clima de descontração, diferentemente de como seria a nossa conversa.

Antes de começarmos a entrevista, ela me entrega alguns documentos do Comitê Catarinense Pró- -Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos de SC, que preside, e que realiza trabalhos em parceria com a Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos, do qual faz parte Criméia Alice Schmidt de Almeida, com quem eu havia conversado vinte dias antes, em São Paulo.

Criméia parecia sonolenta quando eu cheguei ao seu apartamento na avenida Brigadeiro Luiz Antônio. Era começo da manhã e ela vestia calças de um jeans fino azul, camiseta lilás e uma malha da mesma cor da calça. Nos pés, um chinelo de pano e meias claras.

Depois das apresentações, convidou-me para entrar e pediu para que eu sentasse em uma das quatro cadeiras de vime que cercavam a pequena e redonda mesa da sala de jantar. Antes de se acomodar ao meu lado, fechou as janelas para amenizar o barulho que vinha da avenida. Tirei o gravador do fundo da bolsa e o coloquei sobre a tampa de vidro que cobria a mesa. Ela o encarou como se fosse um inimigo.

– Eu não gosto muito de falar sobre isso, mas faço um esforço porque todo mundo precisa saber o que aconteceu aquele tempo.

De como aparece na foto estampada pelo DOPS, restaram o cabelo curto – agora grisalho – e o traçado dos olhos, puxados como os de um felino. Os óculos de aro de tartaruga hoje são transparentes, mas o olhar ainda continua intenso, como de quem ainda tem um longo trabalho pela frente.

Também em São Paulo, conversei com Rose Nogueira, jornalista e ex-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do estado.Antes de retomarmos a entrevista, já em sua casa, Rose pegou o telefone e dis- cou rapidamente alguns números. Esperou na linha por quase trinta segundos, mas ninguém atendeu. Frustrada, desligou o aparelho, sentou-se na poltrona e começou a acariciar a cabeça de Pretinha, a vira-lata com olhos tristes, que anos atrás aparecera doente em frente ao portão.

– Ontem era aniversário do Cacá e eu não consegui falar com ele. Hoje estou tentando desde cedo e também não dá certo. Não acho legal a gente ficar muito tempo sem se falar. Já passamos muito tempo longe um do outro, diz Rose relembrando os tempos em que estivera presa e teve de deixar Cacá, o filho de apenas 35 dias, com os avós.

Na televisão, uma matéria no Jornal Nacional mostra o dia o dia dos candidatos à presidência. Dil- ma aparece por primeiro. Rose sorri e diz:

– Já ganhou!

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