Escritora catarinense enfrenta preconceito com livro sobre poder feminino

Bruna Sofia Morsch. Foto: Maurício dos Santos

Entrevista de Maurício dos Santos.

Uma vida no divã: a biografia de Lacan é uma bíblia na vida de Bruna Sofia. A psicanálise lacaniana, moldurada por discursos mais poéticos do que políticos, traz forma e cor a uma delicada atitude literária. Bruna explora a feminilidade em todas as suas vertentes: é líder de si mesma, e a audaciosa maneira de afirmar sua intelectualidade a transforma em símbolo para importantes discussões sobre poder, sexualidade, psicanálise e comportamento – ampliando para uma reflexão mais geral sobre os direitos humanos.
Sabemos o quanto existe uma violência autorizada que impõe regras a tudo o que é e se torna feminino. Nossa sociedade sobrevive em constante mutação de si mesma. Os diálogos literários de Bruna nas redes discorrem sobre de que forma o corpo torturado lida com seu trauma, bem como toda a uma sociedade que se submeteu, aceitou ou resistiu à tortura: vivemos em uma doutrinação, em que a arte emerge como um remédio social.
Neste debate sobre o papel da mídia e da cultura como instrumentos de luta e resistência, surge uma jovem escritora em busca de identidades. Mais que isso, Bruna cumpre, com sua literatura contemporânea, um lugar de fala e defesa. Acompanhe nossa entrevista com a autora de Van Ella Citron.

