Gestão Socioambiental em 10 anos do novo modelo do Setor Elétrico Brasileiro

A data passa despercebida, mas o dia 11 de dezembro de 2013 marca exatos 10 anos da instituição de um novo modelo para o Setor Elétrico Brasileiro.

Por Guilherme dos Santos Floriani.*

eléctrico

A data passa despercebida, mas o dia 11 de dezembro de 2013 marca exatos 10 anos da instituição de um novo modelo para o Setor Elétrico Brasileiro. Medida Provisória do Presidente Lula lançou as bases para centralizar no Governo Federal o poder de fixar as políticas, o planejamento e o monitoramento do setor, ainda assoberbado pelo Apagão Elétrico que assolou o país na virada do século, e abriu o caminho da Presidência da República para a Ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff.

O Ministério ganhou força, a ANEEL foi mantida, e criou-se a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as licitações ensejaram competição e redução dos preços. Através do Programa Luz para Todos, quase 15 milhões de lares rurais receberam gratuitamente ligação à rede elétrica.

Embora os instrumentos legais do modelo não explicitem a temática ambiental, no início do governo Lula 15 mil Mw estavam emperrados em projetos com pendências ambientais. Antes se vendia o potencial hidrelétrico e depois era tarde para questionar a viabilidade ambiental do empreendimento. O novo modelo inverteu a lógica e obrigou o Licenciamento Ambiental prévio ao leilão, deu-se início a uma nova fase da gestão ambiental no setor elétrico.

A retomada de investimentos reacendeu conflitos, houve aumento da percepção social sobre impactos das hidrelétricas, mas a falta de traquejo nas negociações de condicionantes ambientais para compensar ou mitigar impactos, em parte, evidenciavam que a política ambiental do setor elétrico brasileiro enferrujou com as privatizações. Foi preciso voltar ao II Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico (II PDMA), elaborado pelas estatais entre 1991 e 1993, reformulado em 2006 pela Eletrobras.

Com a licitação dos grandes aproveitamentos hidrelétricos no Rio Madeira, se ressuscitou a engenharia de grandes obras, mas o licenciamento ambiental atrelou uma problemática de escala amazônica. O Ministério de Minas e Energia criou um núcleo especializado no monitoramento e gestão dos conflitos ambientais, formaram-se mesas de situação do PAC, mas decisões acirradas escorregavam para o colo da Presidência da República.

Em 2007 o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento, e a elaboração de Planos para 10 e 30 anos, marcaram a retomada da capacidade de planejamento e investimento do Estado na geração e transmissão de energia elétrica. O MME lança o Manual de Inventário Hidrelétrico que prevê Análise Ambiental Integrada e Estratégica –AAI e AAE. Surgiu uma imbricada teia de consultoria para realizar Estudos de Impacto Ambiental – EIA, mas hoje constituem extensa fonte de conhecimento sobre diversas áreas científicas, e porque não dizer, grandes obras hoje financiam a maior parte da pesquisa em ramos como a arqueologia, e adentra um front de debate científico altamente qualificado e de altíssimo custo.

O resultado foi a crescente adoção de tecnologias voltadas para mitigação dos impactos em ambientes naturais que tencionam os custos de construção e operação. Áreas alagadas foram reduzidas, linhas de transmissão em torres mais altas, e o desvio sistemático de zonas prioritárias para a conservação ambiental.

Em paralelo, o Governo Federal fez Ministérios conversarem, e acabou com a sobreposição de Unidades de Conservação, Assentamentos Rurais, Territórios Indígenas e áreas estratégicas para a implantação de projetos hidrelétricos, mas falta consolidar uma sistemática para integração das agendas, por vezes divergentes e conflitantes e compatibilizar múltiplas alternativas de uso da terra com as atividades dos setores mineral e energético. A compensação ambiental oriunda do Licenciamento Ambiental Federal em 2012 já acumulava R$ 200 milhões, e se destinada à criação de Unidades de Conservação, converteria o setor elétrico em mecenas da proteção de áreas silvestre no país.

Em 2010 o Decreto nº 7342 instituiu o cadastro socioeconômico para identificação, qualificação e registro público da população atingida por empreendimentos de geração de energia hidrelétrica, e agora o Governo Federal precisa enfrentar o debate em torno de uma política nacional de atingidos por barragem, estabelecer órgãos públicos responsáveis, e delimitar os termos para a reparação das populações atingidas no processo de planejamento, implantação e desenvolvimento de empreendimentos de geração de energia hidrelétrica.

A consulta aos povos indígenas e tradicionais, prevista Convenção 169 da OIT, interessa também a outras parcelas da sociedade arroladas nas decisões do setor. Mas uma política de participação social voltada à gestão pública poderia delimitar a origem das decisões públicas e conquistar respaldo e corresponsabilidade da população, especialmente em áreas estratégicas com projetos de grande vulto e que exigem longo tempo para realização.

Há resistência à incidência social no setor, mas é crescente os gastos de cunho ambiental e social. Há limites para internalizar os custos, mas algo impede que o setor anuncie e se capitalize com as qualidades do seu protagonismo. Uma postura reativa que sustenta o enfrentamento quase esportivo do setor com movimentos sociais e órgãos como o IBAMA, FUNAI, ICMBio e IPHAN. É inevitável que o Governo invista nestes órgãos e colha análises mais sólidas, ágeis e propositivas. E a despeito da evolução do tratamento de questões ambientais sociais, poucas hidrelétricas novas foram sequer licitadas nos últimos anos. Mas se internaliza a experiência de Belo Monte, e se desenvolve o conceito de Usina Plataforma que promete compatibilizar hidroelétricas com a conservação ambiental nas regiões mais isoladas da Amazônia.

Trata-se de uma rapida ilustração que evidencia claros limites para o modelo elétrico. Para a compensação ambiental e social, nem tudo pode ter preço, ser comprado ou substituído. E qualquer lapso democrático desliza para a judicialização ou enseja um autoritarismo nacionalista. Mas se definitivamente, não há como o país abrir mão desta riqueza, e é forçoso perguntar, o que falta para alinhar o Setor Elétrico com as forças mais progressistas? A resposta vai certamente moldar os próximos 10 anos e selar o futuro da hidroeletricidade no país.

* Analista de Infraestrutura, Ministério de Minas e Energia.

 Fonte: Carta Maior

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