Florianópolis: Solução para saneamento empaca na falta de consenso

    Por Mariana Rosa.

    Entidades civis e órgãos reguladores contestam os emissários submarinos

     Os problemas de saneamento em Florianópolis são ponto de discussão há anos, inclusive nas eleições para prefeito deste ano. Apenas 53,9% das casas têm acesso ao serviço, de acordo com dados publicados em 2010 pelo Ministério das Cidades. Enquanto as estações de tratamento de esgoto operam com uma série de irregularidades, a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) planeja a ampliação da rede, enfrentando críticas e pressões por parte dos órgãos de proteção ambiental e de lideranças comunitárias. O projeto apresentado como a solução técnica mais viável propõe o uso de emissários submarinos, que são tubulações para lançar em alto mar o esgoto tratado.

    De acordo com a equipe responsável pelo projeto, esta seria a única forma de ampliar a rede de esgoto sem colocar em risco as bacias hidrográficas da ilha. “Os emissários submarinos permitem a universalização do atendimento. Ainda que houvesse tratamento em nível terciário, não haveria, na ilha, manancial suficiente para receber o volume de esgoto gerado”, defende o gerente de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Casan, Patrice Barzan.

    Elson dos Passos, gerente de planejamento da Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento, complementa o argumento explicando que devido às características do solo e do lençol freático não é possível infiltrar o esgoto no solo. “Temos que ter uma solução para o destino do efluente”, justifica Passos.

    O projeto foi proposto como solução após a coordenação regional do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio) entrar com um recurso contra o licenciamento da estação de tratamento do bairro Rio Tavares, projetada para lançar o esgoto tratado no rio de mesmo nome. A estação de tratamento do Rio Tavares faz parte da primeira fase do projeto de

    ampliação da rede, que prevê a construção de uma estação nos Ingleses e também a implantação da rede no sul da Ilha, região onde ainda não há cobertura do serviço.

    Em agosto e setembro, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina realizou duas audiências públicas para discutir a proposta dos emissários submarinos com as lideranças comunitárias das regiões norte e sul da Ilha, que se manifestaram contrárias ao projeto, temendo principalmente que a balneabilidade das praias e as atividades de maricultura sejam afetadas.

    Em relação aos possíveis riscos para a saúde humana, a professora Ariane Laurenti, do departamento de Patologia da UFSC, salienta que o projeto deve levar em conta a proteção das fazendas marinhas. “Nestes casos, o maior risco de uma contaminação atingir a proporção de epidemia é através do consumo de moluscos, já que eles acumulam as toxinas

    presentes na água”. Na avaliação da professora, caso exista garantia, a partir dos estudos

    oceanográficos, de que o esgoto lançado não retornará para a costa, os emissários podem ser considerados seguros.

    “A vantagem é que a salinidade da água do mar é tão alta que mata grande parte das bactérias”, afirma.

    A contraproposta com maior apoio popular na audiência do sul da Ilha foi a apresentada pelo Movimento Saneamento Alternativo (Mosal), que defende a adoção de um sistema de saneamento descentralizado. O coordenador do Mosal, Gert Schinke, explica que no sistema descentralizado as estações de tratamento são planejadas de acordo com as características de cada bairro, funcionando com métodos que alterem ao mínimo o funcionamento do ecossistema local. “O principio do sistema descentralizado é o ciclo da água, o que implica na proteção das bacias locais. No atual sistema há um desperdício deste recurso. Na visão descentralizada os volumes de esgoto são menores, o que aumenta capacidade de assimilação da natureza”, argumenta.

    Os representantes técnicos da Casan e da Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento,

    reconhecem que a proposta do Mosal poderia ser uma alternativa viável para regiões da cidade que tenham população de até 2 mil habitantes. “As soluções alternativas são muito apropriadas para áreas com menos densidade populacional, o que não é o caso das regiões com mais problemas no tratamento de saneamento, como o Campeche e os Ingleses”,

    avalia Passos. Já Alexandre Trevisan, chefe da divisão de meio ambiente da Casan, lembra que é preciso pensar em um equilíbrio entre a solução mais viável dos pontos de vista ecológico e econômico, já que o custo operacional de um sistema com muitas estações tende a ser maior. “Uma pesquisa feita pela Casan revelou que 34% dos moradores do Campeche não estão dispostos a pagar pelo sistema de saneamento”.

    No entanto, na avaliação do Professor Pablo Sezerino, coordenador do Grupo de Estudos em Saneamento Descentralizado do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC, o sistema descentralizado poderia ser implantado com autogerenciamento das comunidades, sem custo operacional para a Casan. “Os sistemas descentralizados podem ser trabalhados pela comunidade, com orientação de profissionais e fiscalização da Vigilância Sanitária”.

    O secretário municipal de Habitação e Saneamento Ambiental em exercício, Salomão Mattos, frisa que a solução para ampliar a rede de coleta e tratamento de esgoto será determinada após a Conferência Municipal de Saneamento Básico, que tem previsão para ser realizada entre o final deste ano e o início de 2013. “Temos que discutir qual é a melhor

    solução. A solução dos emissários está colocada, mas pode ser outra. Se houver cinco alternativas boas, discutiremos as cinco, eliminando ou dando uma solução mista”, pondera.

