Grandes supermercados alimentam a desigualdade e sofrimento nas cadeias de fornecedores de alimentos

Foto: Divulgação/ Controvérsia.

A Oxfam lança estudo global que revela como os principais varejistas contribuem para baixa remuneração e más condições de trabalho.

Os grandes supermercados do mundo estão lucrando bilhões ano após ano a um custo muito alto: péssimas condições de trabalho, pobreza e sofrimento para milhões de homens e mulheres trabalhadoras e agricultores em diversas partes do planeta. A situação é tão desesperadora que muitos dos que produzem nossos alimentos mal têm o que comer. É o que revela o novo relatório da Oxfam “Hora de Mudar – Desigualdade e sofrimento humano nas cadeias de fornecimento dos supermercados”, lançado nesta quinta-feira (21/6). O documento é a base de uma nova campanha global da organização, que cobra mudanças urgentes na distribuição dos ganhos deste segmento para melhorar a remuneração dos trabalhadores rurais e pequenos produtores, as condições de trabalho e a desigualdade de gênero na cadeia de fornecedores de alimentos na América Latina, África e Ásia.

O relatório aponta que grandes redes de supermercados da Europa e Estados Unidos podem atuar decisivamente para mudar a situação de pobreza e más condições de trabalho de milhões de pessoas no mundo.

“O setor privado tem o potencial para tirar milhões de pessoas da pobreza, mas os grandes supermercados europeus e americanos estão acumulando riquezas sobre o trabalho degradante de homens e mulheres no campo”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil. “Em muitos casos, devolver 1 ou 2% do preço de varejo – e isso pode significar alguns centavos apenas – poderia mudar a vida das milhares de pessoas que hoje produzem nosso alimento, mas mal têm o que comer.”

O Brasil foi um dos doze países incluídos no levantamento feito pela Oxfam para mostrar como a cadeia de produção se relaciona com a distribuição de alimentos e a exploração do trabalho. “Os supermercados precisam enxergar sua responsabilidade sobre o que vem acontecendo no outro extremo de sua cadeia produtiva, onde estão trabalhadores e pequenos e médios produtores”, explica o assessor de políticas da Oxfam Brasil, Gustavo Ferroni. “Com o poder de compra que possuem, eles podem definir direta e indiretamente as condições de produção, exigindo – por exemplo – o compromisso de seus fornecedores para acabar com jornadas exaustivas, empregos informais, trabalho escravo e outras condições desumanas no campo”, acrescenta ele.

Por esse motivo, a nova campanha da Oxfam pressiona supermercados e governos de todo o mundo a atuarem com firmeza contra a precariedade do trabalho no campo, exigindo maior transparência sobre a procedência dos alimentos, fim da discriminação contra as mulheres e garantia de que agricultores e produtores recebam uma parcela mais justa do que é pago pelos consumidores no varejo.

Para a produção deste relatório foi contratada a consultoria de pesquisa Bureau for the Appraisal of Social Impacts for Citizen Information, que estudou a cadeia de 12 produtos de países em desenvolvimento que são vendidos nos supermercados europeus e norte-americanos: café (Colômbia), chá (Índia), cacau (Costa do Marfim), suco de laranja (Brasil), banana (Equador), uva (África do Sul), vagem (Quênia), tomate (Marrocos), abacate (Peru), arroz (Tailândia), camarão (Indonésia, Tailândia e Vietnã) e atum (Indonésia, Tailândia e Vietnã).

9 FATOS IMPORTANTES DO RELATÓRIO

  • Os supermercados ficam com uma quantidade cada vez maior do dinheiro que seus consumidores gastam em suas lojas – em alguns casos, esse valor chega a 50%, enquanto a parcela que fica com trabalhadores e produtores rurais pode ser menos de 5%.
  • Atualmente, um em cada quatro copos de suco de laranja consumidos no mundo vem do Brasil. O preço do produto brasileiro aumentou mais de 50% nos supermercados americanos e europeus desde a década de 1990. No entanto, o valor pago a pequenos produtores e trabalhadores rurais no Brasil chega a apenas 4% do valor de venda final.
  • Pequenos agricultores e trabalhadores rurais nas cadeias de fornecimento de 12 produtos básicos de supermercados sofrem para conseguirem sobreviver com a renda obtida. Para alguns produtos, como o chá indiano ou vagem queniana, a renda média é menos da metade do que seria considerado ideal para assegurar uma vida digna. A diferença entre uma renda mínima para se viver com dignidade e a renda recebida efetivamente é maior onde as mulheres são a maior parte da força de trabalho.
  • Seriam necessários mais de 4 mil anos para um trabalhador que atua no processamento de camarão na Indonésia ou Tailândia ganhar o mesmo que um típico executivo de um supermercado americano ganha em um ano.
  • Enquanto muitos trabalhadores rurais e pequenos agricultores vivem na pobreza, as oito maiores cadeias de supermercados de capital aberto geraram quase US$ 1 trilhão em vendas, US$ 22 bilhões em lucros e US$ 15 bilhões em dividendos a seus acionistas em 2016.
  • Apenas 10% do que os três maiores supermercados dos Estados Unidos pagaram a seus acionistas em 2016 seria o suficiente para pagar um salário digno a 600 mil trabalhadores que atuam no processamento de camarão na Tailândia.
  • 90% das mulheres que trabalham no cultivo de uva na África do Sul entrevistadas pela Oxfam afirmaram não terem tido o suficiente para comer no mês anterior.
  • Uma pesquisa recente da Comissão Europeia sobre cadeias de alimentos apontou que 96% dos fornecedores sofreram com pelo menos uma forma de prática comercial injusta como, por exemplo, receber menos que os custos de produção, a cobrança de taxas por espaço nas prateleiras ou o atraso de pagamentos.
  • Onde governos (como no caso de Vietnã, Equador, Marrocos e Peru) estabeleceram salários mínimos de pelo menos metade do PIB per capita mensal, os salários dos trabalhadores se aproximaram mais das referências de salários dignos. No Brasil, isso daria em torno de R$ 1.316 por mês, em valores de 2017, um valor ainda bem distante do que é indicado pelo Dieese.

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