Geopolítica e ficção: como nasce uma história

Imagem: Reprodução

No terceiro dia de Flip, na mesa “Angico”, duas romancistas dialogaram sobre texto e universo particular, o peso da história e da cultura em suas obras. A israelense Ayelet Gundar-Goshen e a nigeriana Ayòbámi Adébáyò, mediadas pela historiadora e escritora Lilia Schwarcz, refletiram sobre maternidade, amor, consentimento e corpo feminino na ficção que produzem.

“Queria que minhas personagens femininas aproveitassem seus corpos e não fossem punidas por isso”, comentou Gundar-Goshen, que relembrou personagens clássicas da literatura, como Madame Bovary e Anna Karenina, que tiveram finais terríveis, como se sentenciadas por sentir prazer. Autora de Fique comigo (Harper Collins, 2018), Adébáyò abordou a questão da maternidade em seu país, já que é um tema central em seu livro: “Um mito, uma lenda, uma coisa enorme e muito grandiosa na Nigéria. E se não for tão grandioso quanto ouvimos? E se não colocarmos apenas as mulheres nesse pedestal?”.

A respeito da matéria-prima ficcional, Gundar-Goshen explicou ser medular o personagem se sentir real para poder ganhar as páginas de uma obra. Nesse ensejo, a autora comentou a presença de aromas em seu último livro, Uma noite, Markovitch (Todavia, 2018). “Quando você ama, o aroma não é objetivo, é criado na química entre o casal, no ar entre essas duas pessoas próximas. Você quer que o personagem seja uma pessoa que você acredita existir”, acrescentou. Ainda, ponderou a importância dos segredos de um personagem, aquilo que ele procura esconder dos outros e de si mesmo. Seu livro é baseado na história real de homens que se casaram com mulheres judias apenas para que elas escapassem da Europa nazista. Um deles se apaixona e decide não aceitar o divórcio.

A missão investigativa em torno desse acontecimento tornou-se ficção, ajudando na elaboração de uma questão filosófica: o que acontece depois do fim de uma história? Durante a conversa, a dúvida saiu do campo literário e permeou os conflitos entre Palestina e Israel, onde vive a escritora. “O que acontece depois que o personagem consegue sua mulher, à força? E quando os israelenses conseguem a terra, depois de desejar isso por dois mil anos?”

Adébáyò, por sua vez, contou que precisou apagar sua própria voz, para que pudessem surgir as dos personagens. “Queria escrever numa linguagem que eles usariam”, pontuou. Revelou que, ao escrever seu livro, começou a inserir muita densidade política à obra, até perceber que seus protagonistas não se importavam com aquilo. “Tentei me colocar no lugar dos meus personagens, o que realmente aconteceria em suas vidas. Como a falência do estado impactaria a vida deles”, finalizou.

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