Esgoto doméstico ameaça rio da Madre e praia da Guarda do Embaú, em Palhoça

Nem pedidos da Justiça conseguem garantir a proteção do badalado balneário

Placa da Fatma não indica a qualidade da água
Placa da Fatma não indica a qualidade da água

Por Lúcio Lambranho e Maurício Frighetto.

Ícone do turismo catarinense e reconhecida internacionalmente como uma das melhores praias do Brasil, a Guarda do Embaú, em Palhoça, acumula um histórico de pelo menos 11 anos de descaso com o meio ambiente e a saúde pública. Sem coleta e tratamento de água e esgotos domésticos, o balneário não recebeu da prefeitura ação efetiva para proteger do rio da Madre na última década. Único acesso para a faixa de areia disputada por veranistas na temporada, o rio recebe esgoto por ligações clandestinas à rede pluvial ou pelo sistema de fossas que se mistura com o lençol freático, além do lixo sólido acumulado ao longo do seu leito.

Desde abril deste ano, uma sentença da Justiça Federal, que acatou um pedido do Ministério Público Federal em Santa Catarina, obrigou a prefeitura a implantar um sistema completo de tratamento de esgoto sanitário, deixar de emitir novos alvarás para construção de residências ou áreas comerciais e recuperar a qualidade do rio da Madre.

Entre 2011 e este ano, pelo menos um terço das amostras coletadas pela Fatma (Fundação Estadual do Meio Ambiente) demostraram a presença de coliformes fecais acima de limite permitido.

Apesar de ter dois anos de prazo para criar o sistema de tratamento de esgoto, passados mais de cinco meses da decisão judicial, o município não apresentou nenhum plano para resolver o problema. Ao contrário, recorreu da decisão no TRF4 (Tribunal Regional da 4ª Região) em agosto para tentar derrubar as obrigações impostas pelo juiz federal Marcelo Krás Borges.

Desde 2002, a prefeitura firmou três convênios com a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e com o Ministério das Cidades para saneamento básico e recebeu R$ 2,7 milhões. Um quarto convênio, específico para o esgoto da Guarda, foi cancelado antes mesmo do recurso chegar ao município.

Segundo análise feita pela perícia do MPF, a prefeitura, sem consultar a fundação ou sem ter justificativa técnica, mudou o projeto aprovado e aumentou o total de obra para mais de R$ 1 milhão. Este ato, segundo a Funasa, impediu a criação da rede coletora e transferência do recurso.

A prefeitura alegou que o custo extra seria necessário porque moradores pediram para que a estação não fosse construída na SC-433, que liga as praias da Pinheira e do Sonho. A ideia era fazer a obra na Vila da Guarda. Mas então teria que ser feita em um “sistema mais compacto” e com maior custo (leia o histórico abaixo).

playa

Segundo Marcos Marcos Aurélio Gungel, o Kito, presidente da Associação de Surfe e Preservação da Guarda, as reclamações vêm desde 1980. “Primeiro, a água ficava imprópria no Réveillon; depois, no Réveillon e no Carnaval; depois, no verão todo. Agora, varia bastante”. O descrédito dos moradores é resultado de projetos que não saíram do papel. Na areia da praia, há dois esqueletos do que seriam elevatórias do projeto cancelado pela Funasa. Mas nos dois tubos de concreto estão se acumulando apenas água da chuva e lixo.

Prefeitura diz que vai implantar rede em até dois anos. 

A prefeitura de Palhoça engrossa a lista de promessas sobre a criação de um sistema de saneamento básico ao não apresentar um projeto específico para a praia da Guarda e a recuperação do Rio da Madre. Em resposta à reportagem, a atual administração afirma que vai “implantar a rede coletora em até dois anos”, conforme determina a decisão da Justiça e vem “elaborando vários projetos, principalmente para o desenvolvimento sustentável e com o máximo de preservação da natureza e o ambiente natural num todo”.

Mas ao contrário da informada preocupação ambiental, a Prefeitura disse que recorreu da decisão de primeira instância no TRF da 4ª Região, pois apesar de não existir sistema ou projeto de saneamento básico para a Guarda, quer ter de volta o poder de emitir licenças de construção para novos empreendimentos na região. “Recorreu porque se torna uma ingerência administrativa pública a proibição para liberação de alvarás e licenças para construções”, diz a nota enviada ao ND.

