Ineficiência e demora: os nós do transporte coletivo de Florianópolis

Lilian Cantarelli sai dez minutos antes da empresa para pegar o ônibus - Daniel Queiroz/ND
Lilian Cantarelli sai dez minutos antes da empresa para pegar o ônibus – Daniel Queiroz/ND

Por Fábio Bispo.

Lilian Cantarelli, 38, apressa o fechamento dos trabalhos para sair dez minutos antes na empresa de tecnologia onde trabalha, no Corporate Park, em Santo Antônio de Lisboa. Esse é o tempo calculado para pegar o ônibus de 16h55, e que economizará até 30 minutos no final da viagem de volta para casa até Ponta das Canas. Ela vai chegar por volta das 18h se tiver sorte de conseguir fazer a integração imediata quando chegar ao Tican (Terminal de Integração de Canasvieiras). Se tiver muito mais sorte conseguirá completar o trecho sentada — o que raramente ocorre.

Do outro lado da cidade, no Campeche, Gabriel Meireles, 35, acorda às 9h. Até pegar o ônibus das 10h, passar pelo Ticen (Terminal de Integração do Centro) e descer na Trindade, onde trabalha como gerente de loja no Mercado São Jorge, serão 11h. De carro, o trajeto de 11,4 km levou 19m53s para ser percorrido. Mas de ônibus a viagem ficou mais longa, quase o dobro do trajeto, 21 km, e demorou cinco vezes mais, 1h4min, para chegar ao mesmo lugar.

“É um sistema ruim, tem poucos horários e é muito demorado para se chegar ao destino”, arrisca uma opinião Gabriel Meireles sobre o sistema de transporte que conhece há pouco mais de três anos, quando trocou Rio Grande (RS) por Florianópolis. Lilian ataca a falta de gestão: “Nós deveríamos convidar o prefeito e as pessoas que pensam o transporte a andar de ônibus”.

A situação pode ser pior ainda para quem mora ou trabalha na Região Metropolitana. “Eu normalmente vou de São José para a Lagoa. Como não existe integração, tenho que ter dois cartões, descer no terminal e pagar outra passagem para seguir viagem. Essa falta de integração é muito ruim, além do preço alto que pagamos por um serviço que não é bom”, emenda Samela Mayara Florença de Melo, 20, que mora em São José.

O principal critério para medir a eficiência da mobilidade urbana das cidades é o tempo de deslocamento entre um ponto e outro. Corredores exclusivos, tarifas baixas e sistemas mais abrangentes de integração, normalmente, facilitam a melhora desses índices. Mas é justamente a falta desses critérios que atrapalha a mobilidade em toda a Grande Florianópolis, segundo especialistas. Em 2006, um estudo publicado pelo pesquisador Valério Medeiros, da UNB (Universidade de Brasília), apontou que Florianópolis tinha o segundo pior índice de mobilidade do mundo e o deslocamento mais complicado entre 21 das principais capitais brasileiras.

Mais de dez anos após a publicação do estudo, pouca coisa mudou. Na prática, o número de usuários do transporte coletivo diminuiu e o número de carros nas ruas aumentou. A licitação de 2014, que prometia melhora no serviço, também não obteve avanços significativos. Manteve o controle do sistema com as mesmas cinco empresas que operam desde 1926, quando começaram a circular os primeiros ônibus com a inauguração da ponte Hercílio Luz.

Em janeiro deste ano, o TCE (Tribunal de Contas do Estado) voltou a censurar a Prefeitura de Florianópolis apontando falhas na execução do serviço de transporte público, como a falta de integração com os demais municípios, necessidade de revisão de tarifa por distância percorrida, renovação de frota e revisão da remuneração da empresa que administra os terminais. Os mesmos apontamentos já haviam sido endereçados ao ex-prefeito Cesar Souza Júnior (PSD). Recomendações semelhantes também foram feitas ao ao Deter (Departamento Estadual de Transportes e Terminais), exigindo licitação para o transporte na região metropolitana e que está em fase de discussão, mas com resistência para adesão de Florianópolis.

