Grécia: Chegou a hora!

Grécia-Atenas-cena de rua-by-STMTSPor Stathis Kouvelakis.*
A decisão do governo do Syriza de transferir todos os fundos disponíveis do setor público para o Banco da Grécia marca um momento de virada política. O movimento de alto risco expõe, do modo mais claro possível, o modo como a situação modificou-se nos últimos dois meses e meio desde o acordo de fevereiro.

Naquele momento, o argumento que apareceu a favor daquele acordo foi que assim se “ganhava tempo”, não importava a que doloroso preço, porque assim se prepararia o terreno para negociações chaves no verão.

O que se dizia era que, por um período de quatro meses, o Banco Central Europeu faria uma pausa na tortura que vinha impondo à economia grega desde 5/2/2015, quando decidiu extinguir o mais importante mecanismo para financiar os bancos gregos. Como já todos reconhecem hoje, o governo foi arrastado a assinar um acordo não equitativo, sob a pressão de um fluxo acelerado de saques e a ameaça de colapso dos bancos.

Agora, com os cofres públicos sendo esvaziados para impedir a suspensão dos pagamentos do serviço da dívida e o cumprimento de inescapável obrigações do estado, é evidente que o único tempo que se obteve trabalha a favor das instituições europeias, e que o lado grego está exposto a chantagem que se intensifica à medida que as posições gregas deterioram-se.

O clima sem precedentes de beligerância na reunião do Eurogrupo em Riga, com o Ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis escarnecido e ridicularizado pelos seus contrapartes (até pelos ministros de países com o peso de Eslováquia ou Eslovênia) mostra com suficiente clareza quanta humilhação o governo teve de engolir durante os últimos dois meses.

Por trás do erro

Em declaração importante dia 23/4/2015, o Vice-Ministro responsável por relações econômicas internacionais, que substituíra Varoufakis no comando da equipe grega de negociações, Euclid Tsakalotos, disse que:

Quando apusemos nossa assinatura no acordo de 20/2/2015, cometemos o erro de não assegurar que esse acordo seria um sinal para o Banco Europeu, para começar a contagem regressiva rumo à liquidez. 

Mas esse “erro” não tem a ver com algum aspecto secundário: tem a ver com o ponto central do acordo. Há uma razão específica para isso, e essa razão é de caráter político, não técnico.
O lado grego não levou em conta o que era óbvio desde o início, a saber, que o Banco Central Europeu e a União Europeia não permaneceriam sentados girando os polegares ao se verem enfrentados por um governo da esquerda radical. A maior arma no arsenal deles é a liquidez e era completamente lógico e previsível que eles recorressem àquela arma imediatamente. E naturalmente os credores têm toda a razão para continuar “apertando o nó” (como diz o Primeiro-Ministro Alexis Tsipras) até terem forçado o lado grego à total capitulação.

Dito de modo diferente, se com o acordo de 20/2/2015 os financiadores tivessem concordado com “garantir liquidez”, se tivessem desconectado a provisão de liquidez e os específicos planos de austeridade que eles buscam impor, eles estariam, simplesmente, se autoprivando dos melhores meios que tinham à disposição deles, para pressionar. Que Tsakalotos acreditasse que fariam tal coisa faz prova de extrema ingenuidade política, particularmente quando um grande setor do próprio partido dele vinha alertando, desde o início, sobre a inevitabilidade desse desenvolvimento.

Assim sendo, o “erro” resulta de uma hipótese de trabalho fundamentalmente errada, sobre a qual se baseou, desde o início, a estratégia do governo: que “no final chegaremos a um acordo com os credores”, o que permitiria que o Syriza implementasse seu programa, sem ter de sair da Eurozona. Essa é a lógica viciosa do “europeísmo de esquerda”.

E agora? Acontece o quê?

Por mais que a expressão tenha sido usada e abusada, não encontramos melhor meio para descrever a situação atual do país, senão dizer que a Grécia “está por um fio”.

