Espaços de convivência, a alma da cidade

Por Magali Moser.

Foi a melhor acolhida que poderia ter. Porto Alegre me recebeu com um sol radiante (que se estendeu por toda minha permanência) e uma peça de teatro de rua no coração da cidade – não bastasse o esperado reencontro com uma querida amiga de infância. Sentada no chão, em frente ao Mercado Municipal, meu entusiasmo com os artistas amenizava o desconforto com o calor do meio-dia. Grande oportunidade para conhecer o trabalho da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê, responsável por colorir ainda mais meu dia. A vibração com o espetáculo do grupo e com a ocupação e vitalidade do Largo Glênio Peres me conduziu para uma inevitável reflexão sobre o uso dos espaços públicos, especialmente após o episódio registrado no início do mês na mesma praça que servia de palco para a trupe gaúcha.

A mobilização do dia 5 de outubro começou de forma pacífica e acabou com muita gente ferida. Jovens foram às ruas protestar contra o prefeito José Fortunati (PDT) – acusado de ter privatizado diversos espaços públicos de Porto Alegre, como o Largo Glênio Peres e o auditório Araújo Vianna, ambos patrocinados pela Coca-Cola. Na ocasião, policiais militares repreenderam os jovens, na defesa do mascote símbolo da Copa do Mundo de 2014. O boneco gigante de um tatu patrocinado pela Coca-Cola foi desinflado pelos manifestantes.

O episódio não se resume ao boneco depredado, como querem nos fazer acreditar alguns veículos de comunicação. O caso é emblemático e sintetiza a maneira como são tratados espaços que deveriam ser democráticos e de pleno convívio social. A privatização de ruas e praças, com os condomínios fechados, torna-se cada vez mais comum em todo o país. O uso de grades em espaços públicos, como estratégia para a vedação e possibilidade de cerceamento desses locais, também.

Se em Porto Alegre, a marca Coca Cola ofusca a paisagem urbana e a privatização do espaço público é uma ameaça para a convivência coletiva, em Blumenau as restrições ao uso das praças também deveriam chocar. A lei aprovada em 2009 de autoria do vereador Fábio Fiedler (PSD), que proíbe o consumo de bebida alcóolica em parques esconde um viés preconceituoso. Sob o argumento de “garantir mais segurança aos frequentadores de praças”, reserva várias exceções: “Ficam fora desta restrição o período de Oktoberfest, as reuniões de Stammtisch e a Festa Oficial de Réveillon da prefeitura de Blumenau. A lei também garante a atividade de estabelecimentos comerciais anexos aos parques e praças. Dentro dos limites físicos destes locais, beber continua permitido.” No parque é proibido. Mas ali ao lado dele, na choperia do Ramiro Ruediger, para citar o exemplo mais clássico, é possível consumir quantas cevas quiser. Como explicar tanta incoerência? Ambas políticas, em Blumenau ou em PoA, têm em comum um viés que prioriza a vida em espaços vigiados e privatizados ou nos chamados espaços semipúblicos, como os shopping centers.

O lugar público deve ser concebido como um espaço urbano acessível onde se produz o encontro com a diversidade. As cidades em geral precisam de mais espaços de convivência coletiva. Há de se frear o individualismo iminente e retomar uma vida mais comunitária, em que as pessoas conversem, se conheçam. É preciso romper com a ideia de ficar dentro dos nossos micro-espaços, isolados. Sendo a praça lugar de sociabilidade e integração por excelência, onde transitam as mais variadas pessoas, de todas as tribos e classes, é local privilegiado para a experiência do convívio com a diferença. É a diversidade que enriquece a vida, amplia o pensamento, acrescenta conhecimentos, cores, aromas, sabores.

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