Um terminal no meio do caminho

O deslocamento dos bairros para o Centro de Florianópolis por meio do transporte coletivo pode significar uma verdadeira epopeia, principalmente se o passageiro vier do Norte ou Sul da Ilha em horários de pico. É o que ocorre todos os dias com quem trafega nos ônibus que saem dos Ingleses, Praia Brava, Rio Tavares, Campeche, entre tantos outros destinos. Por mais que em determinados horários praticamente toda a lotação desembarque no Ticen (Terminal de Integração do Centro), os passageiros são obrigados a desembarcar nos terminais de integração para pegar outro ônibus.

A reação não poderia ser diferente: “Eu acho que tem que ter a questão da integração de quem vai de um bairro para o outro, mas por exemplo, quem vai para o Centro poderia ter mais ofertas de ônibus diretos”, diz Lilian Cantarelli.

Estudos do Plamus (Plano de Mobilidade Urbana Social) apontam que o principal destino das viagens é o Ticen, sendo que 60% das viagens de trabalho que saem do Continente são para a Ilha de Santa Catarina. No entanto, do Terminal Central muitas pessoas seguem o restante do trajeto a pé, caminhando entre 800 até 2.000 metros devido a falta de mobilidade na região central.

“A oferta de ônibus na Mauro Ramos é enorme, no entanto verificamos muitas pessoas que vão até o Instituto Federal de Educação, ao Hospital Celso Ramos, ao Beiramar Shopping e até a pé por causa da falta de integração”, aponta o professor Werner Kraus, do Departamento de Automação e Sistemas [DAS-UFSC] e coordenador do Observatório da Mobilidade Urbana da Universidade Federal de Santa Catarina.

Não existem linhas diretas de São José, Biguaçu ou Palhoça para os bairros de Florianópolis, e todo esse fluxo acaba passando obrigatoriamente pelo Ticen, onde também é preciso pagar nova tarifa para seguir viagem. Atualmente, 280 mil passageiros circulam mensalmente pelo Terminal Central, e 5,1 milhão em todo o sistema de transporte da Capital.

Gabriel Meirelles - Daniel Queiroz/ND
Gabriel Meirelles – Daniel Queiroz/ND

Direito de ir e vir com hora marcada

Se não bastassem as dificuldades enfrentadas para ir e vir do trabalho, os problemas do transporte coletivo de Florianópolis se agravam quando se fala em oferta de transporte nos fins de semana ou fora dos horários de pico.

“Parece que o cidadão não tem direito de assistir a um show, uma peça de teatro ou até mesmo ao estádio de futebol porque simplesmente não tem ônibus para voltar. Como não tenho carro e não tenho transporte, muitas vezes acabo não podendo ir a lugar algum”, reclama Kelton Luiz da Silva, 34.

A falta de transporte em horários alternativos é outro problema registrado pelos usuários na cidade que tem como um dos principais carros chefes da economia justamente o turismo. Nos dias de semana, os horários regulares para os bairros encerram entre 23h e meia noite. Nos fins de semana as limitações são ainda maiores.

“No verão você não consegue pegar um ônibus sem parecer que está dentro de uma lata de sardinha, e nos fins de semana não consegue sair de casa porque simplesmente não tem ônibus”, dispara a estudante Maria Gabriela Sá, 17, moradora do Campeche.

