Honduras: Jornalismo sob a mira de fuzil (8)

Por Larissa Cabral

Especial em 11 capítulos

Parte 8/11

Continuação do Capítulo 2: Amarras coloniais e reflexos seculares

NOVO PRESIDENTE, MESMO GOVERNO – Apesar da tentativa de diálogo entre Roberto Micheletti e Manuel Zelaya ter iniciado ainda nos primeiros meses depois do golpe, o governo interino caracterizou-se pela repressão. O contexto era desenhado pela forte pressão popular e internacional, assim como pelas restrições econômicas que essa situação impôs a Honduras. No dia 29 de novembro de 2010 foram realizadas eleições, das quais Porfírio Lobo Sosa saiu vitorioso, com 56% dos votos. As complicações econômicas, contudo, seguiram até 31 de maio de 2011, quando Honduras foi reintegrada à Organização dos Estados Americanos (OEA), com o voto contrário do Equador e o voto com reservas da Venezuela.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) hondurenho 61% do eleitorado, cerca de 2,5 milhões de votos, participou das eleições, embora a oposição afirme o contrário e acredite que tenha existido fraude. O assessor de Zelaya, por exemplo, afirmou à BBC que a abstenção chegou a 67%. O TSE alegou “falha técnica” para justificar a demora na apuração dos votos e na divulgação do resultado preliminar da votação. De acordo com a Agência EFE, até o dia 1 de dezembro de 2011, apenas 77,17% dos votos haviam sido apurados.

Pepe Lobo foi eleito presidente de Honduras com 56% dos votos, contra 38% do outro candidato, Elvin Santos. Eram 4,6 milhões de hondurenhos, 1 milhão deles residentes no exterior, aptos a votar, que deveriam escolher um presidente, três vices, 128 deputados e 298 prefeitos. “Mentiram, dizendo que foram as eleições mais votadas da história de Honduras, desafiando uma regra histórica de que o povo tem memória ruim. Durante as eleições, era possível sair na rua e não ver uma só pessoa caminhando”, conta Salgado.

O resultado prévio seria anunciado às 17h, mas isso só aconteceu por volta das dez da noite. “O que estavam fazendo? Inflando os números e Pepe Lobo sabe disso.” Para o analista, a primeira atitude do presidente, ao assumir o governo, foi tentar se livrar da “questão Zelaya” e dedicou o seu primeiro ano de mandato para conquistar a comunidade internacional. O novo presidente tomou posse no dia 27 de janeiro de 2010.

Para os Estado Unidos, seus aliados na Europa e na América, como Colômbia e Peru, as eleições iriam acabar com a crise que Honduras vivia. Contudo, até o mês de maio de 2011, Brasil, Argentina Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua são alguns dos países, que não reconhecem o governo de Pepe Lobo. “Antes havia certa inquietude sobre quem era essa pessoa que estava assumindo o governo. Atualmente, não há dúvidas de quem é Porfírio Lobo Sosa e o que ele está fazendo e já sofremos com isso”, lamenta Salgado. Para ele, a crise está muito mais profunda em comparação com o período em que o presidente assumiu.

Passado um ano após o golpe, o governo de Porfírio Lobo não conseguiu superar a forte crise econômica do país, causada principalmente pelo desemprego, baixa renda e altos impostos. Consequentemente, a população passa fome e sofre com violações aos direitos humanos, sociais e econômicos, além dos conflitos latifundiários e do narcotráfico. Politicamente, o país continua vivendo uma ditadura centenária dividida entre dois partidos majoritários: o Partido Nacional (PN) e o Liberal (PL) e a União Democrática (UD), que é de esquerda.

Nesse mesmo período, de acordo com o analista político, a repressão aumentou, estreitaram-se as relações com grupos paramilitares da Colômbia e com forças da ultra-direita da America Latina. “O primeiro ano passou sem que as duas porções da população hondurenha, divididas pós-golpe, se vissem frente a frente.” Os primeiros meses do governo de Porfírio Lobo Sosa foram dedicados muito mais às relações internacionais do que ao melhoramento da crise interna. “O governo busca manter boas relações dentro da hipocrisia da diplomacia mundial, mas as ações nesse círculo são sempre suspeitas.” Com a eleição de Pepe Lobo, os meios de comunicação tradicionais tiveram que retomar seu trabalho e o fizeram, normalmente, a partir da realidade que havia sido interrompida. Os meios alternativos é que têm uma posição reivindicadora real e que são dirigidos e organizados por grupos sociais que reivindicam seu direito de viver de maneira diferente, sem esquecer do que houve, independente de já estarem sob novo governo.

