Haiti, esse desconhecido. Por Elaine Tavares

Por Elaine Tavares.

A notícia do assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, levantou uma série de dúvidas por parte dos brasileiros. Quem era esse presidente? Era de esquerda? O que houve foi um golpe? Vamos apontar aqui alguns elementos para tentar compreender o que se passa no Haiti.

Primeiro sempre é bom lembrar que o Haiti foi a primeira nação negra da história nessa região de Abya Yala (as três Américas), conquistada dos invasores franceses em 1801. Esse feito foi protagonizado por uma revolução dos negros escravizados que viviam na ilha, sob a liderança de Toussaint Loverture e Jean Jacques Dessalines. Os haitianos colocaram para correr o exército de Napoleão, então considerado imbatível, uma humilhação para  os franceses. Naqueles dias o país também ficou sob a mira dos Estados Unidos que o via como um câncer na região, tanto que a partir de 1804 foi decretado um bloqueio comercial contra a ilha, que durou 60 anos. Ou seja, essa já é uma prática velha por parte dos EUA.

Depois da vitoriosa revolução o Haiti foi um dos países mais importantes da região do Caribe, e tanto que em 1815 o então presidente Alexandre Petion recebeu Simón Bolivar e deu a ele os barcos, homens e armas que iriam garantir o retorno de Bolívar à Venezuela para a vitória da independência de quase toda a América do Sul. Sua condição era de que, libertada a América, Bolívar libertasse os escravizados. Sem o Haiti toda a história teria sido outra.

Desde aí o Haiti virou um inimigo a ser combatido pelos países dominantes. E em 1825 o então presidente Jean- Pierre Boyer se rendeu a uma imposição da França que exigia pagamento como indenização do ex-colonos mortos ou expulsos pela revolução. Com medo de ser invadido, Boyer assinou o documento que deu início à cobrança de uma dívida exorbitante, na verdade, nunca quitada, visto que somava juros sobre juros. Boyer defraudava a luta dos haitianos e vem daí a gênese da pobreza estrutural do país.

Depois dessa capitulação a vida dos haitianos nunca mais foi a a mesma, com a sucessão de governos títeres, até que em 1915 os Estados Unidos invadiram o país sob o pretexto de preservar os seus interesses. Essa tutela se estendeu por anos até que chegou a ditadura dos Duvallier, pai e filho, que mergulhou o país em violência e terror. Importante registrar que essas ditaduras foram apoiadas pelos EUA.

Em 1990 um padre, ligado à teologia da libertação, Jean Bertrand Aristide, é eleito presidente, prometendo colocar fim no tempo de turbulência, mas não conseguiu. Foi deposto por um golpe e procurou ajuda dos Estados Unidos. Depois de vários acordos ele retorna sob a proteção dos marines. Outros governos passam e em 2000 quando há nova eleição, Jean Aristide vence, mas começam a denunciar que a vitória foi fraude. A crise se aprofundou e em 2004  Aristide é deposto e sequestrado do Haiti por militares estadunidenses. O padre já não era mais considerado um bom aliado pelos EUA.

E foi aí que começou mais uma invasão ao país, desta vez sob o manto das “tropas de paz”, inclusive comandadas pelo Brasil. A população do Haiti iria mais uma vez viver sob o signo da violência e do terror.

As eleições foram retomadas em 2010, mas sempre com a supervisão dos Estados Unidos, para evitar que qualquer força antimperialista pudesse assomar. E assim, de chefe em chefe de governo chegamos a Jovenel Moïse, um representante da ultradireita. Eleito em 2016, assumiu em 2017, e fez um governo conturbado tanto quanto seus antecessores. Agora em fevereiro de 2021 seu mandato estava terminado. Mas ele já havia movido os pauzinhos para ficar no poder. Em 2020 dissolveu o Congresso e desde aí governava por decreto. Não cumpriu com a Constituição que o obrigava a chamar eleições. Prorrogou seu mandato e governava com mão dura usando diversos grupos armados – milicianos  – como apoiadores. Esses grupos promoveram massacres e expulsões de famílias em vários bairros bem como assassinatos cirúrgicos dos chamados inimigos de Jovenel.

Apesar de tudo isso os Estados Unidos seguiam apoiando seu governo e nenhuma campanha midiática foi criada para dizer que ele era um ditador ou criminoso. Isso porque ele atendia aos interesses dos EUA, principalmente no que diz respeito a manter a vigilância sobre a Venezuela, cujo território fica em frente ao Haiti. Geopoliticamente o país é estratégico para o império.

O crime que tirou a vida de Jovenel, claramente uma ação de profissionais da morte, ainda está por se esclarecer. Quem afinal organizou o atentado e qual a intenção? Os EUA ou algum inimigo interno?  O primeiro-ministro Claude Joseph, que rapidamente se colocou como um possível presidente interino, já de saída está burlando a Constituição. O certo seria imediatamente chamar eleições gerais para que a população pudesse se organizar e se manifestar. Ainda que o tecido político esteja totalmente roto, justamente por conta das ações autocráticas do presidente morto, há forças internas capazes de atuar.

De qualquer forma, o que já se configura é mais uma vez a velha política de intervenção por parte dos Estados Unidos, que obviamente não quer perder o controle do país. Aliado a isso pode começar nova onda de “campanhas humanitárias” que, como sabemos, desde 2004, só tem feito enriquecer os empresários de ONGs fajutas e políticos corruptos, mantendo a população em situação de miséria e desespero. Se fosse feita uma conta para somar toda a ajuda que tem sido canalizada para o Haiti desde a invasão do seu território em 2004, certamente daria para construir uns 10 Haitis e ainda sobraria. Onde foi parar esse dinheiro? Por que os países que sustentaram a Minustah nunca prestaram contas dessas doações e nunca a mídia comercial burguesa questionou isso? São perguntas retóricas, claro. A guerra ou a tática do desastre serve para isso mesmo: para engordar a conta dos senhores da guerra. Nada mais. Se para isso for necessário destruir um país e um povo inteiro, que seja.

Assim que o assassinato de Jovenel deve estar vinculado a lutas intestinas dos grupos dominantes – seja no Haiti ou nos EUA. Fosse um justiçamento popular por conta de sua política de terror, não teria tido esse perfil tão profissional.

Enfim, em algum momento a verdade virá à tona.

Agora é hora de ficarmos do lado do povo do Haiti e esperar que a população possa encontrar caminhos em meio ao caos, que superem a dominação imperial e que garantam soberania e independência.

Elaine Tavares é jornalista do IELA, da Rádio Campeche e é colunista do Portal Desacato.

 

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