Hoje eu só quero falar do gatinho Branco

Cantinho improvisado para Branco enquanto arrumávamos uma cama confortável e tentava contato com veterinário!

Por Elissandro Santana, para Desacato.info.

Não trago nenhuma notícia sobre a bolsa de valores, a economia, a política ou outra questão nesta linha. A outra reflexão de hoje é de entalo, escrita à base de muito choro e de dor. É sobre um gatinho envenenado por algum vagante em forma de ser humano nas imediações de minha rua e bairro aqui em Porto Seguro.

A reflexão nesta quarta seria outra, mas como sou movido às ocorrências diárias e a que aconteceu com Branco é mais que séria e desumana, vim aqui discorrer sobre maus-tratos, abandono, desprezo à vida e necessidades dos animais, estes seres maravilhas que embelezam a existência.  

Tudo isso faz parte de uma cultura insustentável que atravessa vários segmentos sociais, posições econômicas, etnias e credos, fruto de um pensamento antropocêntrico e de crenças não ecológicas construídas há milênios que perduram nos imaginários sociais até hoje. Daí a urgência de superação do modus operandi mental societário ancorado no homem como centro para se galgar a uma ética biocêntrica, ou seja, para a plenitude da vida em que todos os seres, sejam racionais ou não, tenham assegurados o direito à existência.

Voltando a Branco, cheguei até ele por Henrique, outro ser que, igual a mim, tem coração Raimundo, nele cabendo todas as dores do mundo (sentido que tomo emprestado de Drummond), um canceriano que cresceu defendendo os animais lá pelas bandas de Maceió nas Alagoas.

Era fim de tarde e ele voltava da lida pedagógica, quando se deparou com a cena de desespero, um moribundo felino, em pé, com a cabeça prostrada, quase tocando o chão, se entregando, suplicando pela vida. Chegando aqui em casa, correu para o quarto do acúmulo felino, pegou uma casinha de transporte felino e só me pediu que o acompanhasse. Chegando ao local, olhamos para um lado e para o outro, para muitos, na verdade, até que, embaixo de um carro, jazia Branco, apagado e meio sem vida. Aproximamo-nos dele; estava teso; naquele momento um suspiro saiu de nossos peitos, desses que rasgam a alma. Em seguida, Henrique resolveu tocá-lo, mas o corpinho estava gélido e endurecido. Tocou uma, duas, três vezes, alisou o peito e ele respirou; fraco, mas respirou.

Como já vimos vários gatos morrerem por envenenamento, nem precisamos da opinião de um especialista, pelo menos não naquele instante, para corroborarmos o que estávamos presenciando. Após o pequeno suspiro, pensamos que mesmo sem chances de sobrevivência, deveríamos levá-lo conosco, procurar uma clínica e trazê-lo para nosso recôndito lar, para que em seu último instante de vida, fizesse a passagem dentro de um lar acompanhado de outros amiguinhos da espécie e de nosso amor, para que não morresse no abandono, mas querido e protegido por um teto.

Duas horas após, depois de toda a medicação e cuidados, abriu os olhos e chorou. Num primeiro momento não nos reconheceu, mas, meia hora depois, ao abrir os olhos mais uma vez, para fechá-los em seguida, em suspiros cada vez mais lentos, fitou-nos como que agradecendo, como que adorando, como se fôssemos gatos gigantes de amor, diferentes do ser gigante em formato de gente, só que lotado de ódio e desrespeito, que o violentou e mudou o curso de sua vida. Não sei se acordou para se despedir de nós, mas que trouxe uma pitada de esperança trouxe!

Enfim, o moleque de olhos azuis e verdes, olhos ímpares, magrelo, mesmo envenenado e morrendo de dor, no leve abrir e fechar de olhos, agora à noite, após acordar pela segunda vez, fez nossas almas tremerem, dançarem com a esperança em meio a este mundo lotado de tantas pessoas errantes lotadas de racismo, de machismo, de homofobia e de tantas outras facetas da maldade nesse imenso Brasil cada vez mais dominado pela ótica do fascismo e da intolerância.

À guisa de conclusão, é importante salientar que o que aconteceu com Branco (nome que demos devido ao fato de ele ser quase todo branco com apenas uma marca em formato de borboleta na parte de cima da cabeça, uma espécie de adorno natural de beleza separando as duas orelhas) sucede em todo o Brasil e mundo. O caso de Branco não é isolado tanto que, neste instante, sem dúvida, infelizmente, algum outro animal deve estar sendo violentado por algum bicho homem!

Ah, antes de ir-me, preciso mencionar algo, alguém cuja cara não me lembro, tamanho o desespero da situação, no momento em que tentávamos livrar o triste branquinho, mencionou para a pessoa que o acompanhava, de forma audível, o seguinte: “dois veados tentando salvar o gato”… Mas esta análise fica para outra hora. Por agora, o que importa é Branco!

 

[avatar user=”Elissandro Santana” size=”thumbnail” align=”left” link=”attachment” target=”_blank” /]Elissandro Santana é professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.

4 COMENTÁRIOS

    • Muito bem merecido.
      Branco teve a sorte de ser socorrido e acolhido por dois “veados” que, ao contrário de muitos seres desprezíveis, chamados de humanos, não passam de monstros, se é que um monstro consegue ser tão má.

      • Marta, como temos dez aqui em casa, assim que Branquinho estiver bem, farei campanha de adoção, ainda que corte meu coração me afastar dele, pois a história desse moleque me marca muito e queria me agarrar a ele pra sempre. Se não encontrar nenhuma alma muito especial para ficar com ele, e tem que ser muito especial mesmo, claro que ficaremos com ele, mas seria maravilhoso se algum anjo o adotasse e desse todo amor do mundo a esse ser de poesia, pois quero qualidade de vida para ele em um espaço amplo! Aqui em casa, como já temos dez, ele sofreria um pouco, mas, como disse, o coração o cabe, portanto, se não encontrar nenhum ser de luz, ele nem daqui sai e buscamos meios dos outros felinos o aceitarem aos poucos, como sempre temos feito. Precisa ver o olhar dele de amor sempre que aplicando remédio, alimentando e fazendo carinho! Estou super apaixonado!

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