Com o método e o conteúdo da legislação sobre transferência de fundos, o governo vê-se numa situação muito difícil, não só financeiramente, como também politicamente. As precondições podem ter começado a ser criadas, na Grécia, para panelaços, manifestações preferidas das oposições reacionárias e patrocinadas do exterior, sempre que trabalham para derrubar governos de esquerda nos países latino-americanos.

A única via para escapar do confinamento na gaiola dos Memorandos e do descarrilamento do projeto do governo, implica ativar a mobilização popular, recapturando o clima combativo e esperançoso que predominava antes do acordo de 20/2/2015.

Não é tarde demais. Agora é precisamente o momento para falar clara e diretamente, o único falar que pode causar impacto e ativar a população, precisamente porque falar clara e diretamente é tratar o povo com o merecido respeito, como adultos e agentes, todos, do próprio destino.

O que está em jogo na Grécia é a possibilidade de mudança radical e a abertura de uma rota rumo a uma virada política, para emancipação do povo grego, dos trabalhadores; mas está em jogo na Grécia, também, o futuro dos trabalhadores por toda a Europa.

O medo do Grexit não pode continuar por mais tempo a nos paralisar. Chegou a hora de esclarecer, para começar, que, sejam quais forem os fundos agora canalizados para os cofres públicos nos termos da nova lei, é dinheiro “marcado” para cobrir necessidades públicas e sociais; não é dinheiro para pagar credores.

Chegou a hora de pôr fim à conversa soporífica de “as negociações vão bem” e “o acordo está próximo”.

Chegou a hora de pôr fim imediatamente às referências surreais a “soluções benéficas para todos” e a “parceiros” com os quais seríamos “proprietários solidários, da União Europeia”.

Chegou a hora de revelar à opinião pública grega e internacional os dados que exponham a guerra sem trégua que está sendo feita contra o governo do Syriza.

E é hora, principalmente, de se preparar, afinal, politicamente, tecnicamente e culturalmente para a única solução honrosa: a separação para bem longe de toda essa implacável escória neoliberal.

Chegou a hora de tornar concreto o conteúdo, e explicar a viabilidade, da proposta alternativa, a começar pela iniciativa em dois passos de suspender pagamentos aos credores e nacionalizar os bancos, progredindo, se necessário, para escolher uma moeda nacional, aprovada pelos cidadãos mediante referendo popular.

Chegou a hora de pensar com seriedade, mas também com decisão e firmeza. Em momentos como esse, desastre e redenção estão bem próximos, lado a lado.

Chegou a hora de a Grécia defender-se e responder.

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 [*] Stathis Kouvelakis ensina Teoria Política no King’s College London e é membro do Comitê Central da Syriza. Obteve Mestrado e Doutorado em Filosofia pela Universidade de Paris 10 e Doutorado em Filosofia Política pela Universidade de Paris 8. Foi professor na Universidade de Paris 8 e bolsista de investigação na Universidade de Wolverhampton, antes de começar a lecionar no King’s College em setembro de 2003 onde está até hoje.
Seus principais interesses de pesquisa estão nos estudos sobre Marx, Filosofia alemã e Teoria crítica recente. Sua pesquisa tem-se centrado na formação do pensamento político de Marx, a trajetória dos Jovens Hegelianos e na crítica ao liberalismo político. Também pesquisa a Política Francesa Contemporânea e sobre a história dos protestos sociais na França. Kouvelakis está atualmente trabalhando em dois livros, o primeiro sobre a política atual, discutindo as noções de temporalidade e decisão no pensamento político contemporâneo, o segundo sobre o estado atual da Teoria Marxista. Seu projeto de longo prazo inclui um estudo da formação da Teoria de Marx no contexto (político, intelectual e cultural) das Revoluções Europeias de 1848 e suas consequências.
É membro do conselho editorial das revistas francesas Contretemps e La Pensée, do Groupe d’Etudes Sartriennes e da série de livros sobre Materialismo Histórico em Brill Academic Publishers (Leiden, Holanda).
Jacobin Magazine
It’s Time 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.

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