Inesquecível almoço

Por Urda Klueger.

Estávamos em Tacna num sábado; no domingo partimos para Arequipa. A paisagem era uma continuação da do dia anterior, um desfilar de vistas incríveis. Já falei que subimos e descemos os Andes incontáveis vezes, descidas e subidas que, de cada vez, tinham centenas de metros, e na maior parte do tempo continuava o deserto, sem nenhum pé de capim, nenhum cacto, nada vivo. Eventualmente, porém, lá no fundo das profundas ravinas escavadas entre as montanhas pela água dos degelos durante muitos milênios, havia alguma umidade, ou um riozinho, ou um laguinho – e por menor que fosse a presença da água, suscitava ela a presença da vida, e o verde florescia, e por muito pouco que fosse, normalmente dava origem a gente, uma ou duas famílias, pequeninas roças, poucos animais. Era muito lindo de ver! E logo voltava o deserto, soberano e colorido.

Conforme fomos nos aproximando do meio dia, pequeninos oásis começaram a aparecer naqueles pequenos planos entre as montanhas. Em alguns pequeninos oásis só havia algumas plantas; em outros já havia muitas plantas; em outros mais havia uma lhamita pastando. Começou a aparecer um ou outro oásis onde já havia uma casa, ou duas casas, pessoas, diversos animais. Estava para dar meio dia quando passamos por um oásis onde havia um restaurante que deveria ser o máximo: pelo menos à porta havia grande cartaz que anunciava de tudo: havia desde camarões até frango, passando por porcos, lhamas, alpacas e vicunhas. Não havia como não parar pois, entre outras coisas, era o primeiro lugar que a gente encontrava onde havia comida, e a fome já estava grande.

No momento, não me dei conta, mas aquele oásis onde estava o restaurante já fazia parte da cidade de Moquégua, da qual só vi fotografias, depois, mas que é também uma das lindas cidades do Peru.[1] Situada à 1.412 metros de altitude e a 154 km de Tacna, próxima à grande mina de cobre, entre outras coisas Moquégua ostenta, na sua Praça de Armas, uma piscina desenhada por Eiffel, aquele mesmo da Torre Eiffel, de Paris, e de tantos outros monumentos inesquecíveis por este mundo afora. Tenho a impressão que o grande arquiteto foi um grande viajante, pois a gente encontra suas marcas por todos os lados: lembro-me, neste momento, da belíssima estação de trem de Maputo, Moçambique, na costa Leste da África, a bela cidade banhada pelo Oceano Índico, e que tão bela era, que um dia fora chamada de “A pérola do Índico”. Eu estivera em Maputo em 1997, uns quatro anos depois que terminara uma guerra de 25 anos, e de repente, apesar da beleza da cidade, parara embasbacada diante da beleza ímpar da sua estação de trem. É bem verdade que estava com a pintura um tanto descascada e um tanto quanta maltratada, depois daqueles 25 anos de guerra, mas era impossível passar-se por ela sem reparar na beleza das suas linhas arquitetônicas.

– Foi projetada por Eiffel! – alguém me disse, e fora ali que eu passara a achar que Eiffel fora mais importante para o mundo do que o construtor de uma torre. E então, lá nos Andes peruanos, de novo estava Eiffel – por onde tudo não andara aquele francês que nascera com a genialidade embutida, e me parecia como que um primo de Rodin?

Os donos do restaurante quase tiveram um troço quando viram chegar aquela malta, como gostam de dizer os portugueses, aquela malta parecida com extraterrestres em suas máquinas espaciais. Meus amigos já eram conhecidos ali: na parede do restaurante já havia uma foto deles com os donos da casa, e era uma festa a sua chegada de novo. Seu Chico foi ao carro de apoio buscar grande e caprichada foto emoldurada de mais uma viagem em que tinha passado ali e fotografado de novo os donos do restaurante junto com os harleyros, e achei uma coisa de grande sensibilidade da parte do seu Chico ter-se lembrado de fazer aquela foto, emoldurá-la e traze-la até ali. Num instante a nova foto foi para a parede também, e tudo parecia festa. Eu sabia muito bem o que queria comer: os camarões que encabeçavam o grande cardápio lá fora. Camarões? Não, não tinha. Cada um começou a pedir uma coisa. Bife? Não, não tinha. Porco? Não, não tinha, e assim por diante. Afinal, o que tinha? Bem, tinha o que sempre tem nos Andes: pollo com papas fritas, isto é, galinha com batata frita. Só. Bem, cuando no hay, no hay. Que viesse então o pollo com papas fritas.

Nervosamente, a dona do restaurante contava quantos nós éramos, e num instante se mexeu, foi ao terreiro pegar galinhas, e matou um bocado de galinhas, uma para cada duas pessoas. Eu não consigo entender como ela fez aquilo tão depressa, mas uns quinze minutos depois cada um de nós recebeu meia galinha frita, mais as papas. Teoricamente, mal tinha dado tempo de as galinhas morrerem, mas estavam uma delícia! Comi a minha até o último pedacinho, com a mulher indígena fazendo de tudo para nos agradar. Foi um almoço e tanto!

(Excerto do livro “Viagem ao Umbigo do Mundo”, publicado em 2006)

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