Estou com um problema, minha memória denuncia. Por Elenira Vilela

Foto: Facebook

Publicado no FB em 12 de janeiro de 2016

Por Elenira Vilela.

Episódios que tenho lembrado de forma recorrente neste verão:

Em 1997, eu e meu companheiro da época, dois ferrados sem grana, resolvemos tentar ganhar alguma no carnaval montando uma barraca de venda de bebidas. Tinha que se inscrever, cumprir alguns poucos critérios, preencher formulários, participar de um sorteio. Passamos por todas as etapas e chegou o dia em que a Secretaria ia distribuir as credenciais e especificar o tamanho da barraca, divulgar o resultado do sorteio de onde cada credenciado poderia ficar. De repente, no meio da reunião uma informação que não esperávamos: todos éramos obrigados a comprar e só poderíamos vender uma única marca de cerveja e refrigerantes. Havia um contrato de exclusividade assinado pela prefeitura com uma determinada marca e já nos deram as informações de como e de quem compraríamos tudo. Não, não íamos trabalhar dentro da Passarela, íamos montar uma barraca na rua, no nosso caso, ela foi montada na Praça da Alfândega. Pois é, governo da Angela Amin.

Não acho que isso diminua em nada o absurdo da tentativa de contrato de exclusividade para o verão do Juninho, mas é preciso que os críticos de plantão se lembrem que ele é responsável por continuar, mas todos os anteriores pelo menos da Amin para cá também precisam ser responsabilizados.

E tudo isso que aconteceu, como a intervenção do Ministério Público e o retrocesso da decisão, me mostra que as coisas estão melhorando e o patrimonialismo está realmente diminuindo. Há o que se comemorar quando o público é tratado como público, mesmo sabendo que só quando há fiscalização isso acontece.

Em 2012, lá por abril se a minha memória não falha (e ela anda falhando muito) tivemos acesso a um relatório de um técnico da CASAN sobre a situação do tratamento de esgoto na cidade e na região. A conclusão do relatório? Nenhuma, isso mesmo, nenhuma das estações de tratamento de esgoto na capital cumpria o mínimo padrão de qualidade e norma técnica. Não tinham licenciamento ambiental, não respeitavam a norma quanto à qualidade do efluente despejado nos rios, supostamente depois de tratados. Me lembro que nesse relatório havia fotos, fotos que mostravam que o local onde as máquinas da CASAN recebiam manutenção não tinha recolhimento de óleo que vazava e contaminava o mar e os lençois freáticos, havia uma foto de uma mulher trabalhando de chinelos e shorts mexendo nos tanques com a água contaminada com uma vara comprida, sem nenhum equipamento de segurança e proteção, em outra foto havia um cavalo pastando ao lado dos tanques.

Tudo era muito assustador e foi denunciado. Aconteceram manifestações públicas, participamos das reuniões do Conselho de saneamento exigindo providências, várias audiências públicas foram convocadas pelo então Deputado Estadual Amauri Soares. Já naquela época a Associação de Moradores de Canasvieiras trazia levantamentos mostrando que o número de dias em que havia mais pontos impróprios para banho do que próprios era enorme e isso já prejudicava a vida e o tal do turismo no local. Era o governo do Dário que terminava. Na época a cobertura da mídia sobre o problema era muito discreta, próxima do inexistente.

É óbvio que as denúncias tiveram tanta repercussão não exatamente porque o problema está grave e se agravou substancialmente nesse período, mas porque um certo Gean Loureiro, aproveita sua participação no governo para tentar desqualificar seu oponente para a eleição deste ano.

Dias atrás, o Galinas, presidente da CASAN escreveu artigo assinado publicado no DC louvando os avanços e a qualidade do trabalho da empresa, que conseguiu segundo ele evitar a falta de água na cidade no pior período do ano, aquela semana entre Natal e Reveillón. Conseguiu também ampliar muito a rede coletora em Florianópolis e região. Bom, é verdade, a rede coletora foi bastante ampliada, a partir de um substancial investimento do governo federal, diga-se de passagem.

Restaram “apenas” dois probleminhas: a rede coleta e leva o esgoto para onde, já que as estações de tratamento que existem não funcionam e se funcionassem não seriam suficientes para nem próximo da demanda existente? E o outro é que o povo não liga a porcaria das suas casas e condomínios na rede e continua jogando o esgoto em rios e córregos.

Mas o pior de tudo é que boa parte do investimento na rede de “merdoduto” foi criada com a expectativa de construção de uma solução “definitiva” para o problema de saneamento da ilha: dois emissários submarinos, um nos Inlgeses e outro no Campeche. Sim, você leu direitinho, a suposta solução é jogar o esgoto no mar, ameaçando, por exemplo, a reserva marinha do Arvoredo, a única do tipo no país. Engraçado é que o tal Gallina é do PMDB, partido do Gean que está tentando tirar uns pontos do Juninho para a eleição municipal, que é do PSD, partido do Governador Colombo (cotado como segundo melhor do país depois de massacrar trabalhadores da saúde, da educação e da segurança e de detonar com o estado mantendo aquele closet inteiro de empregos que são as secretarias regionais – queria saber quem são os marcianos que aprovam esse governo de merda), com o qual o PMDB de Gean está coligado e por isso esteve por um tempo à frente da FATMA, empresa que simplesmente constata que a água está imprópria e também não faz nada. Lembrando que esse governo foi reeleito já no primeiro turno, então somos todos responsáveis pelo que ele faz.

