Grupo de WhatsApp: a nova caverna de Platão

Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

Por Francisco Fernandes Ladeira.

Em seu livro Diálogos, Platão apresenta o chamado “mito da caverna” como uma maneira de ilustrar a ignorância humana frente à existência. Nessa narrativa, um grupo de seres humanos vivia acorrentado em uma caverna, sendo que as únicas impressões que obtinham sobre o mundo exterior eram as sombras das pessoas que transitavam pelo entorno. Sendo assim, acreditavam que as sombras que observavam era a própria “realidade”. Certa vez, um desses indivíduos conseguiu sair da caverna. Ao retornar, informou aos demais que a realidade exterior era bastante diferente do que pensavam. No entanto, ele foi desacreditado pelos seus companheiros, que seguiram ingenuamente apegados às suas verdades sensitivas.

Séculos depois da clássica alegoria platônica, podemos afirmar que determinados grupos criados no WhatsApp se constituem em espécies de cavernas de Platão contemporâneas. Lá também seus membros possuem as suas próprias verdades convenientes. O apego à ignorância e o receio de rever convicções são os mesmos de outrora. A diferença é que, atualmente, as antigas sombras agora são conhecidas como fake news.

Lembrando o pensamento de Nietzsche, os membros de grupos de WhatsApp estão mais preocupados em “crer” na verdade do que propriamente com a “legitimidade” da verdade. Desde que uma determinada informação seja condizente com suas ideias, automaticamente será compartilhada nas redes sociais, independentemente de sua veracidade (aliás, isso é o que menos importa). Trata-se da prática designada por psicólogos como “viés da confirmação”: não se recorre a uma publicação para formar opiniões; mas para reforçar argumentos. As correntes que prendiam os membros da caverna na alegoria platônica foram substituídas por aparelhos celulares.

Portanto, a Terra é plana. O nazismo não é de extrema-direita. Leonardo DiCaprio está financiando queimadas na Amazônia. O kit gay foi distribuído em escolas na época de governos petistas. Não houve ditadura militar no Brasil. A Teoria da Evolução é “cientificismo”. A “ideologia de gênero” é ensinada em sala de aula por professores adeptos do “marxismo cultural”. A Rede Globo é “comunista”, pois faz críticas ao comportamento do “mito”. E o Oscar (a premiação do cinema estadunidense) é uma estratégia da esquerda para “dominar a educação e a cultura”.

O indivíduo que questionar as postagens publicadas no WhatsApp, ou que propuser uma análise mais crítica sobre os fatos, não é apenas desacreditado (como foi o exemplo da caverna platônica). Ele é excluído do grupo, achincalhado nas redes sociais, caluniado e, não raro, pode ser alvo de violência física.

Desse modo, a evolução dos meios comunicação, responsável pela difusão de conhecimentos em larga escala, também trouxe, como efeito colateral, a possibilidade de formação de novas bolhas ideológicas que permanecem presas a preconceitos e falsificações históricas e científicas. Os grilhões da ignorância insistem em nos rodear: seja na Grécia Antiga, seja no Brasil deste início de século XXI. Platão ficaria surpreso com tamanho culto à estupidez.

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