Honduras: jornalismo sob a mira de fuzil (2)

ESPECIAL EM 11 CAPÍTULOS

Parte 2/11

Por Larissa Cabral

Continuação do capítulo Jornalistas no Alvo

EMPASTELAMENTO – “Sabíamos  que,  a  partir  daquele  momento,  o  regime nos considerava seus inimigos”, afirma o diretor-executivo  da Radio Globo, contudo, a equipe optou por continuar informando o povo hondurenho sobre o golpe e os acontecimentos decorrentes dele. No dia 29 de junho, os profissionais da rádio retomaram seu trabalho sob a condição de que não falassem sobre golpe de estado, mas sim sucessão constitucional. A exigência não foi atendida. “Quando chegamos às instalações, encontramos os computadores no chão, cabos desconectados, portas estragadas, papéis jogados, tudo desorganizado. Ficamos muito chateados, mas recomeçamos a informar”, lamenta Martínez.

Antes do episódio, a Radio Globo não era tão conhecida como atualmente. Tinha cerca de 6% de audiência em Tegucigalpa. A partir desse momento, a rádio e seus profissionais se engajaram na luta pela defesa da democracia no país. Posicionaram-se e passaram a produzir e apresentar um conteúdo diferenciado em relação aos demais meios de comunicação tradicionais, como o jornal El Heraldo e as rádios America e HRN. Essa atitude teve reconhecimento da população hondurenha e estrangeira, que buscavam informação. Logo, a popularidade da rádio aumentou exponencialmente.

No dia 29 de junho, a Radio Globo escreveu uma carta à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sediada na Costa Rica, denunciando o que havia acontecido. “Sentimo-nos muito tristes, decepcionados e com medo por terem nos negado ajuda aqui”, recorda o jornalista Rony Martínez. Ele confessa que estavam vivendo um estado de vulnerabilidade total, em que ninguém iria defendê-los. “Não podíamos chamar a polícia, os órgãos governamentais dos direitos humanos, o Ministério Público e muito menos a Corte Suprema de Justiça e, por isso, fizemos a denúncia.”

No dia 3  de julho, a Comissão concedeu medidas cautelares à Martínez, Lidieth Diaz, David Romero, Frankie Mejia, Alejandro Villatoro  e  à Radio Globo,  em geral, além de Esdras Amado Lopez, do Canal 36 – também fechado pelos militares. “Desde aí, vivemos com essa medida, que, supostamente, obriga o governo a nos dar proteção, mas, na realidade, é teoria. A prática não existe. O governo diz que não tem policiais e não pode nos dar nenhum tipo de proteção”, relata Martínez.

                  

ORIGENS – Rony Martínez tem 27 anos e nasceu em uma aldeia chamada El Porvenir #1, na zona oeste de Honduras, em Danlí, El Paraíso. É uma zona rural montanhosa, com muitos bosques. Lá não há luz elétrica e a água potável só chegou nos anos 90. Ele mudou-se para Tegucigalpa, quando tinha 15 anos, para concluir os estudos e buscar melhores condições de vida. Seus pais ainda moram nessa aldeia, onde cultivam café. A falta de recursos não deu outra opção ao jovem, senão conciliar trabalho e estudos. No começo, trabalhou para alguns chineses com carga e descarga de produtos, e mais tarde, em uma empresa de pinturas arquitetônicas.

“Conseguir trabalho em Honduras é muito difícil. Diversas vezes trabalhei apenas em troca de comida, sem saldo de dinheiro”, comenta Rony Martínez. Atualmente, a situação do desemprego é uma questão delicada em Honduras. O país tem menos de oito milhões de habitantes e, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cerca de 1,2 milhão deles estão desempregados, o que corresponde a mais de 15% da população.

O jornalista conta que, uma vez estava sem emprego e não tinha dinheiro para comer. “Apresentei-me à Força Aérea, para ser militar. Não queria isso, mas sabia que lá poderia comer e manter meus estudos. Contudo, não fiquei muito tempo, pois apanhei muito.” Sua mãe, Rosa Gloria Chávez Lobo, que tem 46 anos, lhe disse que não queria que ele fosse militar e que iria trabalhar com o que fosse para ajudá-lo. “Isso me comoveu muito. Então, saí atrás de outro emprego e depois de muita procura, consegui.”

