Indígenas do Araça’í falam sobre a luta no Oeste Catarinense

Por Claudia Weinman, para Desacato. info. 

Sábado, dia 27 de julho, na Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) de Chapecó/SC, os indígenas Guarani João Barbosa, junto com seu filho Adilson e o Educador de língua Portuguesa João Batista (Kaingang), participaram de um momento de diálogo no Curso Realidade Brasileira, para falar sobre o tema: “Terra Sem Males”, que foi escolhido posteriormente como sendo o nome dessa turma. “Dom José Gomes na luta por uma terra sem males”, assim ficou o nome que carrega também o contexto de memória em homenagem à Dom José, líder religioso que pela sua luta em favor dos pobres foi perseguido e ameaçado no período da ditadura militar no Brasil. Em Chapecó/SC onde teve atuação como Bispo, chegou a ser assunto na Câmara de Vereadores, onde a elite conservadora exigiu sua saída da cidade. Mas ele continuou fazendo luta até encantar.

Durante a noite de sábado então, Jacson Santana, que é representante do CIMI Sul e vive em Chapecó, foi a pessoa que apresentou os representantes indígenas à turma do Curso Realidade Brasileira. O Cacique Guarani João Barbosa falou sobre a situação que passa o Brasil e especialmente, mencionou sobre as condições que vivem as 30 famílias Guarani nas terras do Toldo Chimbangue, em Chapecó-SC, um acampamento que foi cedido pelos indígenas Kaingang que ocupam essa mesma região até que os Guarani consigam garantir a conquista de seu território, que são as terras tradicionais do Araça’í, entre os municípios de Cunha Porã e Saudades, no Oeste do Estado.

Barbosa falou que no acampamento as famílias vivem desassistidas, como é a realidade da grande maioria dos povos indígenas que foram expulsos das terras, quando da invasão europeia. O processo de colonização ocorrido em meados do século XX, tratou de afastar sistematicamente esses habitantes da terra historicamente ocupada. A implantação de uma cultura capitalista pela colonização gerou uma transformação social, cultural e econômica desse espaço, entre as quais a destituição dos nativos das terras ocupadas. Decorrido menos de um século da privatização do território regional, as populações pré-capitalista reivindicam o direito constitucional pela retomada da terra.

O Cacique João Barbosa chegou a falar sobre esse sentimento de tristeza, pelos golpes que as populações indígenas vem sofrendo. “Se olhar para mim parece que estou meio feliz mas as vezes estamos tristes. A vida de um cacique as vezes é bem cruel, pode perder até a vida. A sede que eu tenho você também tem, sinto canseira, é a mesma coisa que você sente e por isso eu preciso de apoio, de ajuda”, disse ele.

João Barbosa falou sobre o sonho da conquista pelas terras tradicionais e disse que esse sempre foi o desejo de muitos Guarani que já encantaram. “Meu pai morreu aos 98 anos com esse sonho, ele não conseguiu, eu estou confiando e desconfiando que vamos conseguir, com o apoio que vocês dão, queremos ter esse direito de viver”, mencionou.

João Batista que é Educador de língua Portuguesa no Toldo Chimbangue, e já viveu experiências ao ensinar a língua portuguesa em escolas fora da comunidade indígena, também falou sobre essa necessidade de lutar permanentemente pelo território. Batista nasceu no ano de 1979 e em 1985 ocorreu a reconquista do território Kaingang, o Toldo Chimbangue, o nome dessa terra indígena é proveniente de Antônio Chimbangue, que foi o primeiro cacique nesse local.

Em sua fala, Batista menciona a Lei de Terras, um período onde a terra tornou-se mercadoria, cujos participantes de sua compra, eram pessoas que tinham poder econômico para obtê-la. Diferentemente das populações nativas, que passaram a ter a sua força de trabalho explorada pelos imigrantes europeus e muitos se afugentaram. “Entendo que nosso espaço vai além dos limites da aldeia. Tenho familiares no Rio Grande do Sul, no Paraná, não existe essa delimitação, temos o direito de ir e vi para qualquer lugar. Nós Kaingang quando tínhamos vontade sair do lugar para outro, saía e voltava, meses depois”.

