EUA: Reajuste, desregulação, privatização, demissão e quebra

Por Norberto Emmerich.

Tomado de O Diario.info

Reajustamento, desregulação, privatizações, demissões e fechamentos nos Estados Unidos

Uma das vias através das quais o capitalismo procura superar a actual crise é a da destruição de direitos sociais. Este artigo contém importante informação acerca da violência dessa ofensiva de classe nos EUA.

Os Estados da União estão, um após outro, a desenvolver políticas ortodoxas de ajustamento neoliberal e esta semana o próprio presidente Obama deu a conhecer pormenores do seu plano para reduzir drasticamente a regulação económica, parte integrante do esforço para eliminar todas as restrições à actividade das grandes empresas.

Este esquema desregulatório da Casa Branca integra-se na viragem à direita da administração democrata desencadeado em consequência do resultado eleitoral de 2010.

O chefe de departamento do Departamento de Informação e Ajustamentos Regulatórios, Cass Sunstein, converteu-se no porta-voz desta política, fazendo apelo a todo o léxico disponível da ultra-direita norte-americana. Sustentou que o seu trabalho tem como objectivo “salvar os dólares do sector privado e desbloquear o crescimento económico através da eliminação de medidas de regulação injustificadas”.

Um dos aspectos da política de desregulação do governo democrata tem o seu epicentro na Occupational Safety and Health Administration (OSHA), o departamento do governo federal encarregado da supervisão dos acidentes de trabalho. Sunstein comunicou que as novas normas “eliminarão mais de 1,9 milhões de horas anuais de tarefas redundantes de prestação de informação pelos empresários e pouparão mais de $40 milhões de custos anuais. As empresas deixarão de ter a seu cargo a obrigação de preencher formulários do governo [relativos a acidentes de trabalho] desnecessários”.

O relatório de 2011 da AFL-CIO, designado “Dead on the Job” (“Morto no trabalho”) assinala que “em 2009, segundo dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho, 4.340 trabalhadores morreram no seu posto de trabalho – uma média de 12 trabalhadores mortos diariamente -, e calcula-se que 50 mil trabalhadores morreram em consequência de doenças profissionais. Foram indicados mais de 4,1 milhões de acidentes relacionados com o trabalho e com doenças profissionais, mas trata-se de um número que peca por defeito. A dimensão real dos danos provocados por acidentes de trabalho é duas a três vezes superior – cerca de 8 a 12 milhões de lesões e doenças provocadas pelo trabalho em cada ano”.

Tal como foi concluído pela investigação acerca do desastre mineiro de Upper Big Branch, no qual 29 mineiros morreram em Abril de 2010, as empresas violam por sistema as regras básicas de segurança, pondo diariamente em perigo a vida e a segurança dos trabalhadores.

A Casa Branca não faz nada mais do que associar-se à vaga de ajustamentos orçamentais que percorre todo o país e que, em contraste com a política de ataque directo contra os trabalhadores de que Cass Sunstein é porta-voz, opta por uma estratégia de ataque indirecto, tomando como prioridade o sistema educativo.

No próximo dia 1 de Julho tem início o novo ano fiscal e as legislaturas estaduais estão a trabalhara a toda a velocidade para concretizar acordos bipartidários em torno de novos orçamentos de ajustamento. Argumentam com a redução dos défices que sobrecarregam as economias do interior, mas o que realmente pretendem é estabelecer uma moldura estratégica de políticas que lhes permita aumentar a margem de lucro das empresas no quadro da crise.

No Texas o acordo nas duas câmaras concluído em 16 de Maio impõe cortes drásticos na educação, na saúde e noutros serviços sociais. Existe alguma preocupação entre o pessoal político texano, porque a alternativa de impor despedimentos em massa e o encerramento de escolas, hospitais e lares de terceira idade deixaria intocada uma avultada soma em dinheiro pertencente ao Rainy Day Fund, o fundo estatal para a prevenção dos efeitos dos tornados que ascende a 9 mil milhões de dólares. O governador republicano Rick Terry, um agente dos multimilionários desprovido de complexos, já anunciou que se oporá a qualquer projecto de lei que inclua verbas do Fundo de Reserva, embora ele próprio já tenha utilizado dinheiros do fundo em projectos seus.

