Incêndio na TI Jaraguá: povo Guarani denuncia negligência do poder público

O fogo começou na manhã do domingo, 21, e só foi controlado na madrugada da segunda. Foto: Felipe Beltrame

Por Aleandro Silva, Amanda Signori e Rafael Martins, do Regional Sul do Cimi.

Na manhã do último domingo, 21, um incêndio atingiu parte da Terra Indígena Jaraguá, na zona oeste de São Paulo. Sem a devida assistência do Estado, coube aos xondaros e xondarias (guerreiros e guerreiras do povo Guarani), o trabalho para conter as chamas que queimaram parte do cemitério Guarani na aldeia Tekoha Itakupe, uma das seis que existem na TI Jaraguá. Nessa aldeia, além de atingir parte do cemitério, o fogo queimou a vegetação nos arredores da nascente, de onde a comunidade canaliza água para as casas da aldeia. Com a tubulação e mangueiras queimadas, o abastecimento foi interrompendo.

As lideranças afirmam que por volta das 11h iniciaram o combate dos focos de incêndio no território. Conhecendo a mata, os xondaros e xondarias, adentraram até o local do incêndio, utilizando galhos de árvores para abafar as chamas. No período da tarde, quatro guardas florestais se somaram aos Guarani no combate às chamas, contudo, ficaram pouco tempo na mata e foram embora.

Identificando a gravidade da situação, a comunidade realizou diversas ligações para o corpo de bombeiros. Solicitaram também, aos parceiros e apoiadores, por meio das redes sociais, fazendo um apelo para que denunciassem a ocorrência e a demora do poder público. Algumas lideranças, solicitaram a parlamentares e autoridades que entrassem em contato com o corpo de bombeiros e o secretário estadual de segurança, com o intuito de solicitar um helicóptero que pudesse ajudar no combate aos focos de incêndio. Essa era a única alternativa para conter o fogo, devido ao difícil acesso as áreas que estavam incendiadas na floresta densa.

“Os bombeiros informaram que não conseguiriam acessar os pontos onde estavam os focos do incêndio”

O fogo destruiu parte da biodiversidade da TI, também comprometeu o acesso a água da comunidade. Foto: Regional Sul do Cimi

Ao chegarem no local, os bombeiros informaram que não conseguiriam acessar os pontos onde estavam os focos do incêndio. Argumentaram que os soldados não possuíam preparo técnico para o combate a incêndios florestais. Mesmo sabendo que os Guarani já haviam acessado a mata e apagado as chamas em alguns pontos, insistiram em dizer que não poderiam colaborar por terra, e única alternativa seria utilizar o helicóptero. Vale destacar que nas ligações ao corpo de bombeiros já havia sido relatado a dificuldade de acesso por terra. “Falamos que era necessário a utilização de um helicóptero, pois os focos estavam em áreas de morro e mata fechada, contudo, os atendentes informaram que essa solicitação só poderia ser atendida, após as viaturas de averiguação identificarem a necessidade”, destacam as lideranças do Jaraguá.

Após diversas articulações com parceiros, apoiadores e alguns parlamentares, no final da tarde, um helicóptero da Secretaria de Segurança Pública fui disponibilizado. A aeronave realizou apenas três lançamentos de água em alguns focos próximos as aldeias. Depois, deram prioridade a outros focos que se aproximavam de propriedades residenciais nos arredores da terra Indígena.

Por volta das 20h, uma viatura do corpo de bombeiros, chegou na aldeia Tekoa Itakupe. Conversaram com algumas lideranças, afirmando estarem realizando uma averiguação e reafirmaram que não tinham preparo para adentrar na mata. Após uma discussão com os Guarani, decidiram destacar alguns homens para auxiliar os xondaros e xondarias que permaneciam na mata, combatendo as chamas.

Durante a conversa, o representante do corpo de bombeiros se comprometeu a trazer equipamento de proteção individual (EPI’s), e material adequado para apagar o incêndio, contudo, a promessa não foi cumprida. Apenas quatro soldados vieram para auxiliar os guardiões da floresta. Minutos depois de adentrarem a mata, os bombeiros resolveram recuar, afirmando que não estavam com material adequado para se deslocarem na área e não poderiam arriscar suas vidas. Os Guarani seguiram lutando para apagar as chamas com galhos de arvores. O fogo se alastrou novamente, chegando bem próximo a aldeia. Somente por volta meia noite, conseguiram controlar o fogo e retornar ao centro da aldeia.

“O fogo chegou no nosso cemitério, espaço sagrado”

O fogo foi controlado pelos esforços dos xondaros e xondarias, os verdadeiros guardiões e guardiãs da floresta. Fotos: Felipe Beltrame

No dia seguinte, parte da mata ainda estava em chamas, mas o incêndio foi controlado pelos esforços dos Guarani. Os xondaros e xondarias identificaram a morte de muitos animais como tatu, cobras, aves, esquilos, quatis e muito outros, todos carbonizados. “O fogo chegou no nosso cemitério, espaço sagrado. Nós nos machucamos, pois quando o vento mudava o fogo vinha rápido para cima de nós, muito seco, não tem água na região”, afirmou Tiago Karaí Jekupé, liderança da TI.

Por meio das redes sociais, algumas lideranças denunciaram a omissão por parte do poder público, em especial o Governo do Estado de São Paulo, Fundação Florestal, Secretária Estadual do Meio Ambiente e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que não deram a devida assistência a comunidade e não possuem políticas públicas preventivas em relação a esse tipo de situação, mesmo os incêndios sendo recorrentes na Terra Indígena Jaraguá. “Todos os anos acontecem incêndios nesse período, pois é o período mais seco”, relatam as Guarani.

A TI Jaraguá encontra-se em situação de sobreposição ao Parque Estadual do Jaraguá, que tem sua gestão sob responsabilidade da Fundação Florestal, ligada a Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

Para a comunidade Guarani é escandaloso não haver uma brigada especializada para o combate a incêndios como esse. Apenas quatro homens da Fundação Florestal foram até o local e permaneceram pouco tempo tentando combater as chamas. Nem o Corpo de Bombeiros nem a Fundação Florestal disponibilizaram EPI’s ou materiais adequados para que os Guarani pudessem combater os focos de incêndio. Por sua vez, a Funai não deslocou ninguém até o local para verificar a situação da comunidade, tão pouco a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

A Comunidade do Jaraguá cobra do Ministério Público Federal (MPF), que investigue o caso e as responsabilidades do poder público sobre o ocorrido. Também afirmam, “há urgência para que os órgãos responsáveis construam uma política pública efetiva de prevenção e combate aos incêndios”, afirmam as lideranças

O fogo foi controlado pelos esforços dos xondaros e xondarias que, como verdadeiros guardiões e guardiãs da floresta, que não excitaram em arriscar a própria vida para defender o seu Yvyrupa (território), e toda biodiversidade presente em uma das poucas áreas que ainda resta da Mata Atlântica, na cidade de São Paulo.

Fonte: CIMI.

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