Ida solene a Sachsayuhaman

Por Urda Alice Klueger.

(Excerto do livro “Viagem ao Umbigo do Mundo”, publicado em 2006.)

Eu precisava ir a Sachsayuhaman, meu, como precisava! Mas tinha que ir de outro jeito, no silêncio, sem motores de motos, com a solenidade que Sachsayuhaman pede, como o local mais sagrado das Américas para mim, e também o mais triste! Então, no outro dia, quando meus amigos embarcaram na programação do Encontro e viveram um dia muito engraçado pelo vale do rio Urubamba (o vale Sagrado dos Incas), onde, entre outras coisas comeram cuey[1] e conheceram o ritual da Pachamanca (conto depois)e de onde voltaram alegríssimos e bem dispostos, rindo muito dos acontecimentos do dia, eu comprei um pacote turístico e fui a Sachsayuhaman.

O que é Sachsayuhamann? É antiga fortaleza Inca onde, em 1533, houve a batalha final entre os Incas e Pizarro, o conquistador  espanhol, e a mudança de toda a História da América. Absolutamente imensa e linda, sobranceira a Cusco, numa subida de onde se controla o acesso à cidade dos Filhos do Sol, é outro dos pontos quase que indiscritíveis do mundo. Na verdade, trata-se de um conjunto de sítios arquológicos perfeitamente conservados apesar dos terremotos e dos cristãos, sendo que a fortaleza, construída em forma de raios celestes, imensa e poderosa, é a que mais me comove. Ali, um dia, no passado, os Filhos do Sol apostaram todas as suas fichas contra o invasor europeu … e perderam. Como da vez anterior em que estivera ali, eu fiquei lá no alto da fortaleza observando o grande prado que há diante dela, e ouvindo na minha imaginação os ruídos daquela selvagem batalha tão trágica, os gritos dos homens que se feriam ou que estavam à morte, o ruído das armas de fogo, pois já as havia, inclusive canhões, o cheiro do sangue, da fumaça, dos corpos sujos dos espanhóis europeus que temiam o banho, o ruído das botas deles conquistando espaço fortaleza acima, os corpos que eram perfurados por espadas e que caíam – era muito triste e muito profundo estar naquele lugar, o lugar do câmbio da História de um mundo, e eu tinha muito claro dentro de mim a importância daquele ponto dentro do Universo. Afastei-me dos meus colegas de passeio e da guia que só falava abobrinhas e que só faltava jurar que eram os deuses astronautas, e fui até o ponto mais alto da fortaleza, que para mim era como o lugar central das Américas. Lá, sozinha, podia sentir toda a força das Américas e dizer para elas o que era importante para mim, e o fiz. Em nenhum outro ponto do mundo se poderia falar às Américas como ali – não era à toa que aquela era a fortaleza que guardava o Umbigo do Mundo!

Um pouco adiante, em Tambomachay,o Banho do Inca, eu tive uma idéia que até agora me parece brilhante: tirei da bolsa a minha garrafa de água mineral, joguei a água mineral fora, e a enchi com a água sagrada que corre naquele lugar. Hoje, aquela água está na minha casa, cuidadosamente guardada junto com os livros e outras coisas que tenho que tratam de Arqueologia, e me sinto muito rica por tê-la. Todo esse complexo arqueológico que reúne Pisac, Qenqo, Pucapucara, etc., eu já descrevi, também, no meu livro “Entre condores e lhamas”, já citado anteriormente.

Foi nesse passeio, nesse dia, que conheci Med Natália, uma professora russa da Universidade de São Petesburgo, que lá ensinava espanhol, e que também sabia falar português com o sotaque de Portugal. Fiquei impressionadíssima por conhecê-la, parecia-me estar a conhecer alguém saído de um romance de Tolstói. Ela, por sua vez, também parecia impressionada por estar conhecendo uma escritora brasileira – pelo menos declarou tal coisa uma série de vezes. De volta ao Brasil, mandei a ela um pacote com livros meus e de outros amigos – ela me contara que na Universidade de São Petesburgo havia livros de brasileiros, sim: Machado de Assis e Érico Veríssimo. Espero que tenha recebido os que mandei.

 


[1] Cuey = um certo ratão que é iguaria no Peru. Penso que é um parente do “porquinho da Índia”, ou o próprio. (Nota da Autora)

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