Embora sejam os republicanos quem domina ambas as câmaras da legislatura estatal, os democratas não manifestaram qualquer oposição séria face aos cortes nos programas sociais.

Muitos dos distritos escolares locais prevêem cortes no financiamento estatal na ordem de milhares de milhões e propuseram despedimentos de pessoal e outras reduções nos programas. Alguns distritos escolares queixam-se de que estão a ser forçados a um tal volume de despedimentos que estão em vias de ultrapassar o número máximo de alunos por professor autorizado pela lei.

No que diz respeito ao ensino superior, os cortes nos subsídios às universidades, nas bolsas e noutros programas de apoio irão repercutir-se no aumento das matrículas. A Universidade Tecnológica do Texas, uma das maiores do Estado, informou já que irá efectuar este ano 800 despedimentos, cerca de 5% do seu pessoal total, em resultado do corte de fundos. Outras universidades anunciaram igualmente despedimentos e aumentos de matrículas.

Por seu lado o governador democrata de Nova Iorque, Andrew Cuomo, prevê um corte de $1,3 mil milhões na educação, ao mesmo tempo que elimina a chamada “sobretaxa” aos milionários, remetendo 5 mil milhões de dólares para o bolso dos grandes empresários.

O Sindicato de Professores do Estado de Nova Iorque calcula que haverá 3.500 profissionais despedidos. A Aliança para a Qualidade da Educação relatou que em 88% dos 700 distritos escolares está a haver despedimentos de pessoal escolar: conselheiros, bibliotecários, pessoal de apoio e professores.

O Estado do Nevada, por seu lado, vai à frente nos indicadores de desemprego, falências e execuções de hipotecas, e tem um défice orçamental que atinge 54% do orçamento total do Estado, a percentagem mais alta do país.

Brian Sandoval, o republicano que recentemente assumiu o cargo de governador, propôs um orçamento de $ 5,8 mil milhões para os próximos dois anos, um valor idêntico ao do período 2007-2008. Projecta reduzir a educação K-12 (inicial, primária e secundária) em $270 por estudante, e no ensino superior efectuar um corte total $162 milhões de dólares.

Este corte $162 milhões de dólares que Sandoval propõe implica duas opções: se se concretiza através de despedimentos pressupõe a eliminação de 1.850 professores e outro pessoal; se for coberto através do aumento das matrículas estas teriam, no caso típico da Universidade de Nevada, Las Vegas (UNLV), de passar dos actuais $ 6.574 para $ 10.744, um aumento de mais de 60%.

Já foram feitos cortes importantes no ensino superior no Nevada. O orçamento da Universidade de Nevada em Reno teve uma redução de $ 44 milhões, ou seja de 20%, desde 2009. Daqui resultou o despedimento de mais de 100 professores e funcionários e a eliminação definitiva de 400 postos de trabalhos, o encerramento de vinte e três programas de licenciatura e o aumento de 28% na valor da matrícula. Com a nova proposta de orçamento deverão ser eliminados os programas de teatro e de dança bem como o programa de licenciatura em francês.

O défice orçamental no Nevada tem feito os trabalhadores e os estudantes sair à rua com frequência, protestando contra os ataques contra as suas condições de vida. Desde o passado mês de Março os protestos sucedem-se diariamente.

Nas últimas semanas os administradores das escolas comunitárias do condado de Plymouth, a oeste de Detroit, enviaram aos professores 269 notificações de despedimento. Embora alguns deles possam vir a ser de novo contratados após uma reestruturação maciça, centenas de pessoas ficarão sem trabalho.

