Evo Morales e a preocupação ambiental com a Grande Abya Yala

Foto: R Martinez c./ABI
Foto: R Martínez c./ABI

Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

Há algum tempo leio e pesquiso sobre a experiência político-ambiental do governo de Evo Morales com o objetivo de compreender a diferença entre o viver bem e o viver melhor, para avançar em torno de reflexões sobre alternativas para um socialismo ecológico ancorado em vertentes da autogestão, do pensamento ecológico, da política ecológica, do desenvolvimento sustentável e, mais recentemente, da Economia Solidária.

À medida que fiz pesquisas no tangente às diferenças entre o “Vivir Bien” e o “Vivir Mejor” alcancei a dimensão conceitual de outros campos e de experiências ainda mais profundas na gestão do presidente indígena, como, por exemplo, o respeito à Abya Yala. Tudo isso somente foi possível a partir do “Vivir Bien”, documento oficial elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores da Bolívia.

No referido documento são elaborados amplos debates sobre as temáticas, a saber:

  • Viver bem não é o mesmo que viver melhor;
  • Mandato dos Povos e Nações Indígenas Originários dos Estados do Mundo;
  • Estratégia de reconstrução do Bem Viver para salvar à Mãe Terra e à humanidade;
  • Os Dez Mandamentos para salvar o Planeta, a humanidade e a vida;
  • A Terra não nos pertence, nós pertencemos a Terra;
  • Referendum Mundial e Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática para escolher a cultura da Vida ou a cultura da morte;
  • É fundamental a construção entre todos do Plano Nacional de Vida;
  • Trabalhamos para alcançar o Viver Bem;
  • Temos decidido voltar a nosso caminho, recuperar nossos valores, recuperar nossos códigos;
  • Há dois anos do Governo pela Vida;
  • Os Guerreiros do Arco Íris;
  • Sumak Kawsay – o Bem Viver;
  • Qamaña – o Bem Viver;
  • O Bem Viver como cultura da Vida;
  • Soberania das Comunidades;
  • Comunidades Urbanas para Viver Bem;
  • Fortaleçamos nossa espiritualidade;
  • As Leis da Natureza;
  • Entre o Desenvolvimento com Identidade e o Viver Bem;
  • Viver Bem como solução para a Crise Global.

 Ao longo de todas as pesquisas e reflexões, percebi que a maior contribuição de Evo para a Bolívia será a construção de uma arquitetura mental social do povo acerca de outras lógicas de produção e de desenvolvimento que propiciem o crescimento de forma sustentável. Com o governo Morales, o bem viver tem se desenvolvido como cultura que dará sustentação à vida e essa filosofia já começa a incomodar aos países que estão no comando imperialista e, também, àqueles que, ainda que não sejam chefes da grande máquina imperial, de alguma forma, estão sob a égide do eterno desejo de chegada ao poder imperialista para o domínio de outros povos. Esse desejo está presente na ascensão de governos de direita afeitos à privatização da vida em países como Brasil e Argentina, na América do Sul, que sempre estiveram enfeitiçados pelas epistemologias de saberes e valores do Norte, em especial, dos Estados Unidos e da Europa.

Para o brasileiro alicerçado na semiótica neoliberal de desenvolvimento, as concepções político-ambientais de Evo emperram o progresso e afundam a Bolívia no subdesenvolvimento, mas, aquele que já conseguiu se libertar do paradigma capitalista de produção, consegue enxergar na relação das políticas econômicas e ambientais do governo boliviano, alternativas reais para um socialismo ecológico que possibilite a justiça em mão dupla, a social e a ambiental.

Desde a primeira gestão, Evo colocou em prática a perspectiva dupla de justiça social e ambiental, sempre levando em conta que as duas estão interligadas e que não é possível haver justiça social se a terra, a mãe de todos nós, não é respeitada.

