Eu, Sofia e os cartões-postais. Por Claudia Weinman.

Por Claudia Weinman, para Desacato. info.

Eu conheci Sócrates, Aristóteles e Platão, aos 10 anos de idade. Chegaram de carona, viajantes em folhas novinhas. Condição excêntrica, se é que se pode dizer assim. Coisa de outro mundo. A gente morava lá no roçado da linha Parda. Na verdade, não tinha esse nome, a encruzilhada é que definia que a Parda onde encontraram a onça pela primeira vez, ficava mais para baixo. O caminho para a nossa casa nunca teve endereço assim, com algum nome próprio ou coisa do tipo. Eu chamava de Parda, queria um nome, embora até hoje se conheça como lugar perto de tal coisa, do lado da fazenda tal ou na divisa com o município aquele.

Mas bem, as palavras chegaram-me como inéditas. Meu Deus, que fascínio. Eu pegava o livro e descia lá perto da sombra de uma porção de árvores que rodeavam a casa. A Sofia tornou-se uma companhia, não tínhamos durante a semana, criançada perto para brincar ou alguém com quem a gente pudesse se divertir e trocar uma bola depois da escola. Então ela transformou-se em um sentimento e eu, tornei-me naquele tempo, bem dependente dela. Gostava das partes em que a personagem assomava com a história de um jeito mais protagonizado, me entendem? Quando o autor introduzia o mundo das ideias e começava a mencionar coisas platônicas, ou elementar sobre Jesus Cristo e Sócrates, minha gente… eu lia rapidinho pois queria chegar na Cabana do Major e entender o destino de Sofia, mas, Jostein Gaarder não me dava trégua, botava logo o “homem no centro”, a Filosofia em Atenas e perguntava-me sobre: Quem é você? E seguia dizendo: “o adivinho tenta adivinhar algo que na verdade não dá para adivinhar”.

Minha cabeça começou a dizer que era preciso anotar algumas coisas. Então surgiram  termos como do “pós-escrito” e as palavras do poeta alemão Johann Wolfgang Von Goethe: “Quem de três milênios, não é capaz de se dar conta, vive na ignorância, na sombra, à mercê dos dias, do tempo”. Fui para a escola e lá comecei a perguntar sobre essas coisas todas estranhas que eu estava descobrindo nas folhas que cheiravam coisa de comer. Uma professora de inglês levou-me até um professor de filosofia da mesma escola, pois ela achou muito incomum a situação toda no meio da aula dela. Ele não me recebeu no momento e mandou um recado para a professora que até hoje eu lembro. Ele disse que eu devia ser meio, como chamam hoje os adolescentes: “fora da casinha”. Ele até pediu uma conversa, mas, boa fama não tinha, nem eu confiava tanto, então, ele também nunca conversou comigo e nem teve interesse em falar sobre o contexto todo que eu estava descobrindo. Ele devia ter caminhado naquele mundo comigo, talvez só por um momento, caso o seu tempo fosse tão limitado assim, mas, nada bem, aqui estamos.

Observação: Sabem que não consegui esquecer do professor? Todo ano, na feira de ciências, ele ajudava a montar a Caverna de Platão e passava os dias beijando as meninas lá dentro, no escuro.

Continuando…

Não levaram à sério e eu fui encontrar a filosofia anos mais tarde, no ensino médio. Foi uma reunião bonita aquela nossa. Passava horas pensando em qual filósofo eu me identificava mais, diziam que o fulano era liberal, o outro nem tanto e assim por diante. A essa altura eu ainda sigo refletindo sobre não ficar “flutuando no espaço vazio” e manter sempre um posicionamento diante do que a gente acredita nessa vida.

Lembrei disso tudo pois fiquei distante desse livro por alguns anos. Eu até havia deixado de lado o fato de que ele fez parte da minha adolescência. Eu demorei muito para ler até o final (que não existe na verdade, ou existe? É finito, não é? agora me perdi). Bem sinceramente, não terminei a leitura. O livro foi um momento tão bonito da minha vida que não quero fechá-lo. Não agora, pelo menos, deixa ele aberto na minha memória, para que me contagie de bons pensamentos. Deixa que ele seja essa coisa gostosa de contar e viver.

Era como se cada página tivesse a duração de uma eternidade e de verdade, eu nem sei bem quanto tempo isso significa. Então, descobri que o livro, que foi a companhia de um momento da minha pequena história, estava na prateleira de livros da casa do meu irmão do meio, o Fabio, e vocês nem imaginam a reivindicação pelo direito ao livro que eu fiz. O problema disso, é que a dedicatória, escrita à lápis, pelo meu irmão mais velho, está bem assim: “à família Weinman, de seu irmão e filho, Carlos Weinman”. Estou solicitando neste momento uma dedicatória à caneta, endereçada à minha pessoa, por garantia, caso for.

A gente brinca, sorri e anda pela vida, procurando essas memórias nos cartões-postais, para além da Sofia que teria passado dias “sem receber os cartões de seu professor de filosofia. Era feriado nacional na Noruega“. Também aguardo alguns escritos, embora passe mais tempo, escrevendo respostas.

Se o livro é bom ou não? É uma referência ou não? Não consigo responder. Quem sabe tenha um/a professor/a de filosofia que não se omita, dessa vez, em viajar nesse mundo comigo.

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Claudia Weinman é jornalista, vice-presidenta da Cooperativa Comunicacional Sul. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).

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