A Fiegel Elementary School, a escola com maior possibilidade de se deparar com o encerramento, é a casa de muitos estudantes oriundos de famílias de baixos rendimentos que habitam próximo. Se a instituição fechar, os pais e os educadores ver-se-ão na necessidade de encontrar formas de transportar as crianças para uma das quatro escolas das proximidades. Serão quebrados os laços há muito estabelecidos entre estudantes, pais, professores e outro pessoal.

Em Ann Arbor, que fica perto, sede da Universidade de Michigan, o distrito escolar enfrenta cortes orçamentais de $ 15,1 milhões para o ano escolar de 2011/2012. A administração planeia despedir cerca de 70 professores, eliminar o transporte dos estudantes do secundário, cortar o financiamento de programas desportivos, concentrar vários serviços de administração e despedir os vigilantes.

Segundo o governador do Michigan, Rick Snyder, o orçamento da educação reduziria a despesa por aluno das escolas K-12 num total de $ 470 dólares – combinando $ 300 dólares em cortes estaduais e $ 170 dólares em fundos federais. Isto equivale a uma redução de 8 a 10% no financiamento da maioria dos distritos do Estado. A câmara de representantes do Michigan propõe fazer cortes ainda maiores. Segundo o seu plano o financiamento estatal e federal total teria uma redução que atingiria os 501 dólares por estudante.

Os legisladores democratas colocaram algumas objecções aos cortes em preparação, mas estão de acordo com os seus colegas republicanos no sentido de que deve haver cortes. Tal como sucede com o partido no plano nacional, os democratas do Michigan apoiam a “reforma educativa” isto é, a introdução de salários baseados no “mérito”, a revogação da valorização do tempo de exercício docente e a concretização de avaliações que conduzam à identificação de “escolas falhadas”, que ou serão encerradas ou objecto de despedimentos maciços, ou serão transformadas em escolas “charter”.

O partido democrata, que controla o município de Detroit, pôs novos cortes na agenda. O Conselho propõe cortar outros $ 65 milhões na despesa, para além da redução de 200 milhões de dólares já contida no orçamento apresentado em Abril pelo presidente da câmara David Bing.

Entre as áreas objecto de cortes encontram-se os transportes públicos, os bombeiros e a polícia. O orçamento contém igualmente enormes reduções no financiamento das instituições culturais de Detroit como o Instituto de Artes de Detroit (DIA), o Museu Histórico de Detroit e o Museu Charles H. Wright de História Afro-americana.

Os democratas de Illinois, que controlam ambas as câmaras da Assembleia geral, estão de acordo em que o défice do Estado será combatido sobretudo através de cortes no sistema de saúde, na educação, nas indemnizações aos trabalhadores e na ajuda aos municípios.

A Câmara pretende também reduzir os pagamentos aos hospitais do sistema Medicaid num montante de $ 463 milhões, o que terá um efeito devastador em muitos hospitais. Prevê-se também, embora integrado num outro projecto de lei, a redução dos honorários pagos aos médicos pela assistência às vítimas de acidentes de trabalho.

O porta-voz democrata da Câmara, Michael Madigan, manifestando o seu desprezo pelos muitos trabalhadores que sofrem acidentes no desempenho das suas tarefas disse: “hoje em dia as compensações aos trabalhadores são um entendimento de conveniência entre os médicos, os advogados e por vezes os sindicatos que não defendem os verdadeiros interesses dos trabalhadores. Creio que isto deve ser alterado”.

Os legisladores da Florida, por seu lado, votaram na sexta-feira 13 de Maio no sentido de colocar um limite aos pagamentos de Medicaid, que sustentam o sistema de saúde, substituindo o actual sistema de reembolsos pagos por serviços. Esta legislação irá alterar profundamente a qualidade e a disponibilidade da assistência médica aos 2,9 milhões de beneficiários de Medicaid naquele Estado.

