Indígenas ocupam ponte no Goio-Ên e deixam recado: “A luta não acabou. A PEC 215 não passará”

Mesmo com muita chuva, indígenas ocuparam seu espaço na rua. Bloquearam trecho na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul em sinal de repúdio contra a PEC 215

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Por Claudia Weinman, para Desacato.info (texto e fotos).

O Goio-Ên ganhou mais vida. Indígenas vindos de diferentes aldeias do Oeste Catarinense ocuparam o seu espaço na rua e sobre a ponte que faz divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na SC 480 durante a quarta-feira, dia 11. O povo se reuniu seguindo a pauta de mobilização nacional contra a PEC 215 que fere efetivamente o direito dos povos indígenas por deixar sobre o poder do legislativo, o processo de demarcação do território.

Na quarta-feira, o despertar nas aldeias começou cedo. Como em qualquer dia de grande luta. Guerreiros\as se prepararam para ocupar o Goio-Ên, que já próximo das 8h da manhã, encontrava-se coberto por faixas, bandeiras, povos Kaingang, Xokleng, Guarani. O tempo, teimoso, escureceria o céu, muita chuva descia incessantemente e os indígenas se preparavam com guarda-chuvas, outros\as segurando uma grande lona que protegia parte dos militantes mobilizados, enquanto meninos e meninas, pés no chão, provocavam os céus com lindas danças em sinônimo de resistência. Crianças deitavam-se no chão, brincavam contentes com a água que Tupã enviou. Para elas, parecia festa.

Mas ao chamado dos mais experientes, a brincadeira transformava-se. É possível perceber que tão cedo, as crianças assumem a tarefa de enfrentamento. Ao passar 40 minutos do primeiro bloqueio, o trecho fora liberado. Mulheres, homens, crianças, todos\as preparados para proteger seus parentes. Os caminhões, ônibus e carros menores passavam pela barreira. Alguns acenavam, outros apenas mantinham olhar fixo sobre as pessoas e outros ainda, proferiam xingamentos, como quem realmente não entende a luta.

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Depois da passagem dos transportes, a cada 30 ou 40 minutos, a barreira novamente era montada. O incômodo como tratam grande parte dos motoristas, fez com que a Polícia logo cedo, viesse até o Goio-Ên. Um dos policiais aproximou-se do Cacique Kaingang do Toldo Chimbangue, Idalino Fernandes, para exigir a passagem dos motoristas de 15 em 15 minutos. Mas ele não estava sozinho. Não foi preciso chamar os demais. Eles já estavam ao redor protegendo Idalino de qualquer palavra, de qualquer ação. Foi um momento de tensão mas também de sentir o compromisso que cada companheiro\a indígena possui com o outro. Alguns subiam no muro e filmavam a conversa entre o Cacique e o Policial. Foi possível sentir que ninguém mais passará por cima dos direitos dos povos.

A imprensa pouco a pouco também se aproximava do bloqueio. Os mais sanguinários corriam de um lado para o outro sem saber o que segurar primeiro, se era o guarda-chuva ou a câmera. Jornalistas explorados, mas que viam na mobilização um produto para a televisão no horário do meio dia.

O dia seguiu. As 12h, a comida partilhada fortaleceu e animou o povo no meio da BR. Os pingos de chuva insistentes, continuavam animando as crianças até todos\as se alimentarem. Ninguém ficou sozinho. O bloqueio seguiu. Logo a tarde, a liberação era feita a cada 30 minutos, quanto muito 40 para os transportes. O chimarrão era passado de mão em mão, aquecendo o corpo coberto por roupas molhadas que começavam a pesar.

“Vivemos 515 anos massacrados. Não queremos mais isso”

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         Com a chegada da polícia pela manhã, atento, o Cacique Kaingang Idalino Fernandes apenas dizia: “O papel da Polícia é manter a ordem, mas nós tratamos eles com respeito e queremos que eles nos entendam. Sabemos dos direitos de cada um. Mas não podem só olhar o direito dos outros”.

         Fernandes argumentou com os policiais dizendo que a mobilização e o bloqueio estavam acontecendo conforme a lei permite. “E depois, a única saída é fechar a BR respeitando a legislação. A pessoa que está andando na BR também está sendo prejudicada. Deixa a gente viver uma vida digna, sem discriminação, sem tirar o nosso direito”.

         A presença da polícia foi marcante durante todo o dia. Estavam ‘observando’ o trânsito. Enquanto isso, indígenas do Toldo Imbú, Toldo Chimbangue, Toldo Pinhal, Condá, Terra indígena Chapecó, Araça’i, todos\as do Oeste de Santa Catarina, resistiam ao tempo, aos olhares, as palavras ditas sem consciência e contexto. “A PEC 215 é coisa bonita para quem discutiu ela. Mas para os povos indígenas não. A gente vai sofrer muito mais. Por isso estamos lutando. É preciso que as pessoas pensem nisso”, disse o Cacique.

         Fernandes promete ainda: “Se caso esses parlamentares e o relator da PEC 215 não ouvir nós, vamos continuar e vai ser maior. Vivemos 515 anos massacrados. Não queremos mais isso”, afirmou ele referindo-se as reivindicações contra a PEC do genocídio.

         Nadir Verguero também é indígena Kaingang do Toldo Chimbangue, segundo ela, o governo apenas se aproxima dos povos indígenas quando possui algum interesse. “O governo que venha atender o povo indígena. Aqui é povo também. Quando precisam da gente aí nos chamam. Nós estamos completamente ‘jogados”, Criticou.

A mobilização continua

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         Os guerreiros e guerreiras não descansarão. Esse é o recado deixado por todos os indígenas de Santa Catarina, bem como do Brasil que realizaram mobilização na quarta-feira. A demarcação das terras indígenas é tida como direito dos povos e quando um direito é violado, o enfrentamento é a saída. Faça sol ou faça chuva. O povo eclode nas ruas e faz a sociedade entender que bastam 515 anos de opressão, morte, violência, preconceito, violação de direitos. “A mobilização atingiu o nosso objetivo. As ruas estão ‘livres’, mas a luta não acabou. A PEC 215 não passará”, enfatizou o indígena Rildo Mendes.

         Já próximo das 15h, a barreira se findou no Goio-Ên. Já era hora de retornar as aldeias. Momento de descanso, de atender as crianças, de cuidar da terra. Nos olhares, a certeza que que a luta contra a PEC 215 continua em todo o Brasil. Os indígenas e os não indígenas representados pela Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que ali estavam mobilizados, não desistirão, até o último guerreiro.

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