Uma das primeiras medidas do governo de Pepe Lobo foi instalar a Comisión de la Verdad y la Reconciliación, no dia 25 de fevereiro de 2010, que pretendia investigar a crise política do país, no ano anterior. A comissão, formada por cinco membros, entre eles dois estrangeiros, e coordenada pelo ex vice-presidente da Guatemala, Eduardo Stein, investigaria os acontecimentos de antes, durante e depois do golpe que derrubou Manuel Zelaya.

A formação dessa comissão foi alvo de duras críticas internas e também de outros países. A oposição defende a idéia de que a comissão serviria apenas para maquiar o que aconteceu. Como contrapartida, ela criou a Comisión de Verdad, cujo lema é “Sem verdade, não há justiça”. Ela é formada por voluntários, que crêem na causa dos direitos humanos para chegar à verdade e lutar por justiça.

Do ponto de vista do analista político Ricardo Salgado, a Comisión de la Verdad y la Reconciliación é uma criação dos EUA para arrumar uma historia que afirme que houve golpe de estado, mas que foi uma ação justa, democrática e pela defesa dos bons costumes, da religião e da família. “É um órgão completamente parcial, sem credibilidade e que tem como fonte, unicamente, assassinos e ladrões. Na penitenciária há criminosos mais decentes que eles”, indigna-se. A comissão é formada por pessoas que há muito tempo vivem do Estado e por isso o povo não tem grandes expectativas em relação às atividades dela. Essa comissão ainda conta com toda logística e estrutura do Estado hondurenho e de outros países que a apóiam, contudo, tem pouco interesse nas violações que estão acontecendo na atualidade.

TRANSFORMAÇÕES – Além de aglutinar grandes setores da comunidade hondurenha na Frente Nacional de Resistência Popular, o golpe incentivou uma efervescência cultural nunca vista em Honduras. A difusão da internet também foi um fenômeno importante, senão, determinante. “O golpe nos permitiu reconhecer uma quantidade incrível de valores. Houve uma explosão cultural muito rica, com escritores, cantores, artistas de todos os tipos”, afirma Ricardo Salgado Bonilla.

Para a artista e cantora da Resistência, Karla Lara, os meios de comunicação ainda precisam evoluir bastante, no sentido de valorizar a arte produzida pelos próprios hondurenhos. “Há uma falência muito forte nos meios de comunicação, em geral, porque há pouco apoio e pouca visão. Eles não sabem como é importante colocar a música nacional no imaginário popular.” O grupo de pessoas que faz música e arte alternativa já é grande e está aumentando, desde o golpe. A resistência é o fator que mais tem aglutinado artistas e pessoas do setor cultural, em Honduras. “Nossa música está circulando muito, ainda que por meio da pirataria. A produção cultural depois desse acontecimento cresceu consideravelmente e o consumo dela também”, comemora Karla.

A cantora salienta o papel vital, de sensibilização e convocatória, da cultura nesse período que Honduras tem vivido. “A arte, em geral, é uma forma muito bonita de se fazer propostas políticas.” Mas esse crescimento só aconteceu porque a população hondurenha quebrou o tabu de que arte é para consumo de uma elite, gente culta e estudada. O acesso a ela passou a ser um direito exigido. Nas marchas e protestos, por exemplo, frequentemente há concertos com artistas nacionais da Resistência e eles são celebrados por todos, formando uma verdadeira festa popular. A cantora ainda comemora um outro aspecto da sociedade hondurenha, que tem mudado bastante, desde o golpe: o fortalecimento da luta feminista. “A participação das mulheres tem dado visibilidade a essas questões porque estamos em muitas posições de poder, onde se tomam decisões importantes.”

Salgado lembra que em 2004, Honduras tinha apenas 1.800 sites na rede, mas que o quadro mudou muito, durante o governo de Zelaya. “O acesso a internet é muito mais difundido e a figura do computador também já não é estranha, como há seis anos”, explica. Com essa ferramenta, houve êxito comunicacional e o processo de abertura para a transmissão de idéias. Uma pesquisa realizada pelo Centro de Registro de Dominios de Honduras (NIC-HN), em maio de 2011, aponta que há 5.719 sites hondurenhos registrados. Ou seja, cresceu mais que o triplo, em quatro anos. A jornalista Diana Canales vê outras mudanças no país, pois não se conheciam muitos sociólogos e estudiosos da política estrangeira, principalmente de esquerda, que é quem vê o mundo de outra maneira, mas a rede abriu um leque de possibilidades a quem tem acesso a ela. “Ampliamos nossa visão de mundo para tentar entender algumas coisas que aconteciam aqui.”

