Greve e intervenção militar: uma conta que não fecha

 

Polícia do Exército reforça segurança no entorno de refinaria no Rio. Foto Tânia Rego/Agência Brasil

Por Giselle Zambiazzi, para Desacato.info

Desde o início da greve dos caminhoneiros, no dia 18 de maio, inúmeras foram as conjeturas divulgadas. Entre as mais frequentes, estão as de que a greve se trata de uma manipulação patronal, que Brasil estaria revivendo o que ocorreu no Chile em 1973 e que tudo não passaria de ações orquestradas para conduzir a um golpe militar ou que, no mínimo, os militares estariam apenas trabalhando pelo apoio popular para tomar o lugar de Temer com mais tranquilidade. No entanto, os dados mostram que essas análises podem estar redondamente equivocadas.

Chile

Em 1973, o Chile enfrentou uma greve nacional de caminhoneiros que parou o país por 26 dias. O resultado foi um golpe militar que implantou uma ditadura. Na época, o presidente era Salvador Allende, um marxista convicto que foi conduzido ao poder por organizações populares de esquerda socialista. E aqui já começa a primeira grande diferença com o Chile de 1972. “É inclusive ofensivo comparar Temer com Allende”, afirma o historiador Gilson Henrique Moura Júnior, mestrando em História pela Universidade Federal de Pelotas (RS).

Allende tinha uma política completamente oposta à de Temer. Ampliava direitos sociais e propunha reformas profundas, como a agrária. “Era 1973 e toda a América Latina estava sob intervenção militar junto com os EUA para evitar o avanço da esquerda em plena Guerra Fria. Temer é total pró-EUA. Derrubá-lo não iria ser nada pró-EUA. Ao contrário, talvez acirrasse um ‘volta Lula’”, avalia Moura Júnior.

Locaute: é ou não é?

Ainda de acordo com a análise do historiador, a mobilização começou, sim, com características de locaute, que é, em linhas gerais, uma greve comandada por patrões, mas o peso dos autônomos não permitiu que fosse completamente locaute e avançou para uma greve da categoria. “Os empresários queriam apenas a redução dos impostos sobre os combustíveis. Empresários esses que usam o caos para ampliar lucros”, complementa. “Mas, hoje, a greve em si é dos caminhoneiros por direitos que eles entendem como seus”.

O movimento, que pegou a todos de surpresa, não demorou para sair do controle patronal e a paralisação, a despeito das orientações dos donos de transportadoras, não cedeu. “E ganhou tanto o apoio da direita quanto da esquerda. Mas a direita só tem um argumento: impostos. Já a esquerda diz que os impostos são o problema, mas porque pressionam o consumo e não a renda e o lucro. E o preço do combustível está relacionado à administração da Petrobrás”, explica Moura Júnior.

A análise de dados de Fábio Malini, que coordena o Laboratório de Estudos sobre Internet e Cultura na Universidade do Espírito Santo, demonstra que ainda não há uma apropriação do movimento. Ao observar as reações na rede, levantando o posicionamento de hashtags como #EuApoioAGrevedosCaminhoneiros, observa-se que ainda não há uma polarização. Segundo ele, são perfis tanto à esquerda quanto à direita sem nenhum grupo no comando. “O que sempre, para mim, é marca de apoio popular” publicou em seu Twitter.

Intervenção Militar

Tanto na análise de especialistas como na declaração dos próprios militares, essa possibilidade se mostra bastante remota para o Brasil atual. “Pedir intervenção militar é coisa da direita e isso eles pedirão sempre. Houve uma perda de vergonha na cara nos últimos anos com isso, mas não vejo sequer um ganho real de corpo apoiando”, afirma Moura Júnior. “Se os milicos quisessem dar um golpe, dariam, mas não têm vontade nem estrutura para isso”, complementa.