Martínez começou a trabalhar na política com Manuel Zelaya. Ele era dirigente jovem pelo Partido Liberal na colônia Kennedy, que é uma favela, durante a campanha política do presidente deposto. Nessa função, destacou-se como mestre de cerimônias em palestras de políticos. Já na universidade, o rapaz conseguiu um trabalho no governo. Nessa época, uma amiga de David Romero Ellner convidou o jovem para ir à rádio e disse que iria falar para o diretor-executivo que o rapaz tinha uma boa voz para o ofício. “Marcamos uma reunião com ele e eu pedi uma oportunidade porque já estudava Jornalismo. Ele me disse que sim, mas que eu teria que me esforçar muito. Comecei a trabalhar na Radio Globo há mais de dois anos”, diz.

Quando ele começou nesse veículo, trabalhava ao lado de David Romero Ellner e Onán Figueroa, a segunda voz da rádio. “Nessa época, eu só falava a hora. O companheiro dizia ‘Em Notícias Radio Globo’, eu completava ‘são sete e vinte da manhã’ e David repetia o horário”, lembra com um sorriso no rosto. Martínez ficou nessa função por dois meses e com a saída de Figueroa, passou a participar mais da programação. Atualmente, o jovem jornalista vive com suas duas irmãs, a esposa, Cinthia Liliana M. Guzmán, de 22 anos e seu filho Yassir Alejandro M. Martínez, de dois anos de idade.

PERSEGUIÇÃO QUASE FATAL – Rony Martínez trabalhava há apenas sete meses na Radio Globo, quando houve o golpe de estado. Sua  esposa  recorda que, no momento  da  invasão, sua família estava  assistindo à televisão. “Logo a luz se foi, então, Rony me ligou para dizer o que estava acontecendo. Todos  em  casa  estavam muito assustados.” Nessa época, Yassir tinha apenas  três meses.  Cínthia  revela que queria sair e ir para onde estava seu companheiro, mas não podia. “Não podíamos ir às ruas porque estavam tomadas pelo Exército. Parecia o fim, uma catástrofe porque havia militares por todos os lados.”

A partir daquele momento, a rotina da família mudou drasticamente. Ficavam com a porta sempre trancada. Havia dias que, por medo, Martínez não ia dormir em casa, sempre tinha a companhia de colegas que o seguiam para dar segurança e ele dormia vestido, no caso de algo acontecer e ele ter que fugir. “Tinha noites que não dormíamos. Ficávamos pensando no que ia acontecer, amedrontados pelo que poderia acontecer conosco. Qualquer barulho que escutássemos, já nos deixava preocupados” conta Cinthia com seus grandes olhos arregalados.

Ela relata  que  seu  companheiro  constantemente  era  seguido  e  observado.  Por isso,  a família  já mudou de casa duas vezes.  Uma vez,  os  dois foram ao casamento de um amigo de Martínez, no qual ele estava como mestre de cerimônia. Cinthia viu um homem, que parou na porta e lhe chamou a atenção porque a festa era de gala, mas ele vestia jeans, tênis, boné e jaqueta.

O homem estava falando no telefone e observando tudo. Entrou, deu uma volta no salão e voltou à porta. Diante da situação estranha e ameaçadora, Cinthia e Rony decidiram voltar para casa e entraram no elevador. Havia outro homem perto dali e aquele primeiro sujeito foi em direção ao casal, fazendo sinal para que o outro viesse também, enquanto segurava a porta. “Eles entraram, mas um senhor, por sorte, entrou também. Como era de um piso ao outro, em um segundo a porta se abriu e eles ficaram olhando. Rony me disse para ficarmos no hall de entrada até que eles fossem embora”, lembra. Ele e Cinthia continuaram caminhando e os dois homens suspeitos seguiram atrás deles. Logo passaram, cruzaram a rua e um deles escondeu uma arma na cintura. Fizeram mais uma chamada, subiram na moto e se foram. Naquela noite, um amigo de Martínez acompanhou-os até a sua casa para garantir a segurança do casal.

        

 

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