Esta medida constitui a iniciativa mais radical proposta até agora pela elite dirigente em qualquer Estado com a finalidade de liquidar o Medicaid, o programa de seguros de saúde destinado aos pobres e financiado aos níveis estatal e federal. Os defensores deste projecto de lei afirmam, absurdamente, que o novo sistema poupará ao Estado $ 100 milhões de dólares, sem afectar a qualidade e a disponibilidade da assistência.

Na Pensilvânia, em consequência da brutal proposta de orçamento do governador Tom Corbett que retira $ 1,2 mil milhões de fundos à educação pública, o distrito escolar de Filadélfia encontra-se perante um défice de 629 milhões de dólares.

Para fazer face a esta situação, o distrito escolar irá aumentar o número de alunos por turma, redimensionar as turmas de arte e de humanidades, substituir os programas de creche de dia inteiro por programas de meio-dia, e despedir 3.820 funcionários. Acaba com o transporte em autocarro, e desaparecem também os passes SEPTA para 45.000 estudantes de escolas públicas e privadas.

Entregou alguns dos seus edifícios aos operadores de escolas “charter”, várias das quais se transformaram em “Academias Promessa” (“Promise Academies”), que recebem fundos adicionais para compensar horários escolares mais alargados, mais anos de escola e trabalhar aos sábados. Mesmo assim, até estas escolas irão ver-se afectadas por cortes de $ 200 por estudante.

Ao mesmo tempo, o governador concessionou mais terras do Estado para a expansão da indústria do gás natural e sugeriu inclusivamente que, para compensar os cortes, as universidades estatais abram as suas sedes às empresas de gás natural. Seis das 14 escolas do sistema estatal encontram-se em terrenos da plataforma Marcelo, a formação rochosa subterrânea que constitui o foco do desenvolvimento energético na Pensilvânia. Tom Corbett recebeu da indústria de gás natural $ 1 milhão de dólares em fundos de campanha.

Em 16 de Maio Jerry Brown, governador democrata da Califórnia, deu a conhecer o seu projecto de orçamento conhecido como a “revisão de Maio” no qual se esforça para diminuir o défice através de medidas fiscais regressivas contra a classe operária, num montante de $ 9,1 mil milhões.

Ameaçou avançar com milhares de milhões mais de cortes na educação K-12 e noutros serviços sociais se as suas propostas fiscais não fossem aprovadas. Ao mesmo tempo, consagra milhares de milhões de dólares em isenções fiscais às grandes empresas.

Estas novas medidas vêm somar-se aos mais de $ 8 mil milhões de cortes já aprovados pela legislatura no decurso deste ano. Estes cortes, aprovados com o apoio dos democratas no Senado no passado Março, incluem $ 1 mil milhões de CalWorks, o programa de assistência ao trabalho na Califórnia; 1,7 mil milhões de dólares em práticas médicas, o programa estatal de seguro de saúde para os moradores pobres; e $ 1,4 mil milhões no ensino superior. O emprego estatal reduziu-se também em 5.500 empregos, e 70 parques estaduais foram encerrados.

Deste panorama desolador apenas se destaca Vermont, que se converterá no primeiro Estado a oferecer um sistema de saúde de pagador único, o que deixa de fora as empresas de seguros de saúde, que são a causa principal do aumento dos custos da saúde nos EUA. Num sistema de pagador único podem intervir operadores de saúde tanto públicos como privados, como sempre têm feito. Mas em vez de ser o paciente ou a sua empresa de seguro de saúde a pagar o serviço, este é pago pelo Estado. Isto significa, basicamente, que existirá Medicare para todos: ele abrange toda a população. E isto pode ser feito, mesmo no meio de uma crise, mesmo no quadro do capitalismo, porque o objectivo dos planos de reajustamento que estão em curso nos EUA não é reduzir o défice fiscal, mas desfechar um golpe político estratégico contra a classe operária americana, de modo a preservar e aumentar a taxa de lucro em qualquer dos cenários possíveis.

Imagem: Prensa Livre

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