Frantz Fanon e o nacionalismo

os-condenadosPor Thiago Burckhart, Blumenau, para Desacato.info.

O atual momento político é marcado, tanto na Europa quanto na América Latina, pela ascensão da “questão nacional”. Esse feito é levado a cabo por partidos políticos e por representantes que reverberam esse sentimento político nos respectivos cenários nacionais utilizando-se, em grande medida, dos meios de comunicação de massa. Ocorre que o nacionalismo atual não é o mesmo daquele do século XX e nem daquele dos contextos de luta por libertação dos povos na América Latina. Ele assume novas peculiaridades que nos permite concebê-lo a partir da categoria “neonacionalismo”, pelo qual abarca uma série de novas práticas e concepções sobre este fenômeno.

Este neonacionalismo é acompanhado de um sentimento conservador e autoritário, bem como pela manipulação da biopolítica do medo, que assume dimensões xenófobas em diferentes partes do mundo. O interesse pela “questão nacional” nasce hodiernamente como pretexto para a impetração de políticas de segregação e exclusão, de modo a vulnerabilizar os já vulneráveis, e legitimar esta exclusão. A partir disso, vende-se a possibilidade de exercer o poder e ultrapassar a impotência de diversos setores da sociedade, sobretudo aqueles mais desprovidos de capital cultural e intelectual e submetidos aos ditames da lógica econômica que os atinge diretamente (como é o caso do desemprego).

O neonacionalismo ganha adeptos sendo legitimado por essa massa desgovernada de pessoas que buscam a superação de seus problemas, sobretudo de cunho econômico, canalizando a frustração alheia. Representa, no plano simbólico, o suprassumo da possibilidade de recuperar a grandiosidade supostamente perdida de um povo (basta analisar o lema eleitoreiro de Donald Trump “make America great again”). E, no plano material, representa a busca irracional pelo seu próprio bem-estar, já que as políticas de cunho (neo)liberal não se mostram competentes na gestão dessas reivindicações, causando rasgos incorrigíveis no tecido social. Trata-se de uma busca irracional em razão de ser nefasta para a própria nação, que cria bodes expiatórios na forma como prediz Hannah Arendt em Origens do Totalitarismo.

A questão central é que o mal-estar causado pelo neoliberalismo não está sendo vocalizado na luta contra o capitalismo financeiro, mas passa a ser canalizado por um nacionalismo xenófobo e irracional.

Os condenados da terra

Frantz Fanon, pensador francês do século XX, em seu livro “Condenados da Terra” demonstra a importância que o nacionalismo assumiu nas lutas de libertação da África no século passado. Ao analisar em específico o caso da Argélia, Fanon demonstra que o sentimento nacional foi de grande valia para o povo argelino na construção daquilo que o autor chama de consciência nacional. O combate contra o inimigo externo comum, os franceses, somente poderia ser possível mediante a união do povo argelino em um único ideal, qual seja, o de nacionalismo enquanto arma política para a efetiva libertação daquele povo.

Para que o objetivo fosse possível, Fanon aponta o papel necessário e decisivo dos partidos políticos. Para ele, os partidos devem ser utilizados como instrumentos para a politização das sociedades, como forma de mobilização do povo em torno da palavra de ordem de independência. Esse trabalho é imprescindível no contexto pré-independência, pois Fanon tem a plena consciência de que o fim da colonização representa a substituição de um homem governante por outro homem governante, de modo que as estruturas políticas permanecerão vigentes, ao passo que a burguesia assumiria o poder e passaria a exercer uma nova dominação.

Entretanto, Fanon é categórico ao afirmar que a consciência nacional deve ser substituída pela consciência social e política após a conquista da independência dos países africanos. Isso porque a consciência nacional pode assumir consequências nefastas após o processo de independência, pois ela não teria mais razão de ser, pelo menos nas mesmas proporções e sentidos do momento da luta por emancipação. Nas suas palavras, “o nacionalismo, se não se torna explícito, se não é enriquecido e aprofundado, se não se transforma rapidamente em consciência política e social, em humanismo, conduz a um beco sem saída”. Não se trata da morte da consciência nacional ou da nação, pois ainda vivemos nela. Mas, da construção de um programa que visa de fato libertar política e socialmente um povo que já alcançou independência.

Retrocessos nas políticas culturais

A grande problemática que se coloca atualmente no que tange ao neonacionalismo é a possibilidade de retrocessos nas políticas culturais. O pouco que foi conquistado nos últimos anos e décadas a respeito das questões relativas ao multiculturalismo, interculturalismo e inclusão de minorias pode ser perdido em um piscar de olhos neste contexto. A ascensão da xenofobia, do racismo e da intolerância social elevada à consciência política e vociferada por lideranças políticas que podem assumir (ou, que já assumiram) o poder, pode levar ao desmantelamento de uma série de proposições neste terreno que foram efetivamente realizadas.

Thiago Burckhart é estudante de Direito.

Imagem: Os Condenados Da Terra, Frantz Fanon, Ulisseia, Capa por Sebastião Rodrigues, Lisboa, 1961.

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