Espanhóis vão às urnas em cenário marcado por novos partidos e declínio do bipartidarismo

Por Victoria Azevedo, Múrcia.

Com o surgimento de dois partidos novos no cenário político, “Ciudadanos” e “Podemos”, os partidos tradicionais “Partido Socialista Obrero Español” (PSOE) e o “Partido Popular” (PP) vêm perder força o bipartidarismo marcante da democracia espanhola.

Com casos de corrupção que eclodiram na última gestão, o partido tradicional e de direita, PP, tem perdido muitos votos para o Ciudadanos, que apresenta propostas similares ao partido tradicional, porém entra no cenário político como uma alternativa para a “política velha”.

EFE

Rajoy, em um dos últimos atos de campanha pelo PP: premiê tenta reeleição à frente do governo espanhol

Dessa mesma maneira, o partido socialista (PSOE) tem perdido muitos votos para o Podemos, coalizão formada por intelectuais de esquerda com amplas carreiras acadêmicas e que surgiu com a indignação popular frente à crise econômica que afetou a Espanha nos últimos anos.

Os colégios eleitorais abriram as portas às 9h (horário local, 6h em Brasília) e fecharão às 20h (17h) . Ao longo do dia, 36,5 milhões de pessoas aptas a votar foram convocadas para escolher os 350 deputados do Congresso e 208 senadores em um dos pleitos mais disputados em décadas na Espanha.

Nas últimas pesquisas eleitorais divulgadas o partido do atual primeiro-ministro, Mariano Rajoy (PP) continua em primeiro lugar, seguido pelo candidato Pedro Sánchez (PSOE). Depois, Albert Rivera (Ciudadanos) e em quarto lugar, Pablo Iglesias (Podemos).

Para o professor titular da Universidade Complutense de Madri, Rafael Rubio, a Espanha vive agora um cenário de mudanças, que com a força dos novos partidos, impulsionará uma maior participação de cidadãos votantes. “Segundo as pesquisas eleitorais, a participação será grande e pessoas que normalmente não votam, dessa vez vão fazê-lo. Sem dúvida o interesse pela política na Espanha cresceu nos últimos anos”, conta.

Para Rubio, os eventos recentes como as eleições catalãs e os atentados em Paris introduziram novos temas na agenda política, obrigando uma postura de cada candidato, e assim, “mudando o tom das campanhas eleitorais em suas últimas semanas”, explica.

Opera Mundi conversou com eleitores que estavam no centro da cidade de Múrcia, no sul da Espanha, sobre suas expectativas para o 20-D, sigla para este dia de votação.

Alberto Sánchez, 22, estudante de direito da universidade pública de Múrcia (UMU)

Para mim, o contexto político atual na Espanha é marcado pelo controle da mídia, que por sua vez é controlada pelo governo. Com o resultado das últimas pesquisas eleitorais, podemos ver que os partidos tradicionais perderam força, e, para mim, isso é um reflexo do cansaço do povo espanhol, que não aguenta mais escutar promessas e não ver mudanças na sociedade.

Vou votar no Podemos por dois motivos: o primeiro, pois as medidas que eles estão propondo para a Espanha estão de acordo com meus ideais e porque a meu ver são as que seriam mais efetivas. Segundo, pois será o único que fará esforços para mudar a sociedade.

Paqui Prior, 49, dona de casa

O contexto político na Espanha é algo que se repete sempre e não tem fim. Uma maioria que quer a mesma coisa: engordar seus bolsos. Eu acho que apesar da movimentação política com as campanhas eleitorais, depois que for anunciado o novo governo, tudo vai seguir igual ao que está agora.

Eu ainda não decidi o meu voto, porque apesar das propostas dos partidos se diferenciarem, ao final, tudo é a mesma coisa. Estou em dúvida em votar no PP ou o Ciudadanos. Me parece que o Ciudadanos está fazendo uma campanha eleitoral muito boa, e representa o novo, o povo está cansado da mesma política e da corrupção. Aqui prometem muito e fazem pouco, e agora ninguém aguenta mais isso.

