Grávidas encarceradas, retrato de Judiciário falido

Por preconceito ou indolência de juízes, país mantém em presídios desumanos milhares de mulheres não condenadas, primárias ou que têm direito a prisão domiciliar

Por Leonardo Sakamoto.*

Do total de mulheres grávidas encarceradas, 73% estavam em situação de prisão provisória. Parte delas é encarcerada mesmo após seis meses de gravidez sem que o juiz considere a substituição por prisão domiciliar. Cerca de 70% era de réus primárias. Quase metade estava, envolvida em tráfico de drogas. Do total, 66% não recebiam visitas e, das que recebiam, 50% era da mãe e pouco mais de 14% do marido ou companheiro.

Os dados são da pesquisa “Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-social sobre a experiência da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro“, realizada pelo Grupo de Pesquisa em Política de Drogas e Direitos Humanos do Laboratório de Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A pesquisa entrevistou mulheres entre junho e agosto deste ano em duas unidades prisionais no Estado. Do total, 78% tinham até 27 anos, 77% eram negras e pardas, 82% eram solteiras, 75,6% não possuíam o ensino fundamental completo e 9,8% não sabiam ler, nem escrever. Metade estava trabalhando na época em que foi presa em empregos precarizados (85% sem carteira assinada), 19% eram a principal responsável pelo sustento do lar integralmente e 22% parcialmente.

Luciana Boiteux, professora de Direito Penal da UFRJ e coordenadora da pesquisa, falou com este blog.

Qual a principal razão do envolvimento das mulheres com o tráfico?

A necessidade financeira. E esse é um dado latino-americano. As pesquisas apontam que a grande maioria delas é chefe de família (ou seja, responsável pelo sustento dos filhos, em conjunto ou não com o pai) e jovem. Atribuo esse processo de incremento do número de mulheres presas por tráfico ao que chamamos de processo de femininização da pobreza, ou seja, as mulheres são maioria dentre os pobres, e a alta remuneração que podem conseguir com pequenas tarefas para o tráfico é uma grande ajuda para elas e os filhos que delas dependem.

Então é a guerra às drogas também é uma guerra contras as mulheres pobres?

Eu costumo utilizar a frase da criminóloga feminista Chesney-Lind, para definir essa situação. É realmente uma guerra contra mulheres, mas especialmente contra pobres e negras.

A pesquisa aponta para o encarceramento de mulheres grávidas ligadas ao tráfico. A Justiça não poderia optar por outra alternativa?

Como a maioria delas é de presas provisórias e, portanto, ainda não receberam pena, o princípio da presunção de inocência deveria valer. Além disso, temos o artigo 318, inciso IV do Código de Processo Penal que autoriza a prisão domiciliar para a gestante a partir do sétimo mês de gravidez. Ou seja, elas não deveriam estar dando à luz dentro de presídios, como presas provisórias. O encarceramento, tanto provisório como depois da pena (elas poderiam receber alternativas se condenadas até cinco anos de prisão) deveria ser a última opção, mas tem sido a primeira de muitos magistrados.

Há alguma solução de curto prazo que deveria ser adotada pelo governo brasileiro para mudar esse quadro?

Pensamos em duas propostas de solução de curto prazo: Primeiro, a realização, pelo Poder Judiciário, de um mutirão urgente para reavaliar a necessidade e legalidade da prisão de todas as grávidas no Brasil, para que seja aplicada a legislação vigente que já garante liberdade provisória ou prisão domiciliar e costuma ser ignorada por razões de suposta “segurança pública”.

Segundo, a concessão de um indulto específico para mulheres condenadas por até cinco anos de prisão por tráfico, pedido este que já foi encaminhado ao Ministério da Justiça, em abaixo assinado com o apoio de mais de 100 organizações. Esperamos que a presidenta Dilma, que já foi uma mulher encarcerada, inclua no indulto natalino desse ano a situação dessas mulheres.

Por fim, a longo prazo, temos que reformar amplamente a política de drogas. O que, na minha opinião pessoal inclui regular a posse e a venda de todas as substâncias ilícitas.

 *Em seu blog

Fonte: Outras Palavras

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