Infelizmente, é apenas o começo

Por Adriana Dias.

A Meritocracia na supremacia branca

O ódio que fundamenta a supremacia branca se baseia na ideia de que apenas o branco é portador da civilização, e que o homem branco é capaz, merecedor de todo sucesso. Na concorrência ele deve ser naturalmente o vencedor. Se não é, está prejudicado por algum outro fator, condicionado pelo Outro (veja o ponto seguinte). Num mundo realmente meritocrático, o branco sempre levaria o melhor emprego, o melhor lugar na universidade, etc.

O Outro Conveniente

Judeus, Negros, Gays e Pessoas com Deficiência são descritas como interessantes aos supremacistas brancos para colocá-los como inimigos de seus propósitos. Inventam dados, controlem mentiras, fazem falácias de todos os tipos para construir um discurso de ódio contra essas pessoas que “as ameaçam”. No Brasil, também fazem isso com o nordestino.

O Culto à Masculinidade

Na supremacia branca o homem é o herói. A masculinidade é adorada, a mulher é apenas um útero que terá os filhos e o futuro da raça. Há uma valorização, inclusive do estupro de mulheres brancas.

A busca da união da direita, como aconteceu na Virginia, é o que mais devemos temer. A sua existência em si já é extremamente violenta, e os gritos de “vocês não vão tomar o nosso lugar” que a turba neo-nazi ecoou (ora mudando para judeus não vão tomar nosso lugar, gays não vão tomar nosso lugar, deficientes não vão tomar nosso lugar, negros não vão tomar nosso lugar), demonstram muito bem como há dentro dessa massa o sentimento de povo da nação, como definiu Hannah Arendt, réplica de uma racionalização antiga que afirma que são donos de um espaço ameaçado pelas minorias. Essa ansiedade de incompletude, esse medo paranoico de perda de um lugar que, aliás, nunca foi verdadeiramente seu, pois foi construído socialmente pelo colonialismo. Isso é muito bem explicado por Arjun Appadurai , como a sensação de angústia diante do mundo coletivo e que revela a incapacidade de adaptação dessas pessoas.

Muitos desses grupos financiaram Trump. Ele não se manifestou diretamente contra os neo-nazistas, e precisa deles. Infelizmente, acho que é apenas o começo de um grande número de eventos que acontecerão.

Relembre o caso

O Southern Poverty Law Center (SPLC) classificou o evento como o maior encontro nacionalista de defesa da supremacia branca em décadas. Na sexta-feira, 11 de agosto, centenas de ativistas do movimento neo-nazista dos Estados Unidos se reuniram na Universidade de Virginia em Charlottesville, protestando contra a retirada da estátua do general confederado Robert E. Lee. Lee lutou na Guerra Civil pela independência do Sul e contra o fim da abolição da escravatura nos EUA.

O evento conseguiu reunir neo-confederados, grupos de ódio em geral, grupos de supremacia branca de várias espécies, membros da Ku Klux Klan (KKK) na cidade, a 190km de Washington, com a intenção de “Unir a Direita”, e gritou por todo o desfile mensagens de ódio contra negros, judeus, imigrantes, gays e pessoas com deficiência.

Como antropóloga, etnografo grupos neonazistas há catorze anos, em especial o estadunidense, e em seu discurso, esses grupos se defendem como inteiramente formados de “homens médios”, dispostos a defender a natureza, e a “lei natural” de “sua supremacia” sobre os outros. A ideia de raça assume uma polissemia extremamente complexa: raça é nação, pele, uniforme, religião, pátria, biologia e religião, material e transcendental, justificativa para todos os tipos de discursos de ódio. Esse é o mesmo discurso de ódio que chocou o mundo a partir de Charlottesville, na Vírginia. A nazificação da direita é um processo contínuo, baseado em discurso de ódio, articulado sobre três alicerces fundamentais, nos quais o cultivo do ódio se fundamenta, segundo Peter Gay: na crença numa concorrência “natural” na qual sobrevive o mais capacitado por meritocracia, que desconsidera fatores sociais e políticos, a criação de um Outro conveniente, para assumir por projeção todas as culpas e responsabilidades pelos males sociais do mundo e, por fim, a construção de um “culto de masculinidade” absurdamente avassalador.

 

*Adriana Dias é formada em Ciências Sociais e mestre e doutoranda em Antropologia Social pela Unicamp. Coordena o Comitê “Deficiência e Acessibilidade, da Associação Brasileira de Antropologia. Também é membro da American Anthropological Association.


Fonte: Revista Fórum

 

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