    Para maricultores, estação prejudica produção de berbigão

    Existem cerca de 500 construções próximas à margem do rio Tavares, que recebe o esgoto de muitas delas a partir de infiltrações ou de ligações diretas no rio e na rede de escoamento da água da chuva. Os coletores de berbigão da Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé cobram da Casan e dos órgãos da Prefeitura uma solução imediata para a situação, mas já se manifestaram contrários à instalação provisória da estação de tratamento do Rio Tavares.

    Os coletores temem que a instalação prejudique ainda mais a produção de berbigão, que já foi reduzida em 60% depois do aterro da baía Sul. “Somos totalmente contrários à instalação provisória. A gente vai bater o pé e não vai deixar que seja lançado, nem que haja promessa de água potável”, diz Fabrício Gonçalves, presidente da Associação de Coletores Caminhos do Berbigão. Gonçalves, assim como outros membros da diretoria da Reserva,

    Acredita que a produção de berbigão será afetada. “Estamos cansados de impacto ambiental na Resex.” O coordenador regional do icm- Bio, que tomará a decisão final sobre a instalação provisória, reconhece a preocupação dos coletores, mas adverte que não pode dar um parecer enquanto não analisar as características técnicas do projeto apresentado pela Casan. “Reconheço o posicionamento do Conselho Deliberativo da Resex, vejo muito sentido, embora não possa tomar como o posicionamento final do Instituto Chico Mendes.” A Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé é a maior produtora de berbigão do Brasil. Atualmente, 116 famílias são atendidas pela reserva, das quais 25 sobrevivem exclusivamente da coleta de berbigão.

    Indefinição ameaça reserva do Pirajubaé

    A diretoria da Casan busca junto à coordenação regional do icmbio um acordo para a instalação provisória da Estação de Tratamento do Rio Tavares. Em 2010, um acordo firmado entre as duas instituições, além da Fatma e da Prefeitura, estabeleceu que, para a proteção das atividades de maricultura na Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé, o rio Tavares não poderia ser o destino final do esgoto tratado na estação e a mesma só poderia começar a funcionar após a instalação de emissários submarinos. Caso a nova proposta de tratamento não seja aprovada, a implantação da rede de esgoto no sul da Ilha terá que esperar pelo projeto, que vai demorar pelo menos quatro anos para ser executado. As datas ainda não foram agendadas, mas a previsão é que até a primeira metade de novembro os técnicos da Fatma, da Coordenação Regional do Icmbio e da Casan se reúnam pela primeira vez para discutir a proposta de tratamento em um nível mais avançado, o chamado tratamento terciário. Este tratamento realiza a desinfecção do esgoto e remove nutrientes como fósforo e nitrogênio, que alimentam algas e micro-organismos que podem provocar o processo de eutrofização, que é o excesso de matéria orgânica na água. “A proposta será analisada, com atribuição total do Instituto Chico Mendes de dizer sim ou não”, afirma Daniel Penteado, coordenador regional do icmbio. Penteado adianta que um dos principais fatores a ser considerado é se o lançamento do esgoto tratado poderá alterar a salinidade da água do rio Tavares, que tem regime de água salobra (salinidade intermediária entre a água doce e a água do mar), a ponto de prejudicar a produção de berbigão na Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé. O engenheiro Alexandre Trevisan, chefe da divisão de Meio Ambiente da Casan, argumenta que as ligações de esgoto irregulares lançam diariamente no rio Tavares três mil quilogramas de Demanda Bioquímica por Oxigênio (D.B.O), medida que indica a quantidade de matéria orgânica poluente. Além disso, o rio recebe por dia 55 quilogramas

    De fósforo e 450 quilogramas de nitrogênio. “Sem tratamento, estas quantidades devem aumentar em 30% até 2030. Se o esgoto for lançado no Rio Tavares com o tratamento terciário, ao invés de piorar, pode melhorar em 60%”, calcula Trevisan. O acordo de 2010 solicitava também a interrupção imediata do lançamento de esgoto na área da Reserva Extrativista no manguezal do rio Tavares, cláusula que não foi cumprida. Alvimar Santos, gerente da vigilância sanitária municipal, reconhece que lacrar as saídas de esgoto não resolve o problema, já que as famílias desfazem o serviço depois que os fiscais vão embora. O secretário municipal de Habitação e Saneamento Ambiental em exercício, Salomão Mattos, admite que não há uma solução a curto prazo para a região. “A solução passa também por uma intervenção urbanística na área, que era um terreno de mangue e hoje é um assentamento consolidado com problemas de infra- -estrutura e habitação”, afirma. Segundo Mattos, a região será atendida assim que os grupos de trabalho da secretaria concluírem os projetos em andamento no maciço do Morro da Cruz e na Vila Aparecida. “Terminando estes projetos, nossa prioridade será a região da Costeira e do Rio Tavares, e também o Saco Grande”, afirma.

    Mariana Rosa [email protected]

    Fotos: Giovanni Bello

    Fonte: Jornal Zero – Mês de outubro 

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