A afirmação encontra eco nas falas dos próprios militares. Nem mesmo Bolsonaro admite a possibilidade de uma intervenção militar e afirmou em uma entrevista a José Luiz Datena em abril deste ano, que as chances são próximas de zero. https://www.youtube.com/watch?v=e1gSZl7LJ-k

Talvez a opinião dele seja irrelevante, porém, militares da ativa e do alto escalão não se pronunciam de maneira diferente. Em abril, o comandante do Exército Eduardo Villas Boas causou furor ao publicar dois tweets sugerindo que as Forças Armadas poderiam intervir no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula no STF.

Já na ocasião, o comandante da Aeronáutica, Nivaldo Luiz Rossato, afirmou publicamente que o papel hoje das Forças Armadas é respeitar e garantir o respeito à Constituição e às instituições e que uma intervenção militar seria um retrocesso.

Antes disso, no final do ano passado, em entrevista ao jornal Estado de Minas, Rossato deixou claro que as Forças Armadas sequer têm estrutura para dar e manter um golpe de estado. Cortes no orçamento as atingiram em cheio. Hoje, a Aeronáutica sequer tem aviões e pilotos suficientes para proteger o território nacional. Nem mesmo as fronteiras, os órgãos ambientais e áreas como a Amazônia contam mais com a mesma atenção.

Dessa vez, Villas Boas tem sido bem mais comedido nos seus tweets, que direcionam sempre para o diálogo e a “negociação até a exaustão”, como ele mesmo escreveu.

Setores menores das Forças Armadas têm soltado notas no mesmo sentido, como é o caso do Comando Militar do Sul, por exemplo. “Quem quer dar golpe não dialoga”, sentencia Moura Júnior.

A Força Nacional também se pronunciou neste domingo, 27. Carlos Alberto dos Santos Cruz, general responsável pelo órgão, disse que tem um efetivo pequeno para atuar na desobstrução das rodovias e que as Forças Armadas não irão desmobilizar a paralisação. http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-05/general-diz-que-nao-ha-risco-de-militares-cometerem-erros E, no dia em que Temer anunciou o uso das forças federais para debelar a greve, houve um mal-estar dentro do governo: os militares não têm combustível para cumprir as ordens. https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2018/05/25/nos-bastidores-militares-demonstram-preocupacao-com-estoque-de-combustivel-para-atuar-contra-grevistas.ghtml

Conjunturas

Gilson Moura Henrique Júnior lembra de alguns detalhes importantes para além da falta de estrutura das forças armadas brasileiras. Para ele, esses pedidos que abundam por intervenção militar nada mais são do que uma reação conservadora a setores da sociedade que vêm se fortalecendo cada vez mais, a exemplo dos movimentos identitários de mulheres, negros, LGBTs, MST, MTST, e muitos outros. “Eles ameaçam muito mais o status quo do que partidos. Isso estimula discursos conservadores. A morte de Marielle (vereadora do PSOL assassinada no Rio de Janeiro) deixou claro que há um contingente enorme da esquerda ou passível de ser ganho pela esquerda. Uma ditadura tem que ter mais do que malucos pedindo. Tem que ter uma estrutura que garanta a permanência no poder e isso perpassa apoio econômico, o que não tem como haver porque há cláusulas democráticas nos acordos comerciais que o país assinou do Mercosul aos BRICS. A União Europeia romperia na hora com o Brasil”, explica o historiador, lembrando inclusive da reação imediata da Europa quando Marielle foi assassinada, com ameaça de sanções ao Brasil.

Por fim, a Associação Brasileira de Caminhoneiros (ABCAM) soltou uma nota neste domingo, 27, https://www.facebook.com/abcambrasil/ a respeito das faixas e pedidos via whatsapp por intervenção militar, se posicionando contrária a esse discurso, esclarecendo que esse é um pedido equivocado e que na prática tem um efeito contrário ao movimento.

 

1 COMENTÁRIO

  1. A direita não tem candidatos viáveis nas eleições! Intervenção militar pode ser a única saída para eles sim. Não imediatamente, não para hoje, mas vão se apresentando como opção e criando um clima favorável . Eles estão se articulando… Democracia sempre!

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