Espanha discute nova lei contra cicatrizes da ditadura franquista

Mural na cidade de Guernika, País Basco. Foto: Tali Feld Gleiser

Por Vitor Nuzzi, RBA.

São Paulo – Francisco Franco morreu há quase 45 anos, em novembro de 1975, mas seu espectro ainda ronda a política da Espanha. Ele emergiu ao poder ao final da Guerra Civil Espanhola, em 1939, dando início à ditadura franquista, e comandou a Espanha até a morte. Na semana que passou, o governo apresentou o chamado Anteprojeto de Lei de Memória Democrática. Para “reparação moral”, “recuperação da memória” e “garantias de não repetição” daquele período histórico.

Com 66 artigos, a lei proíbe, por exemplo, a “exaltação” do franquismo na Espanha. Responsáveis por ato em homenagem ao ditador poderão ser multados em até € 150 mil (aproximadamente R$ 930 mil, pelo câmbio atual). O ensino sobre esse período da história espanhola também poderá ser alterado nas escolas, com “atualização” de conteúdos curriculares, particularmente no ensino médio.

Perseguição e violência

“O objetivo desta lei é o reconhecimento dos que sofreram perseguição ou violência, por razões políticas, ideológicas, de consciência ou crença religiosa, de orientação e identidade sexual, durante o período compreendido entre o golpe de Estado de 1936, a Guerra Civil e a ditadura franquista, até a promulgação da Constituição de 1978”, diz o Conselho de Ministros na apresentação. “Trata-se de promover sua reparação moral e recuperar sua memória, e inclui repúdio e condenação do golpe de Estado de 18 de julho de 1936 e a posterior ditadura.”

Isso acontece quase um ano depois da exumação dos restos mortais do próprio Franco. Em outubro de 2019, ele deixou o Vale dos Caídos, em cujo mausoléu, que mandou construir, pretendia “desafiar o tempo e o esquecimento”. Agora, existe a intenção de tornar o local em um espaço de memória sobre o significado da ditadura franquista na história da Espanha.

Anulação de julgamentos

A lei retoma um debate interrompido em 2007, após a ascensão de governos conservadores na Espanha. Em 26 de dezembro daquele ano, entrou em vigor a Lei 52, reconhecendo direitos de quem sofreu perseguição e violência durante a guerra civil e a ditadura. “A nova norma trata, 13 anos depois, de incorporar algumas das medidas reclamadas desde então por associações de vítimas e por relatores da ONU”, diz reportagem do jornal El País.

Uma das reivindicações, agora incluída, é tornar “nulos de pleno direito” todos os julgamentos sumários feitos na época franquista. Além disso, associações que fazem apologia àquele período deverão ser postas na ilegalidade – como a própria Fundação Francisco Franco. Também se pretende mapear valas comuns e intensificar o processo de exumação de vítimas, com a criação de um banco nacional de DNA, para identificação.

Um ponto polêmico é a criação de um órgão de “fiscalização” da memória democrática e para coordenar o processo de justiça e reparação. O Estado deve assegurar o direito à investigação de violações de direitos humanos. Mas, quanto a possíveis punições, há limites impostos por uma lei de anistia, aprovada em 1977.

Civilização assassinada

Uma das lembranças mais icônicas – e dolorosas – da Guerra Civil é o quadro Guernica, de Pablo Picasso. O artista fez o quadro em dois meses, logo depois do bombardeio da cidade do País Basco, destruída pelos alemães, aliados de Franco, em abril de 1937. O pintor, que morava em Paris, falou em “assassinato da civilização” e advertiu que Guernica só entraria na Espanha com a volta da democracia.

Foi o que aconteceu. O monumental mural (de 3,5 metros por 7,8 metros, aproximadamente) chegou ao país natal de Picasso em 10 de setembro de 1981, três anos após a Constituição, seis anos depois da morte de Franco e oito depois da morte do próprio pintor. Foi primeiro para o Museu do Prado, em Madri, e desde 1992 está na Sala 206 do Museu Reina Sofía, também na capital. Um exemplo de memória viva.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.