José Manuel, 43, médico

O contexto político que a Espanha está vivenciando agora é complicado, porque é uma coisa nova, e está sujeita a muitas incertezas em relação aos resultados. As pessoas, em consequência da crise, agora têm uma visão diferente da sociedade e as coisas que influem em seu funcionamento, e por isso, estão apostando em forças distintas às tradicionais. Eu ainda não decidi em quem vou votar. Será ou no PP ou no Ciudadanos. Eu ainda tenho que dar uma lida nos programas de cada partido e pensar muito antes de votar, vou fazer isso nessa semana. Eu acho muito interessante que nesse ano surgiram mais partidos, porque isso gera um aquecimento do debate político e assim, obrigam os partidos tradicionais a revisarem suas atuações políticas nos últimos anos. Eu acho que na Espanha o que interessa agora são coisas internas. Os atentados de Paris e a crise dos refugiados, por exemplo, não vão afetar muito na maneira que vamos fazer política.

Acho que depois das eleições vamos ter um cenário que é impossível de prever agora, porque nada está definido ao certo. Estamos lidando com uma coisa que é nova para a gente. Mas uma coisa é certa: as mudanças que podem vir a acontecer na sociedade vão vir lentamente, não vai acontecer nenhuma revolução do dia para a noite.

Naima Boutahri, 21 , estudante de direito da universidade pública de Múrcia (UMU)

Eu enxergo o momento político que vivemos atualmente na Espanha como sendo muito interessante, porque mostra que o bipartidarismo entre PSOE e PP perdeu forças nos últimos tempos. As campanhas políticas estão dando vida ao debate político e fazendo com que muitas pessoas que antes não se interessavam pela discussão, passassem a dar importância a ela. O resultado das eleições catalãs e do que apontam as pesquisas eleitorais, mostram que o governo que for eleito terá que fazer coalizões com os demais partidos para implementar medidas eficazes.

A princípio vou votar no Podemos, porque representa os meus interesses ou ao menos os defendem. Os partidos tradicionais já nos mostraram que prometem e não cumprem depois, que governar uma coisa e promessas ao eleitorado é outra. E esse é um ponto a favor para os partidos emergentes.

Felix Talavera, 67, aposentado

O contexto político espanhol atual me dá medo, porque queremos mudar, mas eu acho que as pessoas mais novas não estão preparadas. O bipartidarismo tem perdido força nos últimos tempos e isso se torna evidente nas pesquisas eleitorais que têm sido publicadas.

O que acontece, a meu ver, é que muitos desses partidos emergentes são puramente demagogia e estão dizendo para as pessoas o que elas querem escutar, aproveitando que eles estão cansados dessa política, mas eu acho que isso não vai nos levar a lugar algum. Eu ainda não sei em quem vou votar, estou entre Ciudadanos e PP. O PP me demonstra que tem uma experiência e seriedade e o Ciudadanos pensa como o PP, mas tem mais vontade de fazer as coisas de outra maneira. Não votaria jamais no Podemos porque eles são a pura demagogia.

Blas Bernal, 59, professor

A política na Espanha precisa de uma mudança profunda em suas estruturas, para que assim os políticos corruptos e os que estão enganado o povo, desapareçam. O povo deve tomar o poder, e não essas pessoas. Já se pode ver na ruas que o bipartidarismo entre PSOE e PP já não tem tanta força e não tem o “carinho” do povo, que eles tanto citavam em suas campanhas políticas nos outros anos. Enxergo nos partidos políticos emergentes mais chances de mudanças na sociedade do que enxergo nos tradicionais, mas, em realidade, as mudanças de verdade acontecem nas ruas, com o povo se movimentando para que isso aconteça. Se não empurramos o povo, não vão acontecer essas mudanças. A direita agora quer aproveitar o episódio do que aconteceu com os atentados em Paris para continuar subjugando os povos do Oriente Médio, e se beneficiar com os lucros provenientes de uma guerra.

Javi Mármol, 43, economista

O contexto político que a Espanha vive agora por um lado é complicado, mas por outro é um aviso para os partidos tradicionais da Espanha, que agora se vem compelidos a competir de outra forma, atualizando e adequando seu jogo político para acompanhar as transformações da sociedade. Como demonstram os últimos comícios municipais e os resultados das pesquisas eleitorais, esse bipartidarismo tem perdido forças, e que no futuro poderemos ter um cenário político com muitas forças diferentes. Eu já tenho claríssimo em quem vou votar desde que sou pequeno. Sempre fui de esquerda e sou militante até hoje do PSOE. Eu acho que essa eleição vai ser muito acirrada até o final e os resultados vão estar com diferenças pequenas entre um partido e outro. No fim das contas, eu acho que de toda forma a sociedade espanhola vai mudar depois das eleições porque será preciso fazer uma política com pactos entre os partidos, e os pactos exigem que cada um faça concessões, e não unicamente o que cada um havia prometido em seus programas.

Fonte: Opera Mundi.

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