Financeirização, violência e destruição: a cara do projeto agrário do governo Bolsonaro

Foto de Sebastião Salgado nos lembra a luta por Direitos Humanos e a denúncia ao atual modelo econômico imposto no Brasil e no mundo.

Por Yuri Simeon.

Com o início do governo Bolsonaro vemos o avanço de um projeto agressivamente predatório, armamentista, de criminalização e ataque aos povos do campo, das florestas e dos rios. Junto a isso há uma legitimação das ações, muitas vezes ilegais, que privilegiam os interesses de latifundiários, mineradoras e outros grupos econômicos.
Segundo Cláudio Lopes Maia, professor da pós-graduação em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás (UFG), “o projeto agrário do governo Bolsonaro não é uma política pública apresentada de maneira formal pelo Estado: configura-se na verdade num plano, composto por ações diversas, para atender interesses particulares de frações do agronegócio brasileiro, em espacial a que opera no mercado imobiliário de terras”.

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A financeirização da Região Amazônica

Maia relata uma perigosa relação entre o desmatamento da floresta amazônica no governo Bolsonaro com um processo em curso de “um novo corredor de exportação de commodities, nas regiões Norte e Nordeste, com a construção de alguns portos como o Tegram (Terminal de Grãos do Maranhão), e o Porto de Barcarena, no Pará. O novo corredor de exportação é parte do processo de avanço da fronteira do agronegócio para os estados daquelas regiões, num espaço que ficou conhecida como Matopiba (a confluência dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia)”.

Porém, diferente de outros períodos, hoje o avanço do latifúndio está diretamente ligado à “financeirização da terra”. O objetivo é consolidar uma nova fronteira agrícola na Amazônia, que não promove um desenvolvimento econômico e/ou social das áreas, mas consolida o negócio imobiliário com as terra.s

Maia descreve como “um processo que atinge todo o agronegócio brasileiro, não importa mais somente garantir a produção de commodities, as grandes empresas do setor passaram nos últimos anos a explorar o valor imobiliário das terras, seja operando diretamente no mercado ou por estratégias financeiras na bolsa de valores, onde a terra aparece como um ativo que se valoriza ano a ano”.

Retirada de direitos

O governo também tem feito uma rápida desestruturação dos órgãos responsáveis pelo cuidado de áreas de proteção ambiental e o controle dos processos de reforma agrária, como “IBAMA, FUNAI, INCRA, ICMBIO”. Para além disso, também há uma perseguição às políticas indigenistas, às políticas ambientais e às políticas de reforma agrária, com discursos oficiais que desautorizam as fiscalizações, por exemplo. “Assistimos a um projeto agrário de formação de fazendas na Amazônia, não visando uma produção, mas atendendo aos interesses de um setor do agronegócio que expande aproveitando o valor imobiliário da terra”, explica Maia.

Paulo César Carbonari, coordenador nacional de formação do Movimento Nacional de Direitos Humanos, defende que “o presidente [Bolsonaro] não tem o menor compromisso com direitos de quem quer que seja. Ele tem compromissos com privilégios e com a proteção daqueles que não precisam de proteção, pois sempre tiveram acesso e oportunidade. […] Por isso, a guerra aos indígenas, aos Sem Terra, aos negros, aos jovens, às mulheres, aos povos e comunidades tradicionais e tantos outros. Para estes não há direitos”.

O professor Maia pontua que a “política de reforma agrária [no Brasil] não é uma política somente de governos, é uma determinação constitucional, que estabeleceu a necessidade de que as propriedades agrárias cumprissem uma função social, que teria um caráter produtivo, social e ambiental”, apesar de visivelmente não ser cumprido por este governo a garantia destes direitos.

Neste sentido, Carbonari complementa que “definitivamente, a institucionalidade disponível não está para os direitos humanos e, ainda que por vezes delas resvale algum alento, não será delas que virá a necessária proteção, ao menos se seguirem como estão. A luta terá que transformar também as instituições para que efetivamente sejam feitas para promover e proteger os sujeitos e os direitos”.

Armas no campo

A cada dia aumentam os decretos do governo Bolsonaro para o uso irrestrito de armas de fogo. Recentemente, Jair Bolsonaro sancionou a Lei 13.870, de 2019, que define toda a extensão do imóvel rural como residência ou domicílio, o que permite ao proprietário ou gerente de uma fazenda andar armado em toda a área da propriedade, e não apenas na sede. Com o avanço do latifúndio em áreas de preservação ou de reforma agrária, essa medida do governo legitima os conflitos armados em áreas em disputa.

De acordo com Maia, “os conflitos mais violentos ocorrem justamente nas regiões de abertura de novas áreas [de latifúndio] e a omissão do Estado no controle das terras públicas e aos processos de grilagem são justamente as situações que promovem a violência”.

Sobre as razões desta política armamentista, Carbonari sinaliza que “o que se pretende com isso é fortalecer as milícias para defender as propriedades privadas a qualquer custo, na legalidade ou na ilegalidade”.

Resistência popular

Os desafios para a população camponesa, indígena, quilombola e ribeirinha são grandes. Pois, se por um lado os inimigos não são apenas locais, mas também internacionais, por outro o Estado, com o governo federal à frente, se alinha à esses interesses internacionais.

“A luta dos movimentos populares por terra e territórios passam a operar contra processos que tem raízes distantes da própria arena de luta e contra inimigos muito bem posicionados no jogo político e no Estado”, diz Maia.

Neste contexto, a terra e o território estão em disputa como fronteira da riqueza natural, mineral, energética e genética que se apresenta à “expropriação neocolonial”, afirma Carbonarri. Para ele, “o grande desafio é enfrentar as novas formas de genocídio neocolonial. Assim, os novos desafios não são outros que os desafios de sempre, defender os corpos, as vidas, humanas e não-humanas, que fazem o sentido destes territórios”.

As saídas para evitar essa tragédia anunciada passam pela resistência popular, através da luta coletiva desses povos ameaçados, em diálogo com amplos setores progressistas da sociedade, e na capacidade de apontar as alternativas. Maia descreve que essa saída só será possível a partir da preservação dos ecossistemas ameaçados e os povos que lá vivem.

“Os resultados deste processo serão traumáticos em todos os sentidos, socialmente, destruição de culturas e povos, economicamente, o incentivo a uma pirâmide financeira que não se mantém no longo prazo, e ambientalmente, a destruição de um ecossistema que preservado teria condições de sustentar uma economia que dialoga com a tecnologia e a produção de novos materiais e saídas produtivas”, conclui.

*Editado por Fernanda Alcântara

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