Essa concepção do cuidado em relação à Grande Pachamama de Evo Morales não se limita somente ao solo boliviano, mas a toda Abya Yala.  No que se refere ao termo Abya Yala, é oportuno mencionar que esta é a nomeação dada à América por alguns povos indígenas do Panamá e da Colômbia bem antes da vinda de Cristóvão Colombo ao Continente Americano. Esse nome quer dizer Terra em plena maturidade e cheguei a essa ideia a partir de trecho do livro “Encuentros en los Senderos de Abya Yala”, de Miguel Ángel López Hernández.

Essa noção de Grande América – Abya Yala – é preocupante para países como Estados Unidos e deve ser por isso que a Bolívia é tão desprezada pelos EUA e por seus apoiadores, dentre eles, o Brasil. No caso brasileiro a rechaça sempre se dá, em maior força, durante gestões de governos de direita, vira-latas externos e xenófobos internos no que tange às questões latino-americanas.

Ocorre que o cuidado de Evo no tangente a todo o continente americano não se apoia nas bases conceituais do imperialismo. É o contrário, a partir do governo de Evo nasce uma cultura do respeito no que concerne à mãe terra em concepção de rede. Ele nos mostra que é preciso e urgente pensar as questões ambientais para a Bolívia, para toda Abya Yala e, também, para todo o Planeta, já que tudo está interligado, em uma imensa teia de relações.

No documento “Vivir Bien”, Ele deixa bem clara sua preocupação não somente com a Bolívia, mas em relação a todo o continente, quando apresenta o seguinte: é uma alegria saber que nós, de Abya Yala, seguimos existindo. Nós vivíamos, compartilhávamos nossos territórios como irmãos. Logo, nos dividiram, com bandeiras, com hinos. Porém, apesar de tudo, nós, de Abya Yala, estamos em um grande encontro. Muitos se perguntam o que será Abya Yala, e muitos dirão agora o que é realmente Abya Yala, o que era realmente Abya Yala. Na Bolívia, durante 500 anos, trataram de fazer com que sumíssemos e com que desaparecesse nossa língua aymara. Apesar dos 500 anos de exploração, seguimos falando aymara. Aymaraj parlasipkaqtanwa. Nossos usos e costumes resistiram durante séculos. Seguimos praticando formas próprias de organização, que não somente garantem o equilíbrio entre as pessoas, mas, também, entre o homem e a natureza.

A partir da leitura do “Vivir Bien” de Evo, percebe-se que para ele explicar a crise ambiental pela qual passa a Bolívia e todo o Planeta, de forma crítica, nos esclarece que o Ocidente está destruindo a natureza, que o mundo confundiu desenvolvimento com exploração do petróleo, que a crise energética nos obriga a pensar alternativas e, portanto, é imprescindível voltar a ser Qamiri.

Para entender o que é voltar a ser Qamiri, é necessário intelectar o que o documento “Vivir Bien” apresenta: frente a esta crise da civilização ocidental, na Bolívia, temos decidido voltar a nosso caminho, recuperar nossos valores, recuperar nossos códigos. Nós aymaras temos dito que temos que voltar novamente a ser qamiri. Qamiri é uma pessoa que vive bem. Os quechuas têm dito: temos que voltar a ser qhapaj. Qhapaj é uma pessoa que vive bem. Os guaranis têm dito o mesmo: nós queremos voltar a ser iyambae. Iyambae é uma pessoa que não tem lei, é uma pessoa que vive bem, que se desenvolve naturalmente, sem estar submetida a ninguém. Nós temos dito em aymara que temos que voltar a nosso thaqi – caminho em espanhol. Em quechua, que temos que voltar a nosso yan. Temos que voltar a nosso tape, disseram os guaranis. Temos decidido voltar a nosso caminho, a esse caminho de equilíbrio, não somente entre as pessoas, mas, também, entre o homem e a natureza.

Referências usadas para a elaboração do texto:

“Vivir Bien”, Ministério das Relações Exteriores da Bolívia.

Encuentros en los Senderos de Abya Yala, de Miguel Ángel López Hernández.

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