Feminismo e masculinidade(s)

o machismo mataPor Thiago Burckhart. 

O feminismo pode ser entendido como um movimento social, político e cultural que combate a lógica institucionalizada do machismo e patriarcado. Historicamente, o feminismo nasce enquanto luta de libertação das mulheres, ou seja, como um movimento comprometido com a causa de libertação de uma determinada parcela da sociedade que se via diretamente subjulgada aos ditames do patriarcado e que mais diretamente eram marcadas por sua condição.

No entanto, o desenvolvimento do feminismo fez com que o movimento se expandisse para a libertação de outros sujeitos para além da mulher. Hodiernamente, fala-se de um feminismo inclusivo, que congrega tanto mulheres como homens, que abre as portas para todos aqueles que se sentem diretamente oprimidos pelo machismo/patriarcado – apesar de que existem setores dentro do feminismo que não aceitam a participação de homens dentro do movimento.

O machismo mata

Já o machismo/patriarcado, entendido como a lógica hegemônica dominante, é um sistema de valores, representações e ações que não oprime somente as mulheres, mas toda a sociedade, incluindo também os homens. Pensado como um paradigma que teve por objetivo a dominação masculina, o machismo se converteu hoje em um sistema de opressão que é negativo para toda a sociedade, e não somente para parcela dela.

De fato, há que se ter em vista que o machismo/patriarcado oprime de forma direta todos aqueles que não se adequam ao padrão de indivíduo do poder, qual seja, homem branco, proprietário, heterossexual, cristão. No entanto, sutilmente impõe uma série de  representações e modos de agir que também são opressores aos próprios homens, pois impedem a libertação de seus corpos e de suas mentes. Pode-se dizer que o feitiço do patriarcado voltou-se contra o feiticeiro, pois impede que a emancipação seja posta em prática.

O machismo mata. Em certa circunstância essa frase se tornou um grito de guerra dos movimentos feministas, e que descreve a pura realidade. No entanto, o machismo também mata homens. As imposições de virilidade, autoritarismo, brutalidade e agressividade, que são típicas atribuições daqueles que se identificam com o gênero masculino, favorecem em muito a propagação de uma violência tanto contra mulheres quanto contra homens. Pierre Bourdieu afirmava que a dominação masculina ocorre em duas dimensões, tanto aquela sobre as mulheres, quanto aquela sobre outros homens, ou seja, o machismo também é nocivo aos próprios homens.

Os números de suicídios no mundo atestam que essa prática ocorre muito mais em homens que em mulheres. O sistema carcerário e os manicômios tanto no Brasil quanto no mundo estão abarrotados de homens, muito mais que mulheres. O número de rapazes jovens assassinados pela violência armada, bem como em confllitos bélicos, é muito maior que o de moças. A expectativa de vida dos homens é menor, em razão do tabu de ir ao médico. Existem mais homens dependentes de drogas como o álcool que mulheres.

Essa realidade nos evidencia que a opressão decorrente do machismo não tem por vítima sobre as mulheres e aqueles que historicamente foram marcados pela feminilidade (como a comunidade LGBT), mas também vitima os próprios homens.

O machismo se desenvolveu a partir do medo do feminino, dos sentimentos de carinho, compreensão, alteridade, dentre outros, tendo em vista que esses sentimentos podem desestruturar os pilares do próprio machismo, da construção subjetiva e objetiva do macho.

Assim, a(s) masculinidade(s) se desenvolveram num espaço de limitações afetivas e subjetivas que passaram a ser encaradas pelo machismo como tabus. Daí provém a famosa frase de que “homem não pode chorar” por exemplo, pois deve manter sua virilidade a qualquer custo. Desse modo, os homens viveram durante séculos presos em padrões que lhes impediram de desenvolver sua própria singularidade, sendo que aqueles que a deixavam desenvolver foram marginalizados.

Nesse sentido, ações como o movimento “Homens, libertem-se” apresentam a proposta de repensar esse modelo de masculidade hegemônica historicamente produzida, pois é algo letal para toda a sociedade. O movimento abre a discussão para novas masculinidades (contra-hegemônicas), que possam ser vividas com liberdade e alteridade.

Por um feminismo livre, democrático e emancipador

Os avanços do feminismo nos fizeram entender que o machismo não é uma atribuição única dos homens, mas é algo distribuído nas sociedades, entre homens e mulheres – pois, de fato, existem tanto mulheres quanto homens machistas. Nesse sentido, restringir a luta feminista, que é uma luta por igualdade, liberdade e emancipação a uma parcela determinada da sociedade não é positivo para a própria sociedade.

Discutir as mascunilidades nesse contexto e prezar por uma libertação dos homens de seu padrão de masculinidade hegemônica não é algo distante da luta feminista, mas com ela deve constantemente dialogar. Se o feminismo possui a proposta revolucionária de superar o patriarcado e construir uma sociedade que preze pela igualdade entre todos, o feminismo deve abrir-se cada vez mais para a participação de todos, sejam mulheres, homens, ou mesmo aqueles que não se identificam com nenhum desses dois gêneros, para que uma radical proposta de democratização seja possível.

Thiago Burckhart é estudante de Direito.

Imagem: Arquivo da internet

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.