Homofobia não é assunto de sala de aula, defende fundador da Escola sem Partido

Por Marcella Fernandes

Fundador do movimento Escola sem Partido, Miguel Nagib, afirma que o objetivo da proposta é acabar com abusos de professores e informar alunos sobre seus direitos.

O projeto do advogado surgiu a pedido do deputado estadual do Rio de Janeiro, Flavio Bolsonaro (PSC) e é base para o PL 7180/2014, em discussão na Câmara dos Deputados.

O texto principal altera o artigo 3º da Lei de Diretrizes Básicas da Educação (9.394/1996) e acrescenta como base do ensino o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas.”

Nagib argumenta que a base para a mudança legal é a Convenção Americana de Direitos Humanos, que no artigo artigo 12 prevê que os pais têm direito a que os filhos recebam a “educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções”.

A convenção é ratificada pelo Brasil, mas há divergências jurídicas se ela poderia ser aplicada, como propõe a Escola sem Partido, para punir um professor que trate de assuntos como a homofobia.

Atualmente a Lei de Diretrizes Básicas da Educação estabelece que o ensino deve ser ministrado com “respeito à liberdade e apreço à tolerância”. A Constituição, por sua vez, prevê o “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas” nas escolas.

De acordo com Nagib, o projeto não proíbe a discussão de assuntos como a Lava Jato, mas ele considera imprudente um professor tratar do tema em sala de aula. Homofobia e violência contra a mulher devem ser abordados por propaganda estatal e não na escola, na avaliação do advogado.

Em apresentação na Câmara, o fundador do movimento fez duras críticas à uma atividade escolar em que alunos produziram cartazes contra a homofobia.

”Se fosse comigo, católico e conservador, se eu vejo que meu filho participou de uma aula como aquela, foi levado a produzir aquele cartaz, eu processo o professor. Não penso duas vezes porque sinto que está violando o meu direito de definir qual é a formação moral dos meus filhos.”

-Miguel Nagib, ao HuffPost Brasil

Leia os principais trechos da entrevista.

HuffPost Brasil: Na prática, como seria definido o que é uma atuação do professor que pode ser considerada partidária?

Miguel Nagib: O que o professor não pode fazer em sala de aula está muito claro nos deveres do professor. Está lá que o professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover – o que é diferente de apresentar – seus próprio interesses. Puxar a sardinha, fazer campanha sindical dentro da escola. Isso porque a audiência é cativa. O aluno não pode sair da sala e deixar o professor falando sozinho. O professor não pode promover as suas própria opiniões. Tem que apresentar as coisas de maneira o mais neutra possível. A gente sabe que não existe neutralidade, mas é possível fazer um esforço para isso. O professor não pode favorecer ou prejudicar os alunos em razão das suas convicções políticas, religiosas, ideológicas. O estudante tem direito de ser avaliado por critérios exclusivamente acadêmicos. E de não ser ridicularizado, perseguido pelo professor por não compactuar da visão de mundo do professor.

Mas como funcionaria no dia a dia? Um aluno que se sentiu ofendido teria de ter uma prova?

O professor que viola o direito do aluno pode eventualmente ser processado por dano moral. Se o aluno quiser processar um professor que o destratou ou que de alguma maneira lesou um direito do estudante, ele tem todo direito de recorrer à Justiça para processar o professor e a escola. Naturalmente, o juiz vai analisar as provas. Pode ser uma gravação, testemunha de colegas, todas as provas admitidas em Direito. Inclusive deveres de escola.

Críticos do projeto argumentam que os casos de violação a direitos dos estudantes já não estão resguardados pela lei vigente.

Concordo.

Então por que sugerir essa mudança legal?

Tudo aquilo que a lei (da Escola sem Partido) estabelece já existe. O que queremos é informar o aluno, que é a parte mais fraca, que esses deveres (do professor) existem. É um projeto que prevê a colocação de um cartaz na sala de aula. O projeto explicita deveres que já existem (…) É apenas informação. É como uma placa que diz ‘proibido fumar’.

Mas pode abrir brechas para novas interpretações jurídicas.

Pode. Mas por exemplo, o professor não pode prejudicar o aluno. Esse direito existe? Existe. Agora caso a caso, ou o dono ou diretor da escola vai abrir uma pequena investigação. O professor estava certo e o aluno não gostou da resposta? Ele procura um advogado. Tudo isso pode acontecer. As portas da Justiça estão abertas (…) E o projeto não faz distinção de credo, de ideologia, de partido. Ele simplesmente diz ‘o estudante tem o direito de ser respeitado nas suas convicções’.

No projeto, o senhor fala em apresentar de forma isenta sobre os temas em sala de aula. O professor poderia abordar, portanto, assuntos ligados à esfera política?

Sem dúvidas. Com certeza.

O senhor não é a favor então que não se fale de Operação Lava Jato na escola?

Eu acho imprudente. Na minha opinião pessoal. Mas não é isso que o projeto diz. Eu acho que o professor que entrar nesse campo vai estar sendo imprudente porque vai estar falando de processos que nem terminaram (…) Seria uma precipitação do professor entrar na análise dessas questões. Eu, como professor, não faria isso, mas o projeto não proíbe que ele faça. Só tem que apresentar os outros lados. O problema é que não existe nem bibliografia a respeito. Quantos livros o professor terá estudado para falar a respeito?

