Inércia histórico-política em torno do lixão em Cícero Dantas, Bahia

Foto: Elissandro Santana.

Por Elissandro Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

Em Cícero Dantas, cidade com população estimada em 34.676[1] habitantes, pertencente à Mesorregião do Nordeste Baiano e Microrregião de Ribeira do Pombal, a questão dos resíduos sólidos é um problema complexo que enfrenta o descaso, a ingerência política e/ou a falta de recursos financeiros públicos municipais.

O lixão da cidade está localizado em relevo relativamente alto entre o perímetro urbano da sede do município e as povoações conhecidas como Faleira Velha e Nova. No local são depositados, ao que tudo indica, além dos resíduos sólidos urbanos, outros tipos de resíduos que podem ser nocivos à saúde socioambiental da região. No depósito, em descampado, são encontrados animais, de equinos a diversas espécies de aves, que se alimentam dos resíduos e da vegetação que cresce no entorno e nos morros de entulhos que se formam à medida que os resíduos são lançados.

Os efeitos oriundos da presença dos resíduos nas cercanias do perímetro urbano já são visíveis e sentidos pelas populações que residem em bairros como Abelardo Vieira de Andrade (antigo Duque de Caxias), Cavunza, Calçadão, além das residências rurais no percurso do lixão. No momento, o elevado quantitativo de moscas nas residências dos bairros destacados é uma ameaça às condições de saúde da sociedade. Em relação aos insetos citados, estudos científico-ambientais poderão comprovar que eles são oriundos não somente no lixão, mas do esgoto em terreno que passa próximo aos bairros mencionados.

Destaco que na visita in loco que fiz ao lixão, no final do mês de outubro do corrente ano, em viagem de 20 dias à região, verifiquei a presença não somente de animais, mas, também, de pessoas em meio aos resíduos, à distância, para não causá-las constrangimento, coletando sem o aparato tecnológico ambiental seguro para a retirada do material reciclável.

É oportuno esclarecer que o lixão é um imbróglio histórico na cidade, portanto, a culpa total não pode recair somente sobre o prefeito atual. Nessa vertente de análise, chamo a atenção para a honestidade intelectual e competência político-histórica na hora de responsabilizar autoridades municipais. Com isso, não retiro ou nego a responsabilidade da gestão atual concernente ao gerenciamento ecologicamente correto dos resíduos urbanos, mas é importante elaborar uma crítica sustentável para não cair em análises conjunturais sem a dimensão fatual histórica.

Também é interessante esclarecer que o lixão em discussão já foi tema de várias reportagens, de matérias na grande mídia empresarial e, que em decorrência do quadro de insegurança socioambiental instaurado, o Ministério Público, em anos anteriores, já se posicionou, exigindo da Prefeitura medidas sanitárias, mas, o gestor do executivo municipal da época, pelo que se pode constatar, não conseguiu cumprir as demandas exigidas pelo judiciário em 2013, por isso, a Prefeitura ficou impedida de realizar gastos com publicidade institucional e com eventos festivos, o que incluiu a restrição a qualquer tipo de patrocínio, transferência de recursos ou concessão de bens para a promoção de festas públicas ou privadas[2].

No que se refere à gestão atual, sem defendê-la, acredito que o quadro de descaso ambiental que ocorre na cidade, talvez, se dê por falta de orçamento e partindo-se do pressuposto de que este fato seja concreto, a ausência de recursos financeiros inviabilizaria o gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, mas esta é uma situação que comporta acompanhamento e fiscalização, por meio do monitoramento dos dados receituários e fazendários no Portal de Transparência do Município, caso exista. A falta de recursos, mesmo que se confirme, não anula a obrigação do prefeito atual ou serve de argumento para silenciar a população para que esta não cobre soluções.

É importante destacar que estamos em pleno 2017 e que mesmo com a atenção do Ministério Público voltada para situações que gerem insegurança ambiental por lixões no município, as condições sanitário-ambientais são quase as mesmas de anos anteriores quando a Prefeitura chegou a assinar termo proposto pelo MP para sanar problemas relacionados à gerência de resíduos sólidos no município.

Para finalizar o debate, é necessário colocar em cena que a gestão dos resíduos urbanos gerados em Cícero Dantas não é de incumbência somente do poder público executivo municipal, mas de toda a sociedade. Ademais, não se pode perder de vista que a questão dos resíduos, sejam eles sólidos ou líquidos, atrela-se ao modelo de desenvolvimento que a população em geral adota, que tudo isso está ligado à cultura insustentável do consumo geradora de impactos ao meio ambiente. Com isso, reitero que não retiro a responsabilidade da gestão pública municipal pela gerência dos resíduos sólidos urbanos, mas amplio a rede de análise mostrando que este é um problema que exige soluções em conjunto, em diálogo. O poder executivo da cidade deve sim gerir a questão, mas essa é uma situação que precisa ser amplamente discutida com e por toda a sociedade cicerodantense, para, a partir de uma gestão participativa, encontrar soluções para um problema que tende a agravar-se à medida que a cidade cresce e a população aumenta os padrões de consumo.

O embrulho em baila ainda renderá bastante discussão, pois a Lei Federal nº 12.305, de 2010, com vistas a uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instrumento imprescindível para resolver um dos mais sérios e graves problemas ambientais do país, com a destinação e tratamento dos resíduos sólidos e substituição dos lixões por aterros sanitários, cautela de proteção ambiental importante para o desenvolvimento da nação brasileira encontra-se em aberto, já que o prazo para o fim dos lixões não foi acatado e está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2289/2015, já aprovado pelo Senado, que defende a prorrogação do prazo da Lei Federal que acaba com os lixões no Brasil beneficiando gestores municipais de todo o Brasil, em especial, aqueles de cidades de pequeno porte.

Em âmbito geral, resíduos lançados a céu aberto acarretam problemas de saúde pública, como proliferação de vetores de doenças (moscas, mosquitos, baratas e ratos, etc.), geração de maus odores e, principalmente, a poluição do solo, das águas superficiais e subterrâneas através do chorume (líquido de cor preta, de mau odor e de elevado potencial poluidor produzido pela decomposição da matéria orgânica contida no lixo), comprometendo os recursos hídricos. Em termos ambientais, os lixões agravam a poluição do ar, do solo, das águas e ainda provocam poluição visual[3], e como, sem dúvida, tudo isso ocorre no lixão de Cícero Dantas, fato que pode ser corroborado a partir de estudos ambientais no local e entorno, esse é um problema que deve ser central na agenda municipal.

Enfim, o lixão de Cícero Dantas, além de ser um problema de saúde pública, é um entrave que precisa ser analisado à luz dos fatos histórico-político-econômicos para que, dessa forma, não se caia em análises simplistas e superficiais que sustentem a tese equivocada de que toda a culpa pertence à gestão pública municipal atual. A partir de uma dimensão fatual-histórica, a população será capaz de vencer os gritos cíclicos na cidade e fazer com que órgãos do judiciário como o Ministério Público exijam da Prefeitura local medidas profiláticas para um problema histórico que afeta a todos.

[1] População estimada 2017, segundo dados do IBGE.

[2] Informações sobre a proibição de festas retiradas do próprio site do MP: https://www.mpba.mp.br/area/CEAMA/noticias/28104

[3] Fragmento de texto de Cícero Thiago Ribeiro no site http://www.cenedcursos.com.br/meio-ambiente/impactos-ambientais-lixoes/.

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