Nome completo: Bruna Sofia Morsch
Formação: Psicóloga especialista em Psicanálise
Livro favorito: O seminário, livro 20: mais, ainda – Jacques Lacan, 1973
Ídolo: Buffy Anne Summers (do seriado Buffy: a caça-vampiros, o mais estudado na comunidade acadêmica nos setores sociológicos e feministas americanos)
Frase/mantra: “I may be dead, but I’m still pretty.”
Naturalidade: Joinvilense
Idade: 25
Profissão: Psicanalista, escritora e professora
1 – Por que a Psicanálise pode ser compreendida como uma ciência, mas também como uma arte?
Se pensarmos nas demandas positivistas da construção científica, a psicanálise não é uma ciência legítima. Claro, aprendemos a psicanálise nas universidades e, ainda, encontra-se bem institucionalizada, bem como a própria e tão complexa filosofia. Mas, justamente por ser um discurso – o psicanalítico – algo que não nos dê respostas tão bem contornadas e concretas – visto o inconsciente,  conceito tão abstrato – a psicanálise tem legitimidade de um discurso artístico, vejo eu. Assim, embora esteja na academia fundada no cerne de uma demanda clínica dos grandes médicos do século XIX (incluindo Freud), a psicanálise tem toda a sua conceituação à base de construções mitológicas e filosóficas (aqui, os conceitos reconfigurados de totem, tabu, édipo), releituras artísticas à luz do processo analítico que gira o sintoma do sujeito no eixo das suas modalidades de desejo, amor e gozo. Que ciência é essa que faz e analisa o sintoma sob amor e desejo? Não poderíamos pensar em nada mais que a nossa tão arteira psicanálise – nascida em ventre científico, edificada em corações desejantes. Quer frase mais poética e psicanalítica que essa?! Bom, encontrarás muitas outras, afora das bocas de outros analistas ou, ainda, artistas. Eu sou suspeita, pois sou ambos (rs).
2 – Na sua opinião, de que maneira a Psicanálise pode ser aliada e companheira de manifestações artísticas como a Literatura e o Cinema?
Esta pergunta me fez lembrar de uma cena magnífica que tive com um professor e, hoje, grande amigo meu, durante um dos módulos da minha especialização. Eu estava buscando respostas à luz dos conceitos diante da posição feminina e acabei comentando do meu livro, e ele, de outras expressões artísticas que nos dão notícias sobre a psicanálise. Aqui, diante desta pergunta, faço uma analogia com o famoso trocadilho “quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?”. A mesma coisa podemos dizer de arte e psicanálise. É uma intimidade tão grande que não sei se os nomes ‘arte’ e ‘psicanálise’, de fato, se separam diante da realidade que é o inconsciente do sujeito. Mas, certamente, a arte em geral nos dá ricas notícias sobre o inconsciente, o sofrimento, o ódio, o amor, o gozo e o desejo. Não é à toa que “complexo de édipo”, “Freud explica”, “artistas são loucos” e “que loucura é essa que Freud tá falando que eu desejo a minha mãe?!” são jargões que inclinam psicanálise e arte no mesmo oceano. Só quem tem a loucura de achar que se é normal não vai me entender tanto assim. Portanto, certamente, todas as modalidades artísticas, seja lá qual for – sua sutileza ou a sua brutalidade – nos dão notícias do caráter de sujeito do inconsciente que nos trás os estudos psicanalíticos. O gozar do usufruto da arte, nada mais é que o arrepio que nos dá ao fazer assistência de uma produção que tanto diz de nós mesmos.
3 – O que você quer expressar com a sua obra literária?
Bom… tantas coisas. Penso que o meu desejo com a literatura está muito íntimo com as formas como eu tento entender o meu inconsciente. Contudo, os outros que elaborei na minha constituição diz de uma forma comunitária de identificação. Assim, certamente, busco discutir sobre perguntas que nos parecem tão bobas no nosso dia-a-dia, mas nos afetam de maneira tão grandiosa em nossas vidas – fatores esses que levamos aos nossos analistas quando deitamo-nos no divã, sabe? – e dizemos por aí que não é nada demais… Perguntas como “o que é ser uma mulher, hoje? O que da sexualidade conseguimos sustentar na sociedade contemporânea visto a realidade de escassez de amor, escassez de real e exuberância do virtual? O que nos move? A demanda? O desejo? Do que estamos gozando neste mundo tão louco e moralista? O que fazemos com os nossos e os vossos corpos? Qual é a nossa ética?” Enfim… loucurinhas como estas gostaria eu que atravessassem os sujeitos que leem o meu livro. Mas como já diz Lacan: “você pode até saber o que disse, mas nunca o que o outro escutou”… às vezes, nem mesmo o que dissemos está possuído de um saber tão totalitário. Mas, de qualquer forma, visto os feedbacks de alguns leitores e críticos, vejo que atravesso muito os meus leitores no que tange o desejo de exercer suas subjetividades, em notícias do que se tratam as feminilidades e o caráter subversivo e a importância de ter lugar legitimado de fala e questionamento em quaisquer situações. Tenho gratidão por ser escritora de Van Ella Citron.
4 – Quais os planos e metas para 2019?
Bom, nos últimos meses eu tenho dado umas férias para mim mesma (e que férias!) que, até então, não tenho investido muito tempo para pensar afrente. Muitas coisas se concluíram em 2018. Consegui construir um nome de legitimação interessante por aqui nas redondezas do sul do país, mais especificamente, no litoral catarinense, Joinville e Curitiba. Ainda assim, tenho planos de continuar investindo na minha atuação clínica como psicanalista. Quero também promover o quanto mais a minha arte, possivelmente com novas produções artísticas para além de Van Ella Citron.
5 – A arte é uma expressão militante?
Voltando à pergunta sobre arte e psicanálise… Se arte e psicanálise caminham juntas e os seus princípios de produção vem pela via do amor, desejo, gozo, sofrimento – enfim, do sujeito – certamente, a arte é militância por livre e espontânea operação. Não é necessário levantar bandeira alguma (mesmo que alguns artistas o façam – e eu acho isto um máximo!) para fazer militância com a arte. Vejamos o enigma de Mona Lisa: uma obra tão sutil que resgatou o debate sobre a homossexualidade que ineria a Leonardo da Vinci. Ou Frida Kahlo… Nem tão preocupada com os feminismos, mulher tão amada pelo movimento do mesmo título. Inclusive tem canequinhas e souvenirs que muitos e muitas e muites feministas compram por aí – sem contar os memes e a tão famosa frase utilizada pelos internautas “não me Kahlo”, fazendo referência à artista. Frida Kahlo é um ótimo exemplo de arte que faz militância sem mesmo querer fazê-la. Frida expressou a sua vida da forma como bem quis e fez e explorou o usufruto da sua sexualidade em modalidades um tanto chocantes ao seu tempo. Frida é feminista porque ela, o sujeito que ela era, a posição que ela tomava faz jus ao que dizemos o que hoje é feminismo. Isso é o que há de tão magnífico na arte. A arte milita por quem consome e circula como um vento, produzindo furacões violentos ou as mais suaves brisas, sem que o artista intencione.
6 – Em poucas frases, o que você aprendeu com as obras de Freud e Lacan, que fizeram a diferença em sua vida?
Difícil… Eu não sou mulher de poucas palavras… Mas considero que a psicanálise de Freud e Lacan, bem como o meu processo de análise e a minha formação me trouxeram uma forma mais libertadora de lidar com as limitações da vida… Acho que, com a psicanálise, consegui saltitar com leveza do discurso que tanto nos empurram goela abaixo “eu sei, eu quero eu posso!”, para “talvez eu realmente não saiba, quem sabe eu queira e, será que eu posso?” – esta última proposição, pra mim, é muito mais leve e libertadora e me fez chegar muito mais longe do que decretar coisas que talvez eu pouco consiga sustentar, pois creio que as perguntas nos trazem mais respostas. O caminho inverso é um tanto mais abismático que enigmático. E isto também vale para a minha relação com os outros… Quem é de ferro aqui? Ninguém… E eu também sou de carne. Claro, esta tarefa não é nada fácil, e eu não sou heroína alguma que diz aqui que faço isso com a maior leveza feito branca de neve que canta junto com os passarinhos do jardim… Eu tenho os meus dias.
7- O que você deseja para 2019?
Amores, olhares, tipo olho no olho… Pele, vísceras, sorrisos ao vivvo e a cores! Desejo, muito desejo! Mais smartpeople, menos smartphones, por favor! rs. É isto! Obrigada pela oportunidade de entrevista

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