Sobre a recuperação do Rio da Madre, o município informa que está lacrando ligações clandestinas de esgoto por meio da Secretaria de Obras, um dos pedidos do MPF acatado na decisão da Justiça Federal e ainda realizao cadastro das ocupações em áreas de APPs (Áreas de Preservação Permanente) do manancial e que trabalho é executado pela empresa GeoMais. Contratada por licitação ainda em 2009, a empresa recebeu da Prefeitura R$ 2,1 milhões entre 2010 e 2013 para ações de aerolevantamento, levantamento cadastral, implantação de sistema de informações geográficas e geoprocessamento.

O ND tentou ouvir o Ministério das Cidades, mas não houve resposta aos pedidos da reportagem.

Cano de esgoto denuncia a ligação clandestina em córrego que desemboca no rio da Madre

Onze anos de descaso

O primeiro registro de problemas na praia, depois que o relatório da Fatma apontou o Rio da Madre como impróprio para o banho, foi em 11 de janeiro de 2002. Acionada pelo MPF (Ministério Público Federal), a Casan informou que não tinha “estudo e nem projeto de sistema de esgoto sanitário”. “Acreditamos que a poluição que chega ao Rio da Madre provém dos despejos clandestinos na rede de águas pluviais”, dizia a nota da estatal de saneamento.

A Prefeitura de Palhoça informou que iria licitar obras para a região sul do município e que o projeto seria garantido por convênio com a Funasa (Fundação Nacional de Saúde). Ao analisar os documentos do convênio, a perícia do MPF mostrou que a ação tratava apenas de uma rede coletora, sem dimensionar ou incluir estação de tratamento e estações elevatórias que poderiam garantir a preservação do rio e da praia.

Além disso, segundo a perícia, a Prefeitura, sem consultar a Funasa ou sem ter justificativa técnica, mudou o projeto aprovado e aumentou ao total de obra em mais de R$ 1 milhão Este ato, segundo a Fundação, inviabilizou a criação da rede coletora. A prefeitura alegou que o custo extra era necessário porque moradores pediram para que a estação não fosse construída na SC-433, que liga as praias da Pinheira e do Sonho. A ideia era fazer a obra na Vila da Praia da Guarda. Ali, por ter menos espaço teria que fazer um “sistema mais compacto”.

Cano de esgoto denuncia a ligação clandestina
Cano de esgoto denuncia a ligação clandestina

Em 2004, o MPF alertava que não havia nenhuma prestação de contas sobre o convênio. Em resposta, a prefeitura informou que “parte da obra” já tinha sido concluída e que a estação de tratamento de esgoto seria licitada “o mais breve possível”.

A colocação apenas dos canos sem a ligação a uma rede e a criação de uma estação de tratamento geraram outro laudo negativo da Fatma para a praia em 2 de dezembro de 2005.A contaminação dos pontos coletados indicava contaminação por fezes humanas.

Nas reuniões como o MPF, a Prefeitura pediu mais tempo alegando que iria romper com a Casan e criar uma empresa municipal para dar conta das obras de saneamento. No documento, a administração informava que a empresa não tinha atendido a cidade, que estava em uma “situação vexatória” com apenas 0,90% de tratamento de esgoto sanitário.

Em 2007, a Prefeitura decidiu não renovar a concessão com a Casan. A partir da criação da Águas de Palhoça, diz a ação ajuizada pelo MPF em 2011, manteve-se a “situação calamitosa” gerada pela falta de um sistema de esgoto na praia, apesar das promessas.

A Fundação de Meio Ambiente, também ré na ação, informou que não tinha condições de proteger o Rio da Madre. Em fevereiro de 2011 moradores registravam que o esgoto ao céu aberto “assustava os turistas”.

Em maio de 2010, o MPSC, depois de uma investigação de seis meses na Operação Cambirela, prendeu oito pessoas envolvidas em fraudes por cobrança ilegal, incluindo o então gerente de Licenciamento do órgão municipal, James Jones Silvestre.

Segundo a investigação, ele é suspeito de exigir dinheiro para facilitar e acelerar a aprovação dos licenciamentos ambientais. James é irmão de um engenheiro dono de uma empresa de consultoria em projetos em Palhoça. O irmão está entre os empresários presos. O caso ainda é investigado em inquérito criminal sigiloso pelo MPSC.

Em julho, o secretário de Governo do munícipio, Carlos Alberto Fernandes Júnior, foi preso pela Polícia Civil em uma operação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). A operação prendeu outras duas pessoas suspeitas de fraudar licitações na empresa Águas de Palhoça.

Fotos: Daniel Queiroz

Fonte: RIC MAIS

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