A internet  foi  fundamental  para  a  difusão  de  informações  no  período  de  repressão e com a ajuda  dela,  os meios de comunicação  alternativos também se fortaleceram e se firmaram de vez no território hondurenho. Foi uma resposta à exigência da população, que buscava versões diferentes daquelas ouvidas nos veículos tradicionais. “Acredito que os jornalistas também se dividiram, depois do golpe. Quanto mais favoráveis à mudança, mais sofrem e mais dificuldades encontram.”

O grande diferencial desses meios alternativos é o espaço dedicado à população, onde os hondurenhos é que são protagonistas. Para o jornalista Gustavo Cardoza, rádios tradicionais como a HRN ou Radio America, dificilmente apresentam a voz de um camponês ou de uma dona de casa, mas sim de ministros, deputados, prefeitos. “Nós apresentamos o contrapeso porque o restante da população também tem opinião.” Na sua visão, as condições de trabalho para os jornalistas não mudaram nada, comparando os governos de Roberto Micheletti e Porfírio Lobo Sosa. No governo atual, há também muitas mortes, assassinatos incrementados e seletivos. “Criaram uma Secretaria de Direitos Humanos somente para preencher um requisito da comunidade internacional, pois não vemos nenhum benefício para a população hondurenha.”

Algumas práticas jornalísticas foram descobertas pelo povo de Honduras, somente depois do golpe. “Viram que muitas vezes o que ouviam nem sempre era real, que havia uma cortina, que cobria o que realmente estava acontecendo, que agiam de acordo com determinados interesses”, explica a jornalista independente Diana Canales. Para ela, a linguagem que se utiliza também é muito importante porque ajuda a construir a realidade impregnada de interesse de diversas pessoas. Ela acredita que as pessoas têm o direito de identificar sua própria realidade, viver de maneira autônoma e consciente. “Isso é impossível de ser feito se não temos as informações adequadas.” Diana vê Honduras como um país pequeno e frágil, como a maioria das nações latino-americanas, onde as políticas de Estado foram, quase sempre, decididas por organizações internacionais e por influencia de outros países.

O movimento de resistência em Honduras é fortemente representado pelos jovens. Antes, essa juventude não tinha o costume de pertencer a uma organização, fora grupos de igrejas católicas ou evangélicas, equipes de futebol ou, no máximo, uma organização campesina. Nem mesmo os grupos universitários ou de escolas tinham incidência no público e nem participação na política. “A Frente passou a agregar uma parcela de jovens que não estava em nenhum desses grupos. Ela está criando um tecido social e organizacional, onde os jovens estão incluídos”, conta Cardoza.

A deputada por Honduras no Parlamento Centro-americano e co-presidente da Eurolat, Gloria Oquelí, é forte defensora da FNRP, mas sobretudo, dos meios pacíficos e por isso, frequentemente, denuncia os casos de violações que Honduras viveu e vive até hoje. “A juventude foi a mais golpeada, mas demonstrou que não quer viver sob o comando de nenhum império. Não querem ditaduras, querem liberdade. Eles estão interados de toda a imundice, toda a porcaria e hipocrisia da política e da diplomacia e estão dizendo basta.” Ela entende que a população mudou e já é possível ver grandes transformações na sociedade. Há um processo de organização muito grande, de tomada de consciência, de formação política, educação, reencontro e liberação.

Atualmente, a FNRP passa por um momento de reflexão e tomada de decisões. A grande questão é: tornar-se ou não um partido político? “Não podemos ficar em resistência eternamente, temos que começar a dar passos, na verdade, saltos quânticos e convertê-los em uma alternativa para o povo hondurenho. Temos que seguir pressionando e lutando, mas também construir algo novo”, afirma Gloria.

Nesse processo, consultar a população, desde os setores mais marginalizados, como os garífunas, os camponeses, indígenas e outras organizações é essencial, pois, para muitos, eles são a verdadeira resistência e onde reside a força motriz desse movimento. Caso isso não seja realizado, essa grande aliança popular que se formou na Honduras pós-golpe irá se desfazer e a população seguirá fragmentada e longe das tomadas de decisão.

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Cap 1

Cap 2

Cap 3

Cap 4

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