Integração metropolitana e corredores

A solução para o transporte público da Grande Florianópolis seria a integração completa de modais e sistemas em toda a região. É o que aponta o professor Werner Kraus, coordenador do Observatório da Mobilidade Urbana da Universidade Federal de Santa Catarina, e o que também prevê o Plamus (Plano de Mobilidade Urbana Social), concluído entre 2013 e 2014. Segundo o professor, o tempo de deslocamento do usuário do transporte coletivo implica diretamente na qualidade da mobilidade nas cidades. Como exemplo clássico ele aponta a situação das pontes de acesso à Ilha de Santa Catarina e afirma que a solução para o transporte da região passaria pela criação de corredores exclusivos, aumento dos subsídios e capacidade do sistema ser mais atrativo que o automóvel.

“A história da mobilidade de Florianópolis vem de um crescimento vegetativo que nunca priorizou o transporte coletivo. Nunca se pensou em corredor exclusivo ou vias preferenciais”, aponta Werner Kraus. Segundo o professor, o funcionamento do sistema atual enfrenta uma série de falhas que passam principalmente pela dificuldade em se aplicar políticas de mobilidade urbana.

“Não faz sentido um ônibus sair dos Ingleses, lotado, onde a maioria têm destino ao centro passar pelo Terminal de Canasvieiras” afirma. As intenções do município em construir um corredor de ônibus exclusivo são animadoras e segundo o professor são mais eficazes que soluções como o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). “Por um corredor de ônibus passam muitas linhas de várias origens. Um trem não, ele não tem essa mobilidade que a cidade precisa”.

O professor aponta que ao redor do mundo a mobilidade está ligada diretamente ao desenvolvimento econômico e social das cidades. “Nos países europeus, por exemplo, o subsídio do sistema chega a 50%, e isso é simples de entender, é uma questão de sobrevivência econômica. Sem isso, a vida econômica seria inviável”, explica Kraus.

Isso explica, por exemplo, o porquê de 60% das viagens de trabalho da região continental se dirigirem à Capital, onde além das principais oportunidades de trabalho também estão sedes de órgãos públicos, principais pontos de serviços do Estado e opções de lazer.

Principal meio de deslocamento utilizado na região metropolitana

TCE determina plano de estudos para o transporte

Em janeiro deste ano, o TCE (Tribunal de Contas do Estado) determinou que o município de Florianópolis apresentasse até o mês de maio estudos para implantação de uma série de melhorias no serviço de transporte coletivo da cidade. Os apontamentos fazem parte de auditoria concluída pelo Tribunal em 2014 onde são feitas 14 determinações e recomendações.

O TCE cobra do município, por exemplo, a implantação de sistema capaz de integrar diferentes modais —bicicleta, carro, transporte aquático —, bem como articular com os demais municípios a integração do transporte público na região metropolitana. Também sugere desconto na compra de créditos para o transporte antecipado, renovação da frota, além de uma revisão completa na forma de remuneração da administradora de terminais na cidade.

Segundo auditoria do TCE, a TIR (Taxa Interna de Retorno) da Cotisa (Companhia Operadora de Terminais), fixada em 32%, estaria acima dos valores esperados para o setor, influenciando diretamente no preço da passagem. A Cotisa já se manifestou que os percentuais não são aplicados na prática.

>> Leia a íntegra do relatório e voto do TCE para o município de Florianópolis

Atualmente, a tarifa de ônibus em Florianópolis é composta pelo custo do transporte (Consórcio Fênix) mais o custo dos terminais (Cotisa). Enquanto nos custos do transporte estão inclusos preço do combustível, frota, mão de obra e variação do IGP (Índice Geral de Preços), nos custos dos terminais está incluso a TU (Taxa de Utilização), fixada em R$ 4,45 cada vez que um ônibus chega e parte dos terminais. Segundo o TCE, a empresa que administra os terminais estaria tendo um lucro acima do esperado para o setor.

Prefeitura promete investimento pesado em mobilidade

O secretário da Mobilidade Urbana de Florianópolis, Marcelo Roberto da Silva, não tem dúvidas que a saída seja o investimento no transporte coletivo. No entanto, reconhece que pode haver dificuldades para o município aderir a um possível sistema integrado da região metropolitana. Em contrapartida, a nova administração anuncia investimentos da ordem de R$ 490 milhões para a construção do anel viário em torno da região central e investimentos em melhorias nas regiões Norte e Sul da cidade.

