“Estrutura da Funai é insuficiente para lidar com conflito fundiário em Mato Grosso do Sul”

Por Alex Rodrigues.

A atual estrutura da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Mato Grosso do Sul é insuficiente para lidar com o conflito entre comunidades indígenas e proprietários rurais. A afirmação é da própria coordenadora regional do órgão em Dourados, Maria Aparecida Mendes de Oliveira. Localizada na região sul do estado, onde o conflito fundiário é mais intenso, Dourados é a segunda maior cidade sul-mato-grossense.

“A demanda de trabalho é muito grande. Mesmo nas oito reservas indígenas já demarcadas no estado, que abrigam uma grande população, há vulnerabilidade social. E nas áreas menores, onde a densidade demográfica acaba sendo muito alta [devido ao número de habitantes em relação ao tamanho da área], há guetos habitados por uma população étnica desassistida pelo Estado brasileiro, o que leva a um grau de fragilidade muito alto”, disse Maria Aparecida à Agência Brasil durante a visita de integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias e da Frente Parlamentar Pelos Povos Indígenas ao estado, no último final de semana.

“Por isso é importante a vinda dos parlamentares à região. Abrir espaço para ouvir quem vivencia esta situação de conflito é fundamental e permite aos nossos representantes sentir de perto e compreender a situação que os índios vivenciam. E também a fragilidade da própria Funai neste momento de conflito e tensionamento”, declarou a coordenadora.

Entidades ligadas à causa indígena e órgãos governamentais apontam Mato Grosso do Sul como o estado mais perigoso para os índios viverem. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 250 indígenas foram mortos em Mato Grosso do Sul nos últimos oito anos. Embora muitas destas mortes sejam resultado de crimes comuns, como brigas entre os próprios moradores de uma comunidade, a maioria está ligada à luta pela terra que índios e fazendeiros travam há décadas. E, para especialistas, muitos dos crimes entre índios são consequência da situação de confinamento em reservas cuja área se tornou insuficiente para abrigar a todos, da falta de perspectivas ou da perda da identidade cultural, que, entre coisas, ocasiona a derrocada dos tradicionais mecanismos de mediação de conflitos internos.

“Eles são vítimas da miséria, da fome e do preconceito. Isso acaba por contribuir para a violência interna, de índios contra índios, o que tem contribuído para o crescimento da população carcerária indígena”, comentou Maria Aparecida, comparando a condenação de índios por crimes comuns à demora para que os denunciados por crimes contra os indígenas sejam levados à júri.

“Há uma lentidão por parte da Justiça para julgar os culpados pelas mortes dos índios [vítimas do conflito fundiário que se arrasta há décadas]. A cada nova ocorrência é aberto um inquérito policial. Alguns avançam, mas, de 28 processos judiciais, apenas dois foram à júri”, lembrou a coordenadora, referindo-se aos casos de Marçal de Souza e de Marcos Veron.

Também conhecido como Tupã-Ie, Souza foi assassinado em 25 de novembro de 1983, na Aldeia Compestre Ypê, localizada no município de Antônio João (MS), na fronteira do Brasil com o Paraguai. O fazendeiro, Líbero Monteiro de Lima, acusado de ser o mandante da morte do líder guarani foi absolvido em dois julgamentos. O capataz de Líbero, Rômulo Gamarra, acusado de ser o executor do crime, chegou a ser preso, mas também acabou absolvido.

O segundo julgamento a que ela se refere é o dos acusados pela morte do cacique Guarani Kaiowá, Marcos Veron, e de outros cinco índios. Veron foi morto a coronhadas por seguranças contratados para desocupar a Fazenda Brasília do Sul, em Juti (MS), em fevereiro de 2003. Os acusados Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e Estevão Romero foram inocentados pela morte de Veron, mas condenados por sequestros, tortura, lesão corporal e formação de quadrilha. Coube recurso à decisão, mas a reportagem não conseguiu confirmar se a defesa questionou a determinação da Justiça.

O Ministério Público Federal (MPF) vai pedir que a Justiça Federal responsabilize o Estado brasileiro pela atual situação dos cerca de 50 mil índios Guarani Kaiowá que vivem em Mato Grosso do Sul.

Em 2009, a Agência Brasil já havia publicado uma série de matérias sobre os conflitos fundiários na região. O especial Duas realidades sobre o mesmo chão mostra as contradições em uma área onde indígenas em condições precárias vivem ao lado de latifúndios prósperos.

* O repórter viajou a convite da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

Fonte: Notícias UOL

Imagem: Assomasul

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