Governo suspende exames de HIV, aids e hepatites no SUS

Pasta deixa contrato vencer; testes são essenciais para definir o tratamento para quem desenvolve resistência a algum medicamento

General Eduardo Pazuello. Foto: Anderson Riedel/PR

O Ministério da Saúde deixou vencer um contrato e suspendeu os exames de genotipagem no Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas que vivem com HIV, aids (a doença causada pelo vírus) e hepatites virais. O teste é essencial para definir o tratamento mais adequado para quem desenvolve resistência a algum medicamento.

O contrato com a empresa que realizava este exame venceu em novembro passado. Apenas um mês antes, em 7 de outubro, o ministério realizou um pregão para buscar nova fornecedora do serviço. O processo, porém, fracassou após a empresa vencedora não anexar todos os documentos exigidos pelo edital. O Ministério prevê realizar novo pregão nesta terça-feira, 8. Se houver vencedor no certame, a expectativa é retomar o serviço apenas em janeiro.

A notícia não foi bem recebida pelo movimento social de luta contra aids. “Esse exame é fundamental na estratégia para o tratamento do HIV e da hepatite C, pois quando a pessoa está resistente e necessita da genotipagem para iniciar nova combinação encontra-se num estado de extrema vulnerabilidade às infecções oportunistas e não pode ser prejudicada pela demora ocasionada por entraves meramente burocráticos.  Não é a primeira vez que isso ocorre com a genotipagem. Mas, o que precisamos ficar atentos é que temos um governo bastante interessado em desconstruir tudo o que foi conquistado. Em tempos passados éramos vistos e tratados como parceiros e agora somos despesas”, diz nota assinada pela Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+Brasil).

Em nota distribuída a serviços de saúde no último dia 3, o ministério afirma que fará este exame apenas para crianças com menos de 12 anos e gestantes que vivem com HIV e aids. Já os pacientes de hepatite C devem receber os medicamentos velpatasvir e sofosbuvir, que são mais eficazes e dispensam a genotipagem.

Conselheiro Nacional de Saúde e representante da Articulação Nacional de Luta contra a aids (Anaids), Moysés Toniolo avalia que há um “desmonte” de políticas para pessoas que vivem com HIV, aids e hepatites virais no governo Jair Bolsonaro.

Em maio do ano passado, o rebaixamento do Departamento de IST, AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde para parte de um setor mais amplo chamado Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, feito pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), já havia revoltado ativistas, pessoas que vivem com a doença e políticos.

Toniolo lembra que, quando ainda era deputado, Bolsonaro disse ser contra o custeio do tratamento destas doenças pelo SUS. “Problema é dele (o paciente)”, declarou o atual presidente em entrevista ao programa CQC, da TV Bandeirante, em 2010.

Apelo ao Ministério Público

Toniolo afirma que foi pego de surpresa pela interrupção dos exames de genotipagem. Ele disse que a pasta não informou quantos pacientes precisam hoje deste serviço.

A Anaids estuda levar o caso ao Ministério Público Federal (MPF), segundo Toniolo. “Temos um contingente de pessoas que há anos usam a terapia e pode precisar desse exame para continuar a viver”, afirmou ele.

O coletivo RNP+Brasil acha um absurdo que o Ministério da Saúde tenha demorado para lançar o edital de compras dos kits. “Não podemos aceitar que isso prejudique o tratamento das pessoas, pois sabemos que o ano de 2021 será o ano que veremos os impactos da covid-19, tanto nos pacientes de HIV como nos de hepatite C. A falta desses exames pode agravar ainda mais esses impactos.”

No documento, a RNP+ destacou também que a pandemia da covid-19 vem afetando drasticamente as pessoas vivendo com HIV e aids, com cancelamentos de consultas, falta de testes para CD4, falta de recursos que podiam amenizar o impacto nas vidas das pessoas com HIV.”

Professor titular de medicina na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Marcelo Simão Ferreira afirma que o prejuízo não será grande para pacientes de hepatites virais, pois há medicamentos que servem para todos os genótipos da doença, ou seja, dispensam o exame que o SUS interrompeu. “Agora, para o HIV vai fazer falta. A genotipagem do HIV avalia a sensibilidade do vírus às várias drogas que nós temos”, disse ele.

Professor de infectologia da Universidade Federal de São Paulo (USP) e membro da SBI, Paulo Abrão afirma que a falta do exame pode comprometer “gravemente” a saúde dos pacientes de HIV. Ele afirma que é preciso planejamento para evitar a descontinuidade de serviços deste tipo, além da perda de direitos conquistados pelos pacientes. Abrão afirma, porém, que é “razoável” a solução do ministério para o tratamento de hepatite C.

Com informações da Agência Aids e Estadão

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