O Educador ainda comentou sobre a invisibilidade das populações indígenas perante a sociedade. “Somos um povo sofrido, visto como minoria porque é uma sociedade que vive na invisibilidade do poder público que nunca pensa um projeto de acordo com a necessidade dos indígenas. Cada conquista precisa de um movimento, trancar rodovia, precisa que a gente dance, que grite, para que a mídia perceba e o poder público se sinta obrigado a construir projetos, um mínimo de apoio”.


Bandeirante/SC

Os indígenas Guarani viviam nas terras do Araça’í, localizadas entre os municípios de Cunha Porã e Saudades. Com a vinda de colonos europeus, um longo processo de conflitos movimentou esta região. Houve a expulsão dos nativos que passaram a dividir as terras do Toldo Chimbangue, em Chapecó, junto aos Kaigang.

Em Cunha Porã e Saudades, centenas de agricultores se instalaram e recomeçaram suas vidas. Compraram as terras das empresas colonizadoras, constituíram família e também, construíram a sua história na localidade. No entanto, não conformados com a expulsão, os indígenas Guarani depois de longos anos, retomaram a luta pela demarcação de terras no Araça’í.

Para resolver a questão sem causar danos aos agricultores, o Governo do Estado propôs no ano de 2012, a compra de uma área de terra no município de Bandeirante, porém, a proposta não foi entendida com naturalidade e tranquilidade por líderes políticos e parte da população de Bandeirante. Uma parte da imprensa local exerceu a função de aprofundar o conflito entre indígenas e não indígenas, divulgando matérias com os seguintes elementos:

Em Bandeirante, a ideia da instalação da aldeia indígena gerou controvérsias. Para o prefeito eleito, José Carlos Berti, além do choque cultural, outros problemas surgiriam com a vinda dos índios. Ele desafia que alguém lhe apresente um município que desenvolveu e conquistou avanços por ter aldeia indígena. Defende que a área pretendida em Bandeirante não possui nenhum estudo arqueológico apontando que algum povo indígena habitou a área. Berti entende que o povo indígena deve ser levado para onde é seu lugar de origem, e não para Bandeirante. O prefeito eleito acrescenta que o interesse é usar a área para reforma agrária, abrigando agricultores de Bandeirante e região que ainda não possuem terra (RESERVA INDÍGENA, p. 5, 2012c).

No depoimento do prefeito José Carlos Berti, está evidente o pensamento destacado por Bauman (1998), ao referir-se ao sonho da Pureza. Segundo o autor, toda ação ou condição que ofereça perigo a ordem estabelecida socialmente é vista como negativa, como algo que precisa ser eliminado, que está de fora do plano até então construído. Os indígenas neste contexto, seriam seres impuros, incivilizados, incapazes de manter uma relação de proximidade com a comunidade colonizadora. São neste espaço, excluídos e impossibilitados de defender-se, porque é o sentimento de pureza, de continuidade de uma maneira de vida uniformizada que é colocada em questionamento.

Os indígenas Guarani seguem na luta pela reconquista de seu território no Araça’í. Depois de inúmeras jogadas políticas pautadas por deputados da região, para que os Guarani fossem à Bandeirante e assim ‘liberassem’ as terras tradicionais para os agricultores, eleitores certos, os indígenas resolveram por bem, permanecer junto ao Toldo Chimbangue e em luta pelas terras entre Cunha Porã e Saudades.

BAUMANN, Zigmunn. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia M. Gama, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

RESERVA INDÍGENA: Cacique afirma que aldeia não virá para o município. Gazeta Catarinense, São Miguel do Oeste, p. 5, 7 dez. 2012c.

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