Estatuto do Desarmamento evita 133 mil mortes em dez anos de vigência

Por Luciano Velleda

No momento em que o Estatuto do Desarmamento está sob ameaça no Congresso Nacional, com iniciativas parlamentares que buscam revogá-lo, o Mapa da Violência 2016 – homicídios por armas de fogo no Brasil, divulgado na última quinta-feira (25), mostra justamente a importância do Estatuto na redução do número de mortes por arma de fogo no Brasil. Segundo o estudo, cerca de 133 mil vidas foram poupadas entre 2004 (o primeiro ano em vigor do Estatuto) e 2014.

Para chegar a tal conclusão, os pesquisadores da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) observaram o ritmo de crescimento das taxas de homicídios por arma de fogo no período e observaram que, mantido o ritmo verificado entre os anos de 1997 e 2003, em 2004 deveriam ser esperados 38.578 homicídios, mas ocorreram 34.187 – um total de 4.391 mortos a menos. A fonte é o Subsistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS).

Para o ano de 2005, o modelo aplicado indicava que 40.666 assassinatos com armas de fogo seriam cometidos, mas foram registrados 33.419 – representando 7.247 vidas poupadas. Somadas às vidas salvas em 2004, foram evitados, até 2005, em função das políticas de controle, um total de 11.638 homicídios.

Os pesquisadores seguiram utilizando o método até o ano de 2014, quando, se a tendência de crescimento do período pré-estatuto tivesse sido mantida, deveriam ocorrer 59.464 homicídios por arma de fogo, mas foram registrados 42.291. Somando todo o período de 2004 a 2014, o estudo mostra que 133.987 vidas foram poupadas a partir da vigência do Estatuto.

“O Mapa da Violência 2016 mostra que, com o Estatuto do Desarmamento, embora os homicídios sejam crescentes, passou a haver uma desaceleração deste crescimento. Isto é uma constatação relevante, no momento em que o Congresso recebe propostas para acabar com o Estatuto”, afirma a pesquisadora Jacqueline Sinhoreto, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da universidade.

Para ela, os resultados do Estatuto só serão ainda melhores com a maior participação da sociedade, em conjunto com a estratégica ação da polícia. “A sociedade precisa querer se desarmar, e a polícia precisa combater o contrabando de armas. É preciso haver uma adesão ativa da sociedade, com pessoas que deixem de comprar e de usar armas.”

Apesar do impacto positivo do Estatuto, Jacqueline pondera que é preciso ir além para realmente enfrentar a questão dos altos índices de homicídios causados por armas de fogo no país. “O desarmamento é importante, deu resultado, mas é parcial. É preciso políticas públicas para efetivamente reduzir a violência. É preciso haver um pacto de redução de homicídios e, neste sentido, é preocupante ouvir o atual ministro da Justiça dizer que não vai levar o pacto adiante. Se o ministro abrir mão de tentar, é muito grave”, disse ela, em referência ao ministro interino Alexandre de Moraes que, logo após assumir o cargo, declarou que a questão dos homicídios é responsabilidade exclusiva dos estados.

Para ter-se uma ideia do que o uso de armas de fogo representa no Brasil, em 1980, elas foram usadas para cometer 43,9% dos homicídios. Nessa época, de acordo com o estudo, a maior parte dos assassinatos ainda era cometida pelo uso de força física, por facas, afogamento ou sufocação. Até 1983, o índice cai para 36,8%, praticamente um em cada três homicídios. No entanto, a partir de 1983, inicia uma escalada que vai até 2003, quando as armas de fogo já são responsáveis por 70,8% dos homicídios.

A partir de 2004, a situação se estabiliza e, nos 10 anos seguintes, praticamente se fica na faixa de 71%. Segundo os pesquisadores do Mapa da Violência, isto significa que “num longo período anterior à promulgação das políticas de controle de armas de fogo, sua utilização para a resolução de conflitos teve um acentuado crescimento, com o consequente agravamento da letalidade dos conflitos”.

As regiões mais violentas

Jacqueline Sinhoreto destaca que a violência com armas de fogo no Brasil é localizada, um fato que pode facilitar a adoção de políticas públicas. “Na medida em que o problema é focalizado, é possível ter políticas com resultados muito bons. Isto facilita a intervenção. A questão é que não é prioridade”, avalia.

O Mapa da Violência 2016 aponta a região Nordeste com as maiores taxas de homicídios por armas de fogo em quase todos os anos da década analisada. A taxa média da região, em 2014, de 32,8 homicídios para cada 100 mil habitantes, é bem superior a taxa da região Centro-Oeste, a segunda mais violenta, com 26 homicídios para 100 mil.

Entre as seis capitais com as maiores taxas, em 2014, todas são do Nordeste:  Fortaleza, Maceió, São Luís, João Pessoa, Natal e Aracaju. A região teve o maior crescimento médio no período: 89,2%. Quando analisados os municípios mais violentos, entre os dez primeiros, nove são nordestinos. O líder inglório é Mata de São João, na Bahia, com a assombrosa taxa média de 102,9 homicídios para cada 100 mil habitantes. Em segundo está Murici, em Alagoas, com 100,7 homicídios para cada 100 mil. Na sequência, pela ordem, estão Satuba (AL), Conde (PB), Eusébio (CE), Pilar (AL), Ananindeua (PA – o único município fora da região Nordeste entre os dez mais violentos), Simões Filho (BA), Pojuca (BA) e Lauro de Freitas (BA).

O perfil da vítima

Do total de mortes por armas de fogo no Brasil, entre os anos de 1980 e 2014, 85,8% foram causadas por homicídio. No período, quase um milhão de brasileiros perderam suas vidas em decorrência de disparo de algum tipo de arma de fogo. Foram 8.710 vítimas em 1980, e 44.861 em 2014, um estrondoso aumento de 415,1%.

Apesar do número alarmante, o estudo mostra que não é a população como um todo que sofre essa violência. O perfil da vítima é focalizado, com nítidos recortes de raça, idade, território e condição social – são negros, jovens e pobres. Os homens são quase a totalidade das vítimas, representando 94,4% na média nacional.

A faixa etária de 15 a 29 anos de idade é a mais atingida. Foram 3.159 vítimas em 1980, e 25.255 em 2014, um crescimento de 699,5%. No geral, as vítimas jovens representaram 59,7% em 2014, com o pico da mortalidade acontecendo aos 20 anos de idade, quando os homicídios atingem a marca de 67,4 mortes para cada 100 mil jovens.

Os dados do Mapa da Violência evidenciam também a disparidade entre as vítimas de cor branca e negra. Enquanto entre os anos de 2003 e 2014 houve uma redução de 26,1% dos homicídios por arma de fogo contra a população branca, no mesmo período ocorreu um aumento de 46,9% na população negra.

Fonte: Sul21

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