Ferro Fálico

Imagem: Pixabay

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

Baseado em uma conversa real.

Antes, não raro, era dado às flores e versos. Um tanto quanto atípico para o que é demais e considerado normal. Pelas ruas e horas, pulso era pra relógio e pontual quanto aos compromissos, combinados. Uma atenção ao outro como se fosse um dos seus no quintal de casa. Ou cama de hospital que fosse. Que fosse! Adentrava as horas folgadas entre amigos e, impressão e apenas impressão, era um dos alvos de brincadeiras não maldosas ou criminosas. E ria junto. Um riso de menino, de moleque que brinca com os moleques de perto. Tudo calmo, pacato. O outro era o outro e não media esforços para que esta estada na terra deste fosse melhor. Com o seu amor, a atenção do que se busca em um amor eterno. Carinho, cuidado. Um tanto de ciúme, sim, mas prontamente conversado após as ideias mirabolantes seguirem para o nunca mais, vulgo ralo. Na cama, o amor de quem é e está a dois. Sem pressa, com as intensidades necessárias mediante aos pedidos. No leito
que é sagrado para o amor e no suor que escorre dos corpos. No leito que é para o amor tal como é para a dor, para a conversa até o sono ou do tempo correndo tranquilo numa tarde. As pressões do mundo chegam. Chegam! E aquele emprego que pagava tão bem as contas se foi numa mudança abrupta dos rumos do governo. Estava tão certo. Esteve por
tanto tempo. O amor, ainda na cama pela manhã e um pouco depois da notícia, disse que vinha menino. Ou menina, que fosse. Mas que vinha. E pularam em lágrimas para depois a felicidade se deter em um só. Nela. Ele perdera seu posto de trabalho e um leve, porém brutal, desconforto apresentou-se pelo não dinheiro e, como meio, futuro feijão e arroz vindo exclusivamente dela. Aí caça pra cima. Olha atento pra baixo. Fala com um. Com outro. Lê jornal. Aproveita os 7 dias grátis. Encontra um amigo.

– Vai ser pai? Carreira pública! Tranquilidade para você e o seus! Tem
aqui. – apontando e fazendo o clássico círculo vermelho em voltas.

Empregou os últimos trocados num preparatório, fez que fez nas horas (tantas horas) vagas e conseguiu o posto. Papéis, exames, fichas, farda e um ferro. Ganhou boas vindas.
Então, com o tempo que não foi tanto, passou a chutar flores e rasgar versos como quem busca, em desespero, distanciar-se. Um tanto quanto típico para o que é demais e considerado normal. Pelas ruas e horas, o pulso agora, além e um relógio, era firme com quem aparentava ir contra o bom andamento da sociedade, contra quem não era cidadão de bem. Uma atenção ao outro como se fosse um dos seus no quintal de casa. Ou cama de hospital que fosse. Cemitério! Que fosse!
Adentrava as horas folgadas entre amigos e, certeza e apenas certeza, era um dos atiradores de brincadeiras maldosas e criminosas. E ria dos outros. “Viado! Bicha do caralho! Cuzão! Na rua você é puta!” Um riso perverso, de homem que brinca de fazer sangrar. Tudo estranho, agitado. O outro era estranho e não media esforços para que esta estada na terra fosse, mediante ao não merecimento, abreviada. Com seu amor, um jeito disperso, displicente, jogado. Carinho, cuidado era passado. Um tanto de ciúme, sim, mas prontamente resolvido com toda violência que aprendeu a exercer. Na cama, o prazer de quem está só.
Amor mal feito, depressa, com as necessidades próprias, e apenas as próprias, sanadas. No leito que era sagrado para o amor e no suor que escorria dos corpos, agora vivia um. Com força desproporcional, não respeito e zelo. Com tapas que machucavam e se repetiam mesmo com o pedido de parar. O leito não era mais leito. As pressões do mundo chegam. Chegam! E aquele emprego pagava tão bem as contas. Estava tão certo. Será por tanto tempo. O amor, ainda na cama pela manhã, pensou sobre o quão diferente era aquele homem. Quanto tempo passava com o ferro e como o amava. Além! Como havia mudado desde que vivia com aquele objeto feito única e exclusivamente para matar! Nossa… como
mudou! Como permitiu abrir a fresta que sai o brutal. E pularam as lágrimas. Nela. Ele perdera seu eu no posto de trabalho. Apesar do dinheiro para o feijão e arroz na mesa, argumento tantas vezes dito pra justificar a sequência. Ele mudou! Macho demais! Violento demais!Sem o ferro não. Por quê? Aí caça pra cima. Olhe atento pra baixo.Fala com um. Com outro. Lê jornal. Aproveita as brechas. Enconde um “inimigo”.

Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Clube de Autores.

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