Estimado Calor Humano,

Estimado Calor Humano,

Meu nome é Carência Afetiva, mas pode me chamar de Iva. Você não me conhece, mas – perdoe se isso te parecer estranho – nós nascemos um para o outro. Pronto, falei.

Olha, vou te confessar uma coisa, eu te procurei por todos os becos desse mundão de Deus. Fiz promessa, simpatia, reza, despacho, coloquei anúncio em jornal, li livros sobre anjos, astros e destinos. Nada.

Tentei a sorte nas pedras, palitos e cartas. Nada. Você nunca deu as caras, pelo menos não assim, pessoalmente. Os amigos me aconselham a esquecer, a tocar a vida, dizem que existem coisas mais importantes e toda aquela lenga-lenga de quem já esqueceu o essencial. Mas eu não esqueço porque te amo. Viu? Eu digo tudo na lata.

E na lata te digo mais: eu te amo, mas não sou boba. Esse seu joguinho de esconde-esconde, além um pouco infantil e muito covarde, cansa. Você precisa tomar uma atitude, rapaz, precisa encarar a vida e mostrar a que veio. Afinal, eu sei, todo mundo sabe, ninguém mais quer saber de você.

Calor Humano, eis uma verdade incontestável: você saiu de moda, bobão. Pouca gente te procura e, quando te encontra, passa batido. Você tá por baixo. Numa terra dominada pelos yuppies, terra de poses e números, frieza e desumanidade são fertilizantes da fortuna e você, querido Calor Humano, é uma erva daninha.

Numa terra onde se vende felicidade, não se compra Calor Humano. Não se compra porque o mercado, juiz supremo, diz que você não vale nada. Todos dizem que você não vale nada. É hora, portanto, de dar uma resposta e aparecer.

Aparece e a gente se salva junto, criatura. Pare de fugir, porque desse jeito você vai acabar sozinho, imaginando tudo o que poderia ter vivido comigo e não viveu. E aí, um belo dia, sem aviso, a ficha vai cair e você cairá junto.

Agressiva, eu? É o meu jeito, é a minha natureza. Espero que esta carta chegue às suas mãos. Não a queime e, por favor, responda. É o mínimo que você pode fazer. Afinal, eu só estou nesta situação porque você vive se fazendo de difícil. Sua ausência é a razão da minha agonia.

Com estima,

sua Iva

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Por Fernando Evangelista, jornalista, diretor da Doc Dois Filmes. Escreve todas as terças-feiras. Do autor, neste mesmo estilo de crônica, você pode ler Estimada Alma Gêmea.

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