Muitas escolas, para tentar aproximar alunos, trazem assuntos do dia a dia.

É sempre arriscado que se faça isso. O projeto não proíbe de fato. Eu acho uma imprudência, uma leviandade do professor falar de um tema sobre o qual não existe uma bibliografia estabelecida (…) Se o professor vai falar sobre o golpe de 1964, ou sobre a revolução de 1964, já é uma coisa que tem uma certa perspectiva histórica e bibliografia. Aí o professor tem base para falar.

O senhor mostrou cartazes de um trabalho sobre homofobia. Em que medida assuntos que têm a ver com religião, mas também têm a ver com direitos humanos, poderiam ser afetados pelo projeto?

Vou citar o artigo 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Não é direitos humanos no sentido popular. Estou falando de uma norma legal, aprovada em um tratado internacional e que diz que os pais têm direito que seus filhos recebam a educação religiosa e moral de acordo com as próprias convicções. Este direito humano tem de ser respeitado. O professor começa a falar de assuntos que invadem esse direito dos pais.

Falar de violência contra mulher em sala de aula no quinto país em que mais se mata mulher não deve ser feito então?

Isso pode ser feito respeitando a liberdade de consciência e crença do aluno e o direito dos pais sobre educação religiosa e moral dos filhos. Na sala de aula é muito difícil fazer isso porque a presença do aluno é obrigatória. O Estado pode fazer uma política contra homofobia usando os meios de comunicação. O Estado tem uma verba bilionária para isso. Ele vai fazer propaganda na televisão porque ninguém é obrigado a assistir essas propagandas. Na sala de aula é diferente porque o pai é obrigado a colocar o filho na escola.

Mesmo pensando do ponto de vista de que falar desses assuntos são uma política pública para evitar crimes?

Faz isso na televisão.

Não é assunto de sala de aula?

Vai violar o direito dos pais. Os professores que fizerem isso estão se expondo ao risco de levar um processo. E as escolas também, com base no artigo 12, item IV da Convenção Americana de Direitos Humanos. Já é lei isso no Brasil. Não é o nosso projeto que está transformando isso em lei. A convenção é expressa ao tratar da educação religiosa e moral.

Mas quem define o que é educação moral na escola? Pode-se falar de crime sem se falar de moralidade.

Por exemplo, o cartaz de uma menina dando beijo na boca de outra menina. Você mostra e vai naturalizando o comportamento homossexual. Se a escola está fazendo isso, viola o direito do pai.

Depende então da interpretação da escola ou de um juiz?

Em última análise vai depender da interpretação de um juiz, se o pai resolver processar. Mas antes vai depender da interpretação do pai. Se ele não gostar vai processar o professor ou a escola (…) Se fosse comigo, católico e conservador, se eu vejo que meu filho participou de uma aula como aquela, foi levado a produzir aquele cartaz, eu processo o professor. Não penso duas vezes porque sinto que está violando o meu direito de definir qual é a formação moral dos meus filhos.

Como essa proposta se aplicaria a escolas de ensino religioso?

A escola de ensino religioso é particular e as particulares têm liberdade para contratar com as famílias o que elas quiserem. Se você é liberal, não tem religião e quer matricular seu filho numa escola moderna, que promove esse tipo de conhecimento sobre homofobia, você matricula e autoriza a escola (…) Você tem liberdade para assinar um contrato e a escola está amparada pela sua decisão. Na escola particular isso pode acontecer. Na escola pública não pode porque não tem contrato. Ela é obrigada a oferecer o mesmo serviço para toda população.

Mas as diretrizes básicas da Educação se aplicam também às escolas particulares.

As diretrizes não são impositivas. São recomendações (…) A escola pública, mesmo autorizada por essas diretrizes, o professor vai tomar um processo. Eu quero saber da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. É uma questão de hierarquia legal. A Convenção só está abaixo da Constituição Federal.

Críticos ao projeto dizem que ele promove uma polarização do discurso de direita e de esquerda. Excluir alguns conteúdos do debate nas escolas não pode agravar esse ambiente de intolerância?

Os únicos conteúdos que serão excluídos são os religiosos e morais. Todo resto pode falar.

Mas eles têm uma transversalidade com temas de políticas públicas.

Aí você tem um limite. O limite é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (…) E também o princípio da laicidade do Estado. A religião não é só rito, dogma e narrativa. Também tem moralidade. Se o Estado deve ser neutro, então não pode promover uma moralidade ou uma política pública que seja hostil a uma determinada religião porque estaria deixando de ser neutro a uma determinada religião.

O projeto surgiu de uma conversa com o deputado estadual Flavio Bolsonaro. Não é contraditório a Escola sem Partido ter surgido de um político?

De maneira nenhuma. O que estamos fazendo é o que a Constituição já estabelece. Os políticos têm um grande interesse nessa matéria. Tanto os que estão lucrando com a doutrinação quanto os que estão perdendo com ela (…) Isso causa um desequilíbrio na democracia. A máquina do Estado está sendo usada para favorecer um grupo que disputa o poder e para prejudicar o outro. Então é muito natural e sintomático que essa ideia tenha partido do filho do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que é o político brasileiro mais difamado nas escolas de todo o País.

Foto: Montagem/Agência Câmara/Agência Brasil

Fonte: Huff Post Brasil

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