Estudantes da Unesp podem ser multados em 10 mil reais por se manifestar

Nesta segunda-feira (9/10) quatro estudantes da Unesp de Marília receberam em suas casas a visita de uma oficial de justiça com um interdito proibitório que está sendo movido com o objetivo de impedir que participem de manifestações políticas na universidade.

O documento prevê um pagamento de multa no valor de R$10.000,00 por dia para caso participem de manifestações que venham a impedir ou interromper o acesso e circulação dentro da Unesp. Além disso, ainda autoriza a entrada da polícia no campus para deter – reprimir- a participação desses estudantes em manifestações:
“autorizo desde já o concurso da força policial, que deverá proceder com a cautela e energia que a situação requer, com vistas a evitar toda e qualquer invasão à área do Campus de Marília da Unesp ou atos que venham a impedir o livre acesso às dependências da referida universidade” (trecho do documento).

Em primeiro lugar é preciso ressaltar que estes quatro estudantes jamais participaram de qualquer manifestação sozinhos, ou que não fosse deliberação da instância máxima de decisão, ou seja, as assembleias gerais estudantis. Desta forma, configura-se um processo claro de perseguição política arbitrária de estudantes escolhidos a dedo.

Em segundo, é preciso compreender o contexto em que este interdito proibitório é movido.

O contexto

Em 2017, no primeiro ano da atual gestão administrativa, a Direção da FFC trouxe à tona um processo de sindicâncias que prevê punições como advertências, suspensões e expulsões de 35 estudantes pela suposta participação em uma manifestação política.

A manifestação consistia em uma paralisação com trancaço em apoio às mais de 200 ocupações de escolas organizadas por estudantes secundaristas no Estado de São Paulo contra o fechamento de salas, turnos e escolas da proposta do governo chamada “Reorganização Escolar”, além de reivindicar pautas relativas à permanência estudantil. Este ato ocorreu há dois anos. Em todo este período jamais nenhum estudante foi ouvido, e não era de conhecimento da comunidade este processo que se demonstra absolutamente inconsistente, baseado em acusações sem fundamento e está repleto de erros e informações contraditórias.

Também durante este ano de 2017 a polícia militar foi autorizada a entrar algumas vezes no campus, revistando alunos, e com presença intimidadora às portas de assembleias estudantis e eventos acadêmicos com debates de esquerda.

Em um contexto mais amplo, em diversas cidades do país vereadores buscam aprovar o “Escola sem partido”, projeto de censura ideológica da esquerda e da presença de debates formativos de combate a opressões raciais, de gênero e sexualidade. Ao mesmo é aprovado o Ensino Religioso no ensino básico, assistimos ao culto religioso ocorrido na câmara no Rio de Janeiro, casos de violência a religiões de matriz afro-brasileira, tentativa de aprovação de liminar do projeto da “Cura-gay”, e uma série de outras políticas reacionárias e de direita. 

A reitoria e a direção da Unesp de Marília são vozes da ditadura

A Unesp possui uma forma administrativa na qual nos órgãos colegiados, onde se decide, por exemplo, para quais setores serão destinados os recursos, há uma casta minoritária que possui 70% de peso nas decisões: os professores. Os estudantes e os funcionários, que são a grande maioria da universidade, possuem apenas 15% de peso decisório cada um.

O regimento de funcionamento da Unesp atual foi escrito e implantado no período da ditadura militar no Brasil, e seu texto tem clara inspiração em documentos da época como o AI 5. Seus dispositivos são amplamente contraditórios à Constituição Federal de 1988.

Por exemplo, no regimento disciplinar consta ser proibido a organização e manifestação político-partidária ou religiosa, é proibido também segundo o regimento afixar cartazes fora do local destinado, bem como “ferir a moral e os bons costumes”. É exatamente este artigo absolutamente inconstitucional que vêm sendo utilizado como fundamento pela Reitoria e pela Direção do campus de Marília para perseguição política dos estudantes.

Não é de se espantar que em um documento herdado da ditadura militar a censura ideológica e a proibição política de quem contesta o governo e a ordem sejam a lei. 
Contudo, é de se ressaltar que nos últimos anos a Unesp se utiliza exatamente destes fundamentos ditatoriais e anti democráticos para uso indiscriminado tendo como alvo principal aqueles estudantes que barraram o PIMESP e conquistaram as cotas raciais em 2013, aqueles que lutaram contra o fechamento de escolas do governo Alckmin em 2015, e aqueles que lutaram pelo acesso e permanência dos estudantes oriundos da classe trabalhadora pobre. É absolutamente desproporcional e menor as punições, por exemplo, em relação a casos sérios como trotes violentos e assédios sexuais. 

As sindicâncias e o interdito proibitório são manifestações de censura política e ideológica

Em um contexto em que ressoam pelo país propostas de censura ideológica, e no campus com presença cada vez mais constante da polícia militar, de sindicâncias vindas à tona dois anos depois num processo feito de forma escura, baseadas no regimento da ditadura que proíbe manifestação político-partidária, o interdito proibitório não pode ser lido de outra forma que não seja a última e mais acabada expressão de um processo reacionário de censura ideológica na Unesp, e de perseguição política à esquerda.

O uso do judiciário e autorização da polícia a agir contra o movimento estudantil que vem se manifestando para barrar a repressão das sindicâncias e contra os cortes de verbas na universidade demonstram enormes retrocessos ao direito básico de livre manifestação e debate de ideias.

Mesmo após debate sobre o tema em congregação, a polícia continua marcando presença na Unesp. Na última vez, viaturas foram vistas passando devagar em frente a evento acadêmico que ocorria no anfiteatro e que discutia a teoria do socialismo. A direção do campus de Marília faz coro ao “Escola sem partido”.

Pedimos toda forma de solidariedade contra as sindicâncias e o interdito proibitório, com moções de apoio, campanhas de fotos, e quaisquer outras formas, pois o avanço dessa repressão significa um avanço contra nosso direito de luta e resistência de todos os trabalhadores e estudantes.

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