Tendo essa lembrança fica fácil perceber que todas essas medidas emergenciais são hipocrisia pura, já que nada do que acontece agora aconteceu por causa de alguma tragédia, mas simplesmente pelo transbordamento de problemas conhecidos, falta de investimento, prioridades deliberadas, como vender títulos da empresa na Bolsa e lucrar com isso. Exatamente como Alckmin fez com a Sabesp e se lá o problema que estourou foi a falta d’água, aqui foi o esgoto (apesar de que convivemos com falta de água há anos também em vários pontos do estado).

Aliás, lá em 2012 nós já sabíamos que o turismo não gera nem tanto emprego, nem tanta renda como se imagina. E, principalmente, não gera arrecadação para a prefeitura, porque a maioria das pessoas que aluga suas casas não o faz de forma legal e, portanto, não paga os impostos correspondentes. Mas essas mesmas pessoas querem que a prefeitura ofereça toda a infraestrutura para receber os turistas, mas não quer dar a sua contribuição, que é devida por lei, para que a prefeitura possa construir alguma parte dessa infra. Aí fica complicado, porque todo mundo é muito bom em cobrar que os outros cumpram seus deveres. Principalmente criticar os políticos virou frase fácil na boca de qualquer um, tenha ele moral ou não para fazer a tal cobrança. Mas olhar para suas próprias obrigações e fazer a sua parte, bom… aí fica complicado… aí o pessoal esquece, se distrai…
E, por último, temos que pensar o que queremos para nossa cidade, que tem a maior parte do seu território em uma ilha e essa ilha tem boa parte do seu território como área de preservação. Queremos continuar ganhando aquele dinheiro fácil na temporada, com aquele puxadinho ou saindo e alugando a casa por uma fortuna e deixando que em uma casa onde normalmente moram 4 ou 5 pessoas 15 ou 20 turistas?

Queremos continuar andando somente de carro e achando que tudo bem fazer ciclovia, calçada ou faixa exclusiva de ônibus desde que construa aquele viaduto para eu poder continuar indo da sala para o quarto de carro? E que eu não tenha que construir a calçada em frente a minha casa?

Eu vou me dispor a ir na próxima audiência pública sobre saneamento? Vou na próxima manifestação dos professores que continuam vendo escolas serem fechadas e seus salários cada vez mais achatados e com cada vez mais aulas para dar, mais alunos em cada sala e menos condição de estudar e trabalhar? Eu vou no milhonêsimo debate sobre o Plano Diretor e depois vou à Câmara de Vereadores para que seja aprovado como o povo debateu?

Vou à porta da prefeitura brigar para que a lei da participação nas definições sobre esse plano seja respeitada?
Vou pensar que talvez seja preciso ganhar menos dinheiro com aquele aluguel e topar que a preservação é uma prioridade e é necessário pensar em políticas democráticas que limitem a ocupação na ilha, tanto a permanente quanto a sazonal?
Vou pensar que a tal lei da preservação vale para mim também e que eu não tenho que esperar a fiscalização para preservar? Ou que essa lei não vale somente para pobres e que aquele restaurante de luxo, aquele resort e aquele condomínio tem que ser derrubados porque foram construídos em área de preservação?

Enfim, precisamos definir coletivamente que cidade queremos e isso custará muito debate e se não participarmos, quem irá decidir por nós vai ter outros interesses.

A partir de todo esse debate precisamos escolher governantes melhores, que estejam comprometidos com esse projeto coletivo, projeto esse que vai tirar algum espaço meu sim. E não podemos continuar votando em troca de qualquer coisa, uma consulta médica, uma cesta básica, nem mesmo naquele cara que disse que me arruma um emprego, porque pagamos muito caro por esse voto depois. E estamos pagando.

Os políticos que temos atuando aqui em Florianópolis, em sua grande maioria, são atrelados aos interesses das grandes construtoras, de empresários que exploram a cidade e seus moradores, sua natureza e sua beleza, sem querer saber se isso trará desconforto, sofrimento e doença. Mas nós votamos neles, não só prefeito e governador, mas os vereadores e deputados também. E depois lhes damos boas notas e boa avaliação, porque temos vergonha de admitir que erramos e preferimos – sem saber de nada – colocar toda a culpa na Dilma. Isso é fácil, mas os problemas só tem crescido e agora tá ficando cada vez mais difícil se enganar, fechar os olhos e o nariz para o que está acontecendo.

Será que já não passou da hora de ouvirmos aqueles que estão há décadas avisando que isso ia acontecer. Aquele que você tratou como ecochato, como o cara que tentou te tirar do seu conforto, o militante de esquerda, que escrevia muito, falava muito e você só queria se divertir? A diversão vai acabar…

Se você leu isso tudo até o fim, provavelmente essas críticas não são para você. Porque há sim muitas pessoas mobilizadas, com militância e consciência ecológica e de classe. Mas nós também temos que melhorar, chegar em mais gente, estarmos mais organizados e com menos picuinhas entre nós.

Nosso paraíso está em perigo, já está deixando de ser o paraíso. E já quase não é nosso…
Nossa cidade, nosso povo pede socorro… Mas somente o próprio povo organizado poderá nos socorrer!

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