O município ainda não se manifestou oficialmente sobre as determinações e recomendações do TCE, mas afirma que os novos projetos previstos pela administração darão conta de suprir as deficiências apontadas pelas auditorias.

“Estamos encerrando nossos estudos para responder ao Tribunal, colocando nossos projetos, e claro, quando se constrói o corredor e se coloca o ônibus no corredor se tem uma redução de custos. Eu acredito que nos próximos quatro anos teremos uma mudança significativa na mobilidade urbana de Florianópolis”, afirmou Marcelo Silva.

O secretário ainda aponta que o atual contrato com o Consórcio Fênix prevê revisão a cada quatro anos, sendo a primeira revisão prevista para 2018. “Esse contrato foi aprovado pelo Tribunal de Contas e agora o que temos é a revisão anual e o reajuste. Na revisão nós temos indicadores de desempenho, que são de 98%, caso isso não seja atingido cabe multa e sansões à concessionária”, explica.

Sobre o município não integrar imediatamente as discussão para construção do sistema integrado na região, o secretário disse que o edital de 2014 assegurou o serviço por 20 anos ao Consórcio Fênix. “Qual a segurança jurídica que uma empresa terá em investir, se depois ela não estiver presente em um processo de integração? Essas questões são importantes”, concluiu.

Veículos que saem da região com direção a Florianópolis:

40% de Palhoça

15% de Biguaçu

30% de São José

15% demais cidades

Consórcio Fênix aguarda estudos sobre região metropolitana

Por meio de assessoria de imprensa, o Consórcio Fênix disse que aguarda definição por parte dos órgãos públicos para estudo e definição das integrações com demais sistemas da região metropolitana. A empresa também afirmou que já mantém política de descontos para aquisição de compra antecipada e a renovação de veículos antigos por novos atende às diretrizes do contrato assinado com o município. Também cita que 70% dos veículos possuem plataforma elevatória de acessibilidade.

Atores do sistema de transporte

  • Cotisa

Firmado em 2000, com prazo de 20 anos, o contrato com a Cotisa prevê a construção e manutenção dos terminais de integração. A companhia investiu R$ 15 milhões para construção dos terminais, com o compromisso de reaver este investimento através da TIR (Taxa Interna de Retorno). Entre os valores que compõem o custo da passagem, está, por exemplo, o retorno do investimento da construção do terminal do Saco dos Limões, que custou R$ 912 mil na época, que é pago pelo passageiro cada vez que a catraca gira mesmo a estrutura estando desativada do sistema integrado de transporte.

  • Fênix

Consórcio formado pelas empresas Canasvieiras, Enflotur, Estrela, Insular e Transol. As mesmas empresas operavam o serviço antes de 2014, quando se juntaram para participar da primeira licitação do transporte coletivo de Florianópolis.

  • Prefeitura de Florianópolis

Município é responsável pela concessão e fiscalização do serviço. Fica a cargo da prefeitura, por exemplo, cobrar o cumprimento do contrato firmado com a empresa de transporte, apresentar novas demandas e penalizar nos casos de descumprimentos.

  • TCE

Entre 2013 e 2014 Tribunal de Contas emitiu relatórios endereçados à Prefeitura de Florianópolis e Deter cobrando soluções para o transporte público na região metropolitana.

  • Plamus

Plano de Mobilidade Urbana Sustentável financiado pelo governo do Estado apontou que a solução para a mobilidade urbana na região deverá passar pela promoção do crescimento urbano de forma que os bairros sejam estruturados pela disponibilidade de transporte coletivo e de modais de transporte não-motorizados. O Plano defende um sistema integrado entre os municípios da região entre si e com a Ilha de Santa Catarina.

Fonte: ND Online.

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