Fraternidade e saúde pública

Por Frei Betto.

O título deste artigo é o tema da Campanha da Fraternidade 2012, promovida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Iniciada na Quarta-Feira de Cinzas, a campanha se estende até o domingo de Páscoa e tem como lema um versículo do livro do Eclesiástico: “Que a saúde se difunda sobre a Terra” (38, 8).

Saúde e tradição cristã estão intimamente associadas. Nos evangelhos, Jesus prima por curar física, psíquica e espiritualmente. Ao longo da história ocidental, a Igreja se destacou como provedora da saúde. De sua iniciativa surgiram os primeiros hospitais, sanatórios e, no Brasil, Santas Casas de Misericórdia.

Nos santuários, de Aparecida a Juazeiro do Norte, a manifestação de fé do povo na cura – bênção de Deus por intercessão de santos -, aparece das “salas dos milagres”, onde se enfileiram os ex-votos.

Os bispos reconhecem os avanços da saúde no Brasil, como a redução da mortalidade infantil (na qual a Pastoral da Criança, iniciativa da Dra. Zilda Arns, desempenha papel fundamental). Em 1980, eram registrados 69,12 óbitos por 1.000 nascidos vivos. Em 2010, o índice caiu para 19,88.

A expectativa de vida no Brasil apresenta evolução significativa nas últimas décadas. Em 2008, a esperança de vida dos brasileiros, ao nascer, chegou a 72 anos, 10 meses e 10 dias. A média entre homens é de 69,11 anos e, entre mulheres, 76,71.

De 1980 a 2000, a população de idosos cresceu 107%, enquanto a dos jovens de até 14 anos apenas 14% (Ministério da Saúde, 2011). Em 1980, as crianças de 0 a 14 anos correspondiam a 38,25% da população e, em 2009, representavam 26,04%. Entretanto, o contingente com 65 anos ou mais de idade pulou de 4,01% para 6,67% no mesmo período. Em 2050, o primeiro grupo representará 13,15%, ao passo que os idosos ultrapassarão os 22,17% da população total.

A melhoria, no Brasil, das condições de vida em geral trouxe maior longevidade à população. O número de idosos já chega a 21 milhões de pessoas. As projeções apontam para a duplicação deste contingente nos próximos 20 anos, ou seja, ampliação de 8% para 15%. Porém, o percentual de crianças e jovens está em queda. Uma das causas é a diminuição do índice de fecundidade por casal, que, em 2008, caiu para 1,8 filhos, o que aproxima o Brasil dos países com as menores taxas de fecundidade.

Como a mortalidade infantil ainda é alta em relação aos melhores indicadores – 19,88/1.000 – verifica-se a preocupante diminuição percentual da faixa etária mais jovem. Portanto, uma impactante transição demográfica está em curso no país.

A julgar pelas projeções, essa transição demográfica mudará a face da população brasileira. Segundo estimativas, em 2050, haverá 100 milhões de indivíduos com mais de 50 anos, causando reflexos diretos no campo da saúde. Hoje, a hipertensão afeta metade dos idosos. Dores na coluna, artrite, reumatismo são doenças muito comuns entre as pessoas de 60 anos ou mais.

O consumismo e a falta de educação nutricional mudam, agora, o padrão físico do brasileiro. O excesso de peso ou sobrepeso e a obesidade explodiram. Segundo o IBGE, em 2009, o sobrepeso atingiu mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos de idade; cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos; 48% das mulheres; 50,1% dos homens acima de 20 anos[1] <#_ftn1> . Em suma, 48,1% da população brasileira estão acima do peso, e 15% são obesos.

Trata-se de verdadeira epidemia. Desde 2003, a POF (Pesquisa Orçamentária Familiar) indica que as famílias estão substituindo a alimentação tradicional na dieta do brasileiro (arroz, feijão, hortaliças) pela industrializada, mais calórica e menos nutritiva, com reflexos no equilíbrio do organismo, podendo resultar em enfermidades como o descontrole da pressão arterial e o diabetes.

Apesar dos avanços, a Campanha da Fraternidade considera o SUS um “caos, sobretudo perante os olhos dos mais necessitados de seus serviços”.

Garantir para a população direitos e recursos previstos na Constituição sobre a Seguridade Social (Assistência Social, Previdência Social e Saúde) é um dos principais desafios na atualidade. Na contramão do que prevê a Constituição, são as famílias que mais gastam com saúde.

Dados do IBGE mostram que o gasto com a saúde representou 8,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, em 2007. Do total registrado, 58,4% (ou R$ 128,9 bilhões) foram gastos pelas famílias, enquanto 41,6% (R$ 93,4 bilhões) ficaram a cargo do setor público.

Nos países ricos, 70% dos gastos com saúde são cobertos pelo governo e apenas 30% pelas famílias. Para especialistas na área de Saúde Pública, o gasto total com a saúde, em 2009, foi de R$ 270 bilhões (8,5% do PIB), sendo R$ 127 bilhões (47% dos recursos ou 4% do PIB) de recursos públicos e R$ 143 bilhões (53% dos recursos ou 4,5% do PIB) de recursos privados.

O orçamento da União para a Saúde, em 2011, foi de R$ 68,8 bilhões. Deste total, somente R$ 12 bilhões foram investidos na atenção básica à saúde, por meio de programas do Ministério da Saúde.

O Brasil conta com mais de 192 milhões de habitantes e 5.565 municípios. Entretanto, vários municípios, principalmente das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, não dispõem de profissionais de saúde para os cuidados básicos, sendo que, em centenas deles, não há médicos para atendimento diário à população.

Cerca de 150 (78% da população) milhões de brasileiros dependem do SUS para ter acesso aos serviços de saúde. Pois não têm o privilégio da parcela de 40 milhões que pagam planos privados de saúde, com medo da ineficiência do SUS.

“Vim para que todos tenham vida e vida em abundância”, disse Jesus (João 10, 10). Se assim não ocorre, resta-nos fazer de nosso voto e cidadania pressão e exigência de uma nação saudável.

1 COMENTÁRIO

  1. Quem precisa efetivamente apropriar-se desses dados são os meios de comunicação para que possam transmitir mais verdades do que as cotidianas invenções patrocinadas por aqueles que estão sempre desejando a